Tina desviou de uma variedade enorme de tecidos com estampa xadrez, chapéu de palha, rendas e laços, cheiro de canjica, salsichão e milho verde. Ao entrar na barraca, conseguiu passar despercebida sob o som alto que tocava pop e rock nacionais entre uma apresentação de quadrilha e outra.
Paola estava apoiada no balcão e, por um instante, Tina teve vontade de agarrar os cabelos ondulados que cobriam as costas da garota. Ela puxaria até arrancar um boa mecha de forma dolorosa e cruel. Por sorte, Tina se controlou respirando fundo mais uma vez. Ela se esgueirou pelos cantos à procura da bolsa. Caixas com descartáveis, sacolas e embalagens vazias estavam espalhadas por baixo do balcão. Paola conversava com alguém.
- E aí? Ele já apertou o beise?
A expressão dita por uma voz masculina chamou a atenção de Tina que apurou a audição.
- Não sei. Tenho que falar com um dos meninos - respondeu Paola. - Assim que eu achar algum deles, a gente pergunta.
Tina encontrou a bolsa e a pegou com cuidado para ninguém notar.
- Aquela rainha de merda fugiu e a outra fulaninha faltou. Agora tô presa aqui. A Viviane tá voltando e vou pedir pra ela ficar no meu lugar, daí eu cato os meninos pra saber.
Ele respondeu algo, mas foi abafado pelo som alto enquanto Tina se esforçava para escapar.
- Aproveita pra arrumar mais alguns tickets. - Paola pediu fazendo charme. - Leva alguma coisa pra sua mãe, vai. Quero ganhar esse churrasco.
Tina olhou para trás ao sair e viu o garoto, com uma expressão maliciosa, falar algo no ouvido de Paola recebendo um sorriso de volta.
- Ei! - ele alertou ao avistar Tina, mas ela conseguiu se misturar ao mar de cores e desaparecer.
"Apertou o beise". Ela tinha quase certeza de que falavam de baseado. Se alguém estivesse consumindo ou vendendo drogas na escola, com certeza os adultos teriam que tomar alguma providência. Ela precisava investigar, pois se esse alguém fosse Davi, talvez ela conseguisse acabar com ele de uma vez por todas e, sem ele, o resto da gangue estava perdida.
***
Pequenos grupos de adolescentes se espalhavam na rua em frente à escola sob a luz alaranjada dos postes. O comportamento de alguns denunciava o consumo de cigarros e bebidas alcoólicas embora eles tentassem esconder.
Tina manteve o foco em Leandro. Ele caminhou distraído até um certo ponto, quando passou a olhar tudo ao redor com atenção. Tina precisou tomar cuidado redobrado para continuar despercebida.
Ele parou diante da casa rosa e abandonada no final da rua e passou pelo portão. A cena era, no mínimo, curiosa.
Tina nunca havia prestado atenção àquela casa e a escuridão impedia que ela enxergasse muito além da fachada com janelas de madeira. Estimou que a construção deveria ser do século XIX, com grades de ferro fundido e muro de pedras. Havia um telhado destruído, em uma das laterais, sob a copa de uma árvore.
Chegando bem perto, percebeu que as dobradiças de um dos portões estavam soltas da parede. Ela empurrou as duas portas e elas permaneceram presas por correntes, como se fossem uma só. Conseguiu abrir um vão estreito por onde passou, rente à parede.
O jardim estava tomado por plantas mal cuidadas, cheiro de mofo e urina de gato. Apesar do frio na barriga, ela se esforçou ao máximo para manter silêncio seguindo o trajeto de Leandro ao redor da casa.
Por dentro, os vidros estavam cobertos por papel ou algo semelhante, mas ela percebeu uma luz tênue que passava pela treliça da janela de um dos cômodos. Subiu alguns degraus de azulejos quebrados e encontrou uma porta aberta. Há muito tempo atrás, ali teria funcionado uma cozinha.
Ela entrou no cômodo escuro e imundo de ladrilhos decorados, e seguiu as vozes que vinham da sala de estar. Se agachou rente à parede torcendo para que nenhuma barata ou outro animal repulsivo chegasse perto e puxou o celular. O coração batia acelerado diante da possibilidade de acabar com a gangue de uma vez.
Ela viu, pela tela do aparelho, que a sala continha móveis antigos e mal-tratados: um aparador rico em detalhes entalhados na madeira e um conjunto de sofá, com pés trabalhados, cobertos por mantas.
Davi estava numa das poltronas e Martins, sentado no chão, manuseava algo sobre a mesinha de centro. Tirando o facho de uma luminária à bateria que auxiliava o trabalho do garoto, o resto do cômodo estava na penumbra sob a luz de velas. Tina aproximou a imagem e, apesar de ignorar o procedimento, estava óbvio que ele enrolava os cigarros de maconha. Ela viu Pedro sair de um ponto cego da câmera e, pelo diálogo, foi fácil concluir que a erva era dele.
Tina parou a gravação com um aperto no peito. A erva era de Pedro e não de Davi! Antes que pudesse interpretar o impacto daquela informação, alguém arrancou o celular das mãos dela.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Pedro e Tina
Teen FictionTina estava cansada de ver a amiga sofrer bullying e resolve se rebelar. As coisas estavam indo de mal a pior quando Pedro, um dos agressores, descobre algo sobre o passado dela que Tina queria muito esquecer. Refém dos caprichosos do garoto, ela c...