09. Verdes da cor do mar

79 10 18
                                    

Ao final do recreio da quinta-feira seguinte, Tina começou a dar crédito às desconfianças de Lex.

Ainda no pátio, quando todos retornavam para as salas de aula, sentiu o prendedor de cabelo cair. O primeiro reflexo foi olhar para o chão, mas nada encontrou. Olhou ao redor e percebeu que a gangue tinha acabado de passar por ela. Tina suspeitou de Davi no mesmo minuto, mas resolveu o ignorar. Se o amigo estivesse certo, essa seria a melhor forma de evitar cair em alguma armadilha.

Antes que o professor chegasse, ela conseguiu uma presilha emprestada, pois o corte amador ainda estava muito recente para ser visto por todos. Ao final da aula, teve que a devolver e encarar o caminho de volta um pouco envergonhada.

Ao passar pela casa rosa e dobrar a esquina, avistou Pedro encostado numa parede recuada, num trecho mais largo de calçada. As pernas compridas estavam estendidas e cruzadas num jeans surrado, o cabelo era negro, curto e estava bagunçado. Ele juntava desleixo e autoconfiança em uma só imagem, e era fácil entender porque tantas meninas viviam suspirando por ele.

O garoto brincava com a presilha amarela e, ao ver Tina, acenou com o prendedor na ponta dos dedos como se fosse um queijo na ratoeira à espera da presa. O frio na barriga foi inevitável e ela paralisou. Pedro, então, resolveu se aproximar e, ao vê-la recuar, ele parou.

Aquela tensão era sufocante. Se certificando de que estavam sozinhos, a menina se atirou em direção à presilha. Por reflexo, Pedro se esquivou dando alguns passos para trás com o objeto para o alto.

- Me devolve, Pedro!

O garoto passou a facilitar e dificultar os esforços dela se divertindo com o jogo. Poucas manobras depois, ele já estava quase gargalhando. Tina, por outro lado, ficava cada vez mais tensa e frustrada. Se ela dava sinais de desistir, ele facilitava.

- Toma! - oferecia ele.

Num certo momento, ele bateu de costas contra o muro e Tina aproveitou a situação para tentar o encurralar. Se esticando ao máximo, colocou uma das mãos na parede sobre o ombro do garoto e, com a outra mirou o objeto amarelo que ele ainda segurava para o alto.

Pedro parou de gargalhar e fechou a presilha dentro do punho ao perceber o rosto dela tão próximo ao dele. Quase em sincronia, ela também percebeu e gelou. Tina desceu a vista até os olhos dele e desviou de imediato, como se dessem choque. Eles eram verdes da cor do mar e não azuis como tinha suposto.

Ela tentou se afastar, mas acabou ainda mais próxima dele com o braço do garoto na cintura a pressionando de volta.

De onde estava, era possível Tina enxergar com perfeição um pequeno sinal que ele tinha no pescoço e que pulsava junto com os batimentos cardíacos dele. Tão perto que ela pode sentir o resquício de perfume amadeirado que ele havia colocado pela manhã. Perto demais.

Quanto mais ela tentava se afastar, mais ele a pressionava. Era inútil, pois o corpo a traía perdendo forças. Ela voltou a olhar para cima e encontrou um fileira de dentes brancos e alinhados sorrindo para ela. O verde brilhava com uma incômoda intensidade.

- Você fica melhor de cabelo solto - disse ele com tanta honestidade que fez o coração dela perder o passo.

Tina foi tomada por uma onda de pavor que deu forças a ela para se soltar. A princípio, pensou que era medo do garoto, mas logo percebeu que eram as próprias emoções que a assustavam. Sem pensar duas vezes, Tina girou nos calcanhares pronta para sair em disparada, mas ele a pegou pelo pulso.

- Espera!

Ela engoliu a seco incapaz de dizer qualquer coisa ou olhar de volta para ele. Pedro então colocou a presilha na palma dela e a fechou com as mãos. O gesto causou um novo descompasso em Tina que deu um passo para trás se desvencilhando dele.

- Amanhã, não volte por aqui - ele ordenou - Vá por outro caminho.

Ela estava desmanchando por dentro e precisava reagir.

- E por que eu faria isso? - As palavras saíram com uma agressividade desnecessária.

- Então não faça - rebateu Pedro diante da hostilidade inesperada. - Eu não vou dar mais nenhum conselho. Pode deixar. - Concluiu dando as costas para a garota e pegando o caminho em direção à escola.

Tina ficou confusa e se dirigiu para casa sem entender o motivo daquele alerta ou se deveria confiar nele. Mais importante ainda era entender o porquê dela ter ficado tão alterada.

Pedro e TinaOnde histórias criam vida. Descubra agora