05. Confronto (parte 2)

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Cruzar o pátio foi um momento de tortura pois as imagens ofensivas já haviam se espalhado pelos celulares e os olhares pesavam sobre Amanda. Alunos cochichavam, achavam graça, apontavam para a menina. Amanda seguiu de cabeça baixa com Lex a puxando pelo caminho. Tina retardou o passo lembrando da conversa deles na biblioteca.

"É culpa do apelido."

"Eles vão esquecer quando alguém fizer uma besteira gigante ou irritar algum deles."

"Me ajuda!"

Quando cruzaram com a Gangue do Mal, o melhor amigo de Davi iniciou as implicâncias. Leandro repetiu, em voz alta, as piadas que todos haviam recebido pela internet e a gargalhada se alastrou pelo pátio.

Tina parou, imersa em pensamentos.

- Vamos! - implorou Amanda.

Tina fechou os olhos e respirou fundo pronta para marchar em direção àquele grupo que eles tanto odiavam. A uns três metros de distância, atacou.

- Olha quem fala! Vocês não têm espelho em casa, não?

Já fazia muito tempo desde que alguém havia os desafiado e a surpresa roubou deles alguns segundos antes que pudessem reagir. Foi Davi, o líder do grupo, quem recebeu a pressão maior de todos os olhares ao redor. Até mesmo os amigos dele aguardavam alguma atitude. Ele precisava decidir como agir, lembrando que estavam dentro da escola, ou colocaria tudo a perder.

O primeiro passo era demonstrar confiança, então ele sorriu e se aproximou da garota insolente.

- Perdeu o juízo? - perguntou alto o suficiente para que os alunos mais próximos escutassem. - Quer que eu encontre pra você?

- Que tal encontrar um pouco de bom senso e educação? - Tina se agarrou a um resquício de coragem para não fugir. - Acho que vocês estão precisando.

Leandro ficou ao lado do amigo Martins prontos para darem apoio caso necessário. Pedro estava um pouco atrás, sentado no encosto de um banco de concreto e, logo abaixo, estava Paola abraçada às pernas dele. Viviane compartilhava o banco com a amiga.

- Vai dar merda. Eu avisei. - Pedro pensou alto.

- O quê? - perguntou Paola.

- Nada.

- Davi dá conta. Não se preocupe.

Ele não estava preocupado com Davi.

- Sério! Vocês não tem moral para falar de ninguém - continuou Tina. - Martins, você parou de crescer no jardim da infância. Leandro, se você virar de lado desaparece de tão magro. E você, Davi, tem tanta espinha nessa cara que eu me pergunto se é pra ler em braile.

Os alunos ao redor se agitaram, ecoando uma espécie de uivo para incentivar a briga, fazendo o sangue de Davi ferver. Risadas incrédulas se espalharam, celulares começaram a gravar o conflito. Tina sentiu calafrios ao perceber a dimensão do que estava fazendo. Amanda desapareceu de cena e Lex, após o choque inicial, correu atrás de algum inspetor em busca de socorro.

Davi avançou com intenção de intimidar. Tina estremeceu, mas resistiu ao medo. Os dois se confrontaram, olho no olho, a poucos centímetros de distância. Ela podia sentir o hálito dele, o vermelho doce de chiclete recém mastigado.

- Você esqueceu com quem tá falando, garota?

Tina lembrava muito bem. Davi era o esboço mal feito de tudo que ela mais desprezava: indiferença, hipocrisia, arrogância...

- Estou falando com a pessoa mais desprezível deste lugar - disse Tina em voz baixa e firme, tentando manter a discussão somente entre eles dois.

- Ninguém nunca desprezou isso aqui. - Com um sorriso malicioso, Davi puxou o quadril de Tina de encontro ao dele. Ele sabia como acovardar meninas recatadas e certinhas.

- Não encosta em mim! - Ela empurrou o garoto. - Eu tenho nojo de você.

Davi gargalhou alto reforçando a posição de vitorioso. O aglomerado de alunos se agitou e Pedro se aproximou dos dois, com Paola e Viviane seguindo logo atrás. Ele procurou Lex e Amanda em meio aos alunos no pátio. "Cadê a Princesa de Copas e o Menino Otaku? Onde se meteram que não estão aqui impedindo essa estupidez?", pensou.

Por sorte e influência de Lex, o inspetor da escola surgiu para acabar com o conflito. Seu Osmar já estava perto de se aposentar. Era um senhor baixo, calvo, com orelhas grandes e uma bagagem rural com todas as normas e costumes de décadas passadas.

- Ei! O sinal já tocou. Vamos! Todos de volta pra sala! - ordenou dispersando os alunos. - O que está acontecendo? - perguntou à Tina.

- Davi e a quadrilha de delinquentes é o que tá acontecendo - respondeu irritada.

A gangue tentou sair à francesa, mas foi repreendida pelo inspetor.

- Davi, volte aqui!

- Eu não fiz nada - respondeu achando graça. - A gente só tava brincando.

- Brincando?! - protestou Tina.

- Foi ela quem chegou aqui ofendendo todo mundo - defendeu Paola. - Não se faça de vítima!

- Não quero saber quem começou - interrompeu Seu Osmar ao perceber que a complexidade da confusão não valia o esforço. - Vão todos já pra aula!

- Vai ficar por isso mesmo?! - perguntou Tina indignada.

Davi e os amigos aproveitaram a chance para escapar. Seu Osmar colocou a mão nas costas de Tina, em pretensa cumplicidade, enquanto caminhava ao lado dela em direção à escada.

- Não exagera, Tina! Por que foi se meter com eles? Sabe como eles são. Você é uma boa aluna. Fica longe...

Tina ignorou o resto do discurso e apenas acompanhou o funcionário decepcionada. Os adultos pouco se importavam e sempre escolhiam o caminho mais cômodo e, então, eles passavam uma borracha no assunto para fingir que nunca aconteceu.

Pedro e TinaOnde histórias criam vida. Descubra agora