28. A caminho de casa (parte 1)

47 8 8
                                    

A luz alaranjada dos postes, apontando para a rua deserta sob a noite escura, deixava a atmosfera ainda mais onírica e confusa. Os pensamentos nublados levaram Tina em direção à escola, seguindo a batida da música e o burburinho de vozes, mas ela recuou ao avistar o resto da gangue em frente ao portão.

Tina recostou na parede afastando a memória dos últimos momentos, o ranço deixado pelas sombras, pelo odor de vela e mofo, pelo amargo úmido de sangue. Ela precisava se concentrar em voltar para casa, ou qualquer lugar seguro, onde pudesse organizar e dobrar, etiquetar e guardar cada um dos sentimentos que explodia dentro dela.

Checou as mensagens no celular: Lex estava em um evento de k-pop, Amanda tinha ido embora com o pai, após enviar várias mensagens que ficaram sem resposta. Elas tinham combinado de voltarem juntas e Tina estava sem carona.

Àquela hora, não havia tijolos amarelos para ela seguir e a perspectiva de um criminoso a transformar em manchete de jornal era assustadora. Sem alternativa, respirou fundo e arriscou. A mãe a mataria se soubesse. Porém, um bêbado interrompeu a jornada e a fez mudar de ideia ao vir andando em zigue-zague falando coisas desconexas. Ela voltou.

Tina estava pensando em alguma desculpa para a mãe ir buscá-la, quando avistou Pedro e Martins descendo a rua. Ela se escondeu atrás de um carro estacionado, mas acabou esbarrando em um amontoado de garrafas e latinhas abandonadas no meio fio. O barulho alertou os dois para a presença de alguém e, antes que ela pudesse pensar em alguma saída, Pedro e Martins a encontraram agachada.

- Ótimo! - Pedro balançou a cabeça e cruzou os braços em frente ao peito. - O que você tá aprontando, agora?

Martins gargalhou ao vê-la.

- Nada! - Ela se levantou envergonhada.

- Aposto que pensou em voltar lá dentro para ver se a gente largou alguma prova pra trás.

- Não! - A suspeita de Pedro era absurda.

- Então o que você tá fazendo aqui? - perguntou Martins.

- Perdi minha carona - confessou constrangida. - Fiquei com medo, no caminho, e acabei voltando. Eu tava decidindo o que fazer.

- Você acredita nela?

- Acredito. - Pedro suavizou a expressão. - Eu vi as mensagens da princesinha quando estava apagando o vídeo. Ela foi embora naquela hora.

- Então tá - disse Martins. - Vou me encontrar com o resto do povo. Você vem?

- Sem condições. Vou pra casa.

Martins se despediu e Tina aproveitou para fazer o mesmo, tentando escapar.

- Pode ir parando aí! - ordenou Pedro fazendo ela voltar a contragosto. - Você não disse que tava com medo de voltar sozinha?

- Fazer o quê? - Ela deu de ombros.

- A gente vai na mesma direção, então, eu vou com você.

Tina arregalou os olhos e tentou fazer com que mudasse de ideia.

- Eu não perguntei. Só tô informando. - Foi o argumento definitivo dele. - Eu não sou garantia de nada, mas é melhor do que voltar sozinha a esta hora.

E, com certeza, era melhor do que ligar para a mãe, pensou Tina.

Os dois caminharam em silêncio até cruzarem com o bêbado, o que deixou Tina tensa, diminuindo o passo.

- Foi ele que te assustou? - Pedro colocou a mão nas costas dela, se posicionando entre os dois, ao desviarem do sujeito.

Ela confirmou com a cabeça e ele riu.

- O cara não consegue andar em linha reta. Se tentar alguma coisa, é capaz de cair com a cara no meio-fio.

Ele amenizou o risco com as palavras transmitindo segurança com a postura. Tina deu uma espiada rápida no garoto ao lado. A mão tinha saído das costas e pendia do bolso da calça pelo polegar enquanto ele caminhava tranquilo. Tina estava confusa sobre o que pensar ou sentir. Segurança e medo, atração e antipatia, gratidão e ressentimento, todos andavam de mãos dadas ao redor dele. Poucos minutos antes, ela queria ele longe e, naquele momento, ela estava feliz por tê-lo perto.

Tina tentou se despedir dele em alguns pontos do caminho, mas Pedro insistiu em ir junto até a casa dela. Para evitar pensar no silêncio constrangedor, Tina focou a atenção na sombra dos dois. Projetada no chão, ela mudava e se refazia pelas diversas fontes de iluminação artificial, se multiplicando em diversos tons de cinza sob o tom alaranjado.

O tênis esportivo novo e de cores vivas, que caminhava ao lado dela, contrastava com a calça jeans surrada. De cabeça baixa, ela chegou na esquina de casa sentindo o estômago somatizar toda a ansiedade.

- É melhor eu ficar por aqui pra minha mãe não me ver chegando com um garoto.

Ela agradeceu e se afastou.

- Espera! - Uma única palavra foi o suficiente para o coração da menina contrair dentro do peito.

- Está tarde. Preciso ir. - Ela nem tentou esconder o medo enquanto se afastava.

- Eu mandei esperar. - Ele a pegou pelo pulso, ela tentou se soltar e ele insistiu. - Esqueceu que agora você é minha?

Pedro e TinaOnde histórias criam vida. Descubra agora