Capítulo Dez - "Queria Você Aqui"

290 24 22
                                    


39 semanas de gestação – Cinco meses de viagem
42 Moris Ave, Morristown, Nova Jersey, Estados Unidos – 04:21 AM

Ella sentiu um desconforto e acordou no susto. Suas mãos, instintivamente, desceram para a barriga e ela respirou fundo. Era uma dor estranha, diferente das que ela tinha sentido na semana anterior, parecia uma cólica, só que mais forte. Então sentou na cama, esperando o desconforto passar, esperando para ver se sentia mais alguma coisa, mas nada acontecia. Olhou no relógio para tentar calcular, mais ou menos, o tempo de intervalo entre cada uma das dores. Porque, se fosse uma contração, ela teria que fazer esse controle. Eram quase seis da manhã e ela não queria fazer um alarde desnecessário, então ficou deitada na cama, esperando qualquer "novidade". Cerca de trinta minutos depois, a dor voltou. Era na mesma intensidade, durando poucos segundos. A menina apenas respirou fundo, tentando relaxar e ficar tranquila. Se aquilo se tornasse um padrão, ela avisaria a alguém. Não queria fazer um alarde para no final ser outro alarme falso.
Na semana anterior, Ella e Noah tinham corrido para a emergência, porque ela estava sentindo dores abaixo da barriga e pensou que estivesse entrando em trabalho de parto. E como Adelaide disse que depois das 37 semanas, qualquer desconforto deveria ser avaliado e levado em consideração, então não pensaram duas vezes antes de seguir para o hospital. Mas, no final das contas, era um alarme falso, só que os exames mostraram que o bebê já estava em posição e "encaixando", como os médicos dizem, ou seja, poderia nascer a qualquer momento.
Depois de, mais ou menos, duas horas fazendo esse acompanhamento e vendo que as dores estavam num padrão constante, Ella percebeu que era o momento de falar com alguém. Esperou que a próxima contração viesse e assim que passou, levantou da cama com certa dificuldade, porque sua barriga estava enorme, e depois caminhou até o quarto de sua mãe, que dormia de forma calma e despreocupada.

- Mãe. – a menina falou baixo, enquanto tocava o ombro da mãe, balançando de leve.
- Hmm. – Lena respondeu, sem abrir os olhos.
- Eu acho que agora são contrações de verdade. – Ella disse, como se fosse algo simples. A mais velha despertou rapidamente, ficando de pé quase num pulo.
- O que você tá sentindo? Quantas vezes sentiu? Quanto tempo durou? – lotou a filha de perguntas, mais do que ela podia responder na hora.
- Calma, respira. – a mais nova pediu, sentando na cama da mãe e esticando o corpo para trás, tentando aliviar um desconforto que sentia nas costas há alguns dias. Lena sentou ao lado da filha, parecendo mais nervosa que a grávida. – Eu senti a primeira cerca de duas horas atrás, fiz o acompanhamento e elas estão de meia em meia hora. Não doem muito, é mais um desconforto do que realmente dor. Dura coisa de vinte ou trinta segundos... Talvez tenha acontecido antes, mas não tão forte para que eu sentisse. – Ella deu de ombros, como se não fosse muito importante.
- Tá, temos que ligar para a Adelaide, deixá-la avisada. Talvez possa ser outro alarme falso, mas devemos ficar preparadas. – Lena falou, procurando pelo celular, que sempre sumia quando ela mais precisava.
Ella levantou, voltando para o seu quarto. O nervosismo de sua mãe estava-a deixando enjoada e confusa. Deitou na cama novamente, tentando relaxar. Ouvia a mãe revirando o próprio quarto e falando consigo mesma, ainda procurando pelo telefone. A menina respirou fundo, esticando o braço e pegando o próprio celular na mesa de cabeceira. Ela sabia que a mãe queria ajudar, mas ansiosa e nervosa como estava, não conseguiria nem achar a própria cabeça em cima do pescoço.
- Mãe, já estou ligando! – gritou, quando confirmou a ligação. Lena entrou no quarto, sentando ao lado da filha e colocando a mão em sua barriga. Ela estava bem mais baixa e dura, parecia realmente que o bebê estava descendo. – Oi, Adelaide, bom dia. É a Ella, desculpa te ligar tão cedo, mas você disse para que eu entrasse em contato caso sentisse algo diferente e, bem, eu estou sentindo...
- Oi, querida, bom dia. – a voz da médica soou quase animada do outro lado da linha. Nem parecia que era antes das sete da manhã. – Me fale o que está sentindo.
- Eu acordei sentindo uma cólica leve e uma dor nas costas, na altura da lombar, que vem e vão de tempos em tempos.
- Você fez algum controle? – Adelaide soou um pouco mais profissional.
- Sim, eu contei e elas estão de meia em meia hora, durando cerca de trinta segundos.
- A dor é forte ou suportável?
- É mais um desconforto do que uma dor em si. – a menina respondeu, ouvindo a médica murmurar em resposta, como se estivesse fazendo notas mentais.
- Ok. Eu vou precisar que você fique bem relaxada, porque você deve estar entrando em trabalho de parto. Ainda deve demorar, suas contrações estão espaçadas e curtas, então não há necessidade que você vá para o hospital agora. Pode ser que o processo se acelere nas próximas horas e sua bolsa rompa daqui a meia hora, como também pode progredir lentamente e demorar mais algumas horas. Tudo vai depender do seu corpo e como ele vai reagir. – Adelaide falava devagar, como se não quisesse deixar a futura mamãe nervosa, ou ainda mais nervosa. – Assim que a bolsa estourar, você vai para o hospital. Eu te encontrarei lá, então não esqueça de me avisar, ok?
- Ok. – Ella respondeu com a voz baixa, como se estivesse, lentamente, entendendo o que estava acontecendo.
- O que ela disse? – Lena perguntou, ansiosa. Ela estava mais nervosa do que realmente queria estar. Lena sabia que deveria ser o referencial de segurança para Ella, mostrar a ela que tudo daria certo. Só que ela não era assim, não era uma pessoa "segura". Lena era muito destrambelhada, sempre agitada. Ela tinha noção que tinha sido uma mãe mais doida do que deveria e tinha dito a si mesma que melhoraria nisso como avó. Só que era mais forte que ela, não era como se escolhesse ser assim.
- Calma aí, mãe. - a filha levantou a mão, pedindo que ela esperasse.
- Então tome um banho, se alimente bem e relaxe. No máximo, caminhe um pouco pela casa, isso pode ajudar a acelerar o processo, caso você esteja com pressa. Caso não queria, basta esperar o seu bebê sentir que é o momento de vir ao mundo. E não se desespere caso note algum sangramento, é normal, é apenas o seu corpo se preparando para a chegada do seu filho. – a médica percebeu que a menina estava em silêncio por muito tempo e se preocupou um pouco. – Ella, você está me ouvindo?
- Estou sim, só preciso de um tempinho para absorver tudo. Sei que é o momento pelo qual eu estava esperando, mas a gente nunca está preparada quando ele chega. – respondeu, sincera. – E também preciso acalmar a minha mãe. – completou, rindo e olhando na direção de Lena, que fazia uma careta, meio contrariada.
- Não se desespere, minha querida. Nosso corpo é preparado para isso, você vai perceber como tudo será muito mais simples do que parece. E peça para Lena não te deixar nervosa também.
- Obrigada, Adelaide. – a menina disse, com a voz num misto de nervosismo e felicidade.

Assim que desligou o telefone, Lena a encarava com a expressão ansiosa e Ella respirou fundo, porque lidar com o bebê querendo nascer e sua mãe, seria muita coisa para a sua cabeça.
- Ela disse que ainda pode demorar um pouco, que é para eu avisar quando a bolsa estourar e seguir para o hospital, que ela vai me encontrar lá. Tudo vai depender de como o meu corpo vai reagir e como todo o processo vai seguir. Pode demorar meia hora, assim como pode demorar horas. – a menina explicou, mesmo tendo em mente que sua mãe deveria saber tudo isso, já que já tinha tido um bebê, mas também sabia que, naquele momento, Lena devia mal saber seu próprio nome. – Então é para eu tomar um banho, me alimentar bem e relaxar. Se quiser acelerar o processo, posso caminhar pela casa, que ajuda. Caso não queira, só esperar.
- Ok, banho, comida e relaxar. – Lena repetiu para si mesma, como se estivesse decorando algo. – Vou descer para preparar algo pra você comer.
- Tudo bem. – Ella sorriu de lado, vendo que a mãe estava tremendo um pouco. – Mãe... – ela chamou sua atenção, pegando uma de suas mãos. – Vai dar tudo certo.
- Sim, vai dar tudo certo. – a mais velha forçou um sorriso. – Eu que deveria estar te tranquilizando, não o inverso. – a filha sorriu mais abertamente com o comentário.
- Nós duas sabemos que as coisas não acontecem da forma correta por aqui, não é mesmo?
- Vou fazer aquelas panquecas que você gosta. – Lena disse, levantando da cama e seguindo na direção da porta. – Ela, provavelmente, vai ficar um tempo sem comer depois que for para o hospital, então o café da manhã tem que ser reforçado. – falava para si mesma, antes de sumir pelo corredor.

Depois que ficou sozinha, Ella tentou organizar seus pensamentos e não surtar. Ela teria um bebê em breve, muito em breve, então sua cabeça teria que estar no lugar, porque ela seria responsável por uma pequena pessoa e isso não dava espaço para erros. Tentou fingir que estava pronta, que esses últimos meses foram o bastante para que ela pudesse ajustar a sua vida para a chegada do seu filho, mas percebeu que nada tinha mudado de fato. Ela continuava aquela menina aérea, sem muito foco e que sonhava acordada dia após dia. Essa não podia ser mais a sua realidade e precisava se transformar, antes que acontecesse alguma coisa que a obrigasse a mudar. O bebê havia sido seu desejo, certo? A realização de um sonho, de construir sua família. Então esse crescimento interior teria que vir acoplado nessa mudança. Ella precisava deixar qualquer medo de lado agora, pensar apenas no seu filho. Deixar para imaginar as mudanças em sua vida depois. Porque, agora, só serviria para aumentar uma pressão que já era gigantesca. Era como se o seu mundo tivesse dobrado de tamanho e ela precisasse carregá-lo nas costas. Sozinha. Sem apoio. Sem nenhuma ajuda. Ela precisaria crescer. O nascimento do seu bebê deveria ser o nascimento de si mesma, novamente.

Pegou o celular, tinha que avisar seus amigos que muito em breve eles teriam um companheiro. Sentiu o desconforto mais uma vez e respirou fundo, contando os segundos em sua cabeça mesmo.

DylanOnde histórias criam vida. Descubra agora