16. Chamada perdida

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Tina estava exausta quando entrou em casa. Largou o sapato no armário, sobre as sandálias, esqueceu a chave na porta e atirou a mochila no chão do quarto, seguindo direto para o banheiro.

Lá, apoiando as mãos na bancada, encontrou uma Tina em frangalhos no espelho. Terminou de soltar o cabelo desgrenhado, tirou o uniforme e ficou observando, desanimada, o reflexo de si mesma. Prestou atenção aos seios e sutiã virando de um lado, de outro, então cobriu o corpo com a camiseta e repetiu as posições.

"O rosa combina com você".

Ela fez uma careta de raiva ao lembrar de Pedro e do sorriso debochado dele. Amassou o uniforme com força e jogou todo o ódio no chão junto com ele.

Retirou o sutiã e o estendeu na frente dela.

- Aposto que, até segunda-feira, você vai tá famoso. - disse para a peça de lingerie que acompanhou o restante das roupas no chão.

Tons de roxo e vermelho refletiam no espelho marcando a pele no local da ferida.

A água morna deslizou pelo corpo, a abraçando e lavando toda a sujeira. Fez também a ferida arder ainda mais e denunciou alguns pontos machucados no cotovelo e nos joelhos, mas nem mesmo a dor foi capaz de tirar o prazer daquele momento. A fragrância do shampoo e do sabonete inundaram o banheiro lavando a alma de Tina. Ela precisava muito daquilo.

Ela já tinha almoçado, lavado e estendido todo o uniforme no varal, quando Lex tocou o interfone. Ela estava feliz por ter conseguido camuflar a camiseta de Pedro em meio às dela, tornando a diferença de tamanho imperceptível e evitando que a mãe fizesse perguntas.

- O que você tá fazendo aqui? - ela indagou assim que abriu a porta.

- Você me ligou! - ele respondeu com um sorriso estranho.

- Não, eu não liguei!

- Ligou, sim!

Lex ergueu o celular deixando visível as chamadas recebidas e lá estava o número dela. Tina ainda levou dois segundos até que a memória trouxesse uma careta de espanto.

- Que merda!

***

Foi no caminho de casa que Pedro percebeu o celular de Tina ainda com ele, no momento em que o bolso da calça vibrou.

Ele correu um trecho do caminho, mas a garota já estava longe.

Colocou o celular desligado na mesinha de centro quando foi almoçar, e a atenção insistiu no aparelho ao invés de focar na televisão.

Ficou observando a tela preta, por um tempo, antes de seguir para o banho. Lá estava o celular, ao lado da cama, quando foi se vestir. Guardou na mochila, a jogou dentro do guarda-roupa e foi jogar videogame, mas logo o aparelho estava de volta às mãos de Pedro.

Ele ligou e chegaram as notificações, quase todas mensagens e chamadas de Lex.

"Não esquece de me dar notícias quando chegar"
"Tina, kd vc?"
"Anda, moça, dá um sinal de vida"
"Tina, atende o telefone, tô ficando preocupado"

A imagem de fundo trazia Tina ao lado de uma menina bem mais nova que ela e, sobre a foto, havia alguns ícones de atalho bem organizados.

Pedro ficou encarando a tela inicial por algum tempo até decidir clicar no registro de chamadas.

- Tina! Aleluia! Onde você se...
- Lex, é o Pedro.

***

- Entra! Entra! - pediu Tina nervosa puxando o amigo pelo braço.

- Como é que isso foi acontecer? - Lex exibia um misto de preocupação e curiosidade - Eu te deixei praticamente em casa.

- Eles meio que... sequestraram a Amanda.

- Como assim?!

Após um intenso suspiro e alguns momentos de silêncio tentando descobrir por onde começar, Tina resumiu boa parte do episódio.

- Como é que ela tá?

- Muito assustada, mas não fizeram nada com ela.

Lex estava atento à história e só percebeu que Tina havia pego o kit de primeiros socorros quando ela o colocou sobre a cama.

- O que fizeram com você?! Eles te bateram?!

- Davi me derrubou e acabei batendo as costas numa pedra. Não foi nada demais, só que eu não consigo fazer o curativo.

Lex concordou em ajudar e ficou pasmo ao ver Tina virar de costas tirando a blusa sem qualquer pudor.

- Ei! - repreendeu desviando o olhar - Você lembra que eu sou homem, né?!

- Desculpa! - ela se deu conta da situação - Vou colocar uma blusa decotada. Com essa fica difícil.

- Tudo bem! Deixa!

Tina sentou na cama, de costas para Lex, segurando a própria blusa contra o peito.

A lateral do seio estava visível, desenhada em uma curva sensual, atraindo a atenção de Lex. Com esforço, ele conseguiu se concentrar no machucado.

- Pra que essa agressão?! Davi foi muito covarde!

- Esse não é o problema. Eu provoquei. Eu pedi por isso.

- Você queria apanhar? Tá louca?!

- Esse era o plano. Assim eu teria algo concreto contra ele.

Tina sentiu o amigo tocar a pele dela e logo se lembrou das mãos de Pedro. Ambos eram gentis, mas havia uma inexplicável diferença e a simples lembrança a fez morder o lábio envergonhada.

- Sabe, Lex - disse ela após algum tempo perdida em pensamentos - o Leandro e a Paola, eles só querem humilhar os outros porque devem ter a autoestima do tamanho de uma ervilha. O Davi, por outro lado, calcula os riscos. Ele sabe o que tá fazendo. Já o Pedro...

Tina virou de frente para Lex, assim que ele terminou o curativo e só, então, continuou:

- O que ele quer? De que lado ele está?

Sem o machucado para manter o foco, tudo que Lex enxergou foi um pedaço de pano sobre a pele nua.

- Quem? - perguntou, confuso, desviando o olhar para o rosto da menina.

- Pedro! O que ele queria no telefone?

- Devolver o celular.

- Em troca de quê?

- Não falou nada. Só pediu pra você ligar pra ele. Pra você... Pro seu próprio celular.

Lex ofereceu o aparelho dele para que fizesse a chamada, mas Tina ficou imóvel, olhando para a tela nas mãos.

- Vai, Tina! Tá esperando o quê?

Ela esperava por coragem.

Pedro e TinaOnde histórias criam vida. Descubra agora