03. Em frente à casa rosa (parte 2)

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Em frente à casa rosa, os dois adolescentes se encaravam. O olhar de um fixo no do outro. As memórias desagradáveis daquela manhã, ainda frescas na mente da menina, faziam o sangue ferver. O coração batia forte superando o medo de o enfrentar. O grito de liberdade entalado na garganta.

Os dois estavam perto demais deixando Tina desconfortável, pois era preciso erguer o queixo para o encarar. Mesmo assim, ela se manteve firme na posição.

E ele também.

Ela, enfim, cedeu dando um passo para trás.

— Eu não vou lá - insistiu Tina, indignada. — Se quiser, vá você.

— Eu não posso ir. Tô matando aula, caso não tenha percebido.

Sim, ela havia chegado a essa conclusão no momento em que viu a regata de malha com marcas de suor e o número 23 estampado no peito.

— Então liga pra ele, oras.

— Tô sem bateria.

Ela respondeu um sonoro "não", pois desistir agora era mais vergonhoso do que ter acatado o pedido desde o início.

Os dois se encararam por alguns instantes e, desta vez, ele cedeu. O coração de Tina acelerou ainda mais, pois estava incrédula sobre a própria vitória. Apreensiva, retomou o caminho de casa.

Foram apenas dois passos.

— Não é assim que funciona e você sabe disso. - Pedro colocou a mão no carro bloqueando o caminho

— Eu não tenho medo de ameaças. - Sim, ela tinha. A menina usou a raiva para encobrir a tensão.

— Eu não estou ameaçando. É só um conselho.

Tina tentou causar algum impacto nele, mas estava tão nervosa que as palavras fugiram da mente da garota.

— Faça como quiser - disse ele virando-se para pegar a mochila sobre a mureta da casa rosa. — Depois não diga que não avisei.

— Eu cansei de vocês! - As palavras vieram com força e foram cuspidas em menosprezo. — Eu não vou mais baixar a cabeça! Chega!

— Não está mais aqui quem falou - foi a resposta debochada do garoto, que se afastou em marcha ré com os braços abertos, desistindo do embate.

Pedro virou as costas para ela e caminhou em direção à escola.

A menina foi deixada para trás e só então percebeu o quanto estava alterada. Olhou para as mãos que tremiam de leve e culpou o baixo nível de glicose dado o avanço da hora. No fundo, ela compreendia o tanto de coragem que precisou reunir para dizer aquele "não".

Viu Pedro descer a rua e colocar o braço no ombro de um colega de classe qualquer, como se fossem amigos. Eles não eram. O garoto chegou a tentar atravessar a rua assim que avistou Pedro, mas já era tarde, e acabou voltando para chamar Davi.

Enquanto aguardava o amigo chegar, Pedro percebeu Tina, ainda estática, onde ele a havia deixado. Seus olhos se cruzaram por um único segundo fazendo com que ela voltasse a si e retomasse o caminho de casa. Os pés seguiram os buracos no cimento, no automático, enquanto os pensamentos confusos eram organizados.

Quando cruzou pela porta, o desânimo já estava de volta. Como quase sempre, a casa se encontrava vazia e silenciosa: a mãe no trabalho e a irmã com a avó.

Tina pendurou a chave no lugar certo, no terceiro gancho da esquerda para a direita, guardou os tênis na prateleira, ao lado do chinelo e da sandália rasteira, colocou o uniforme para lavar no cesto de roupa suja, dobrou a calça jeans para usar mais uma vez no dia seguinte, vestiu roupas confortáveis e seguiu para a cozinha. Esquentou a comida que a mãe havia deixado pronta, sentou na cadeira e chorou.

Fez como todos os dias à exceção das lágrimas. Elas nem sempre vinham e, muitas vezes, faziam falta. Era quase sempre mais fácil quando transbordava.

Pedro e TinaOnde histórias criam vida. Descubra agora