Capítulo 19

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     Sentada na primeira classe do avião, Mirtes sentia-se impaciente para chegar em São Paulo. A viagem ao lado de Humberto tinha sido maravilhosa. Ele, muito apaixonado, disposto a agradar, cercava-a de atenções. Habituado aquelas viagens, levava-a para conhecer o que havia de mais interessante, hospedava-a nos melhores hotéis e, o que a deixava mais contente, dera-lhe um cartão de crédito sem limites para gastar.
     Além de comprar roupas de grifes famosas, jóias e tudo que sua fantasia inventava, frequentava os melhores salões de beleza. Mirtes tinha bom gosto e com todo trato havia se tornado ainda mais bonita. Por onde passava despertava interesse, e Humberto não escondia o ciúmes, não a deixando sozinha em momento algum.
     De volta ao Brasil depois de um mês e meio de lua-de-mel - eles haviam esticado a viagem -, Mirtes não via a hora de chegar para poder desfilar pela alta sociedade usando as coisas lindas que compraram. Sentia prazer em provocar inveja nas mulheres e cobiça nos homens.
     Finalmente o avião aterrissou em São Paulo. No saguão do aeroporto, o motorista de Humberto os aguardava. Os filhos dele não foram esperá-los, cada um pretextando uma desculpa. Mirtes não se importou. Sentia que os dois rapazes não haviam aceitado o casamento, mas essa atitude não a incomodava. Pior para eles.
     Uma vez em casa, enquanto os criados cuidavam da bagagem, que era volumosa, Mirtes percorreu a luxuosa propriedade, olhando cada canto com os olhos brilhantes de orgulho.
     Tudo aquilo era seu! Finalmente era mulher da alta sociedade. Imaginou as festas que daria no magnífico salão, as pessoas que convidaria. Certamente Valdo com a família. A lembrança da cena de Alzira nos braços dele enchia-a de raiva. Mas, por outro lado, não levava aquilo muito a sério.
     Valdo era namorador. Alzira deve ter dado em cima e ele aproveitou. Era provável que nunca mais houvesse se encontrado e tudo não tenha passado de um fleter de festa.
     Reconhecia que Alzira havia ficado bonita vestindo aquelas roupas, usando jóias e tendo sido cuidada por gente capacitada. Mas  Valdo estava familiarizado com mulheres de classe, e Alzira seria uma entre tantas.
     Com o tempo, ele ainda haveria de se interessar por ela. Agora que ele não precisaria assumir nenhum compromisso, tudo seria mais fácil.
     Mirtes estava disposta a conquistá-lo de qualquer jeito. Ele sempre se mostrou arredio, e isso o tornava mais interessante. Era o que faltava para que a felicidade dela fosse completa.
     Humberto aproximou-se solícito:
     - Não está cansada?
     - Não. Estou ansiosa para ver nossos amigos.
     - Entendo que sinta saudade de sua família. Foi a primeira vez que saiu de casa durante tanto tempo. Mas viajamos a noite toda.
     Saudade da família foi o que ela não sentiu em nenhum momento. Mas não negou. Para Humberto ela precisava continuar fazendo o papel de boa moça. Por isso respondeu:
     - Eu gostaria de ir lá agora mesmo. Mas tem razão: precisamos descansar. Vou mandar a criada preparar um bom banho com aqueles sais que comprei em Paris. Preciso ficar cheirosa e descansada para meu marido.
     Ele a beijou delicadamente nos lábios e Mirtes esboçou ligeiro protesto, alegando:
     - Estou transpirando. Não quero que se aproxime. Fico constrangida.
     - Não fique. Você está sempre cheirosa.
     - Vou subir e me preparar para você.
     Ele sorriu contente. Enquanto circulava pela casa com o mordomo, verificando tudo, ele se sentiu o mais feliz dos homens. A indiferença dos filhos, que nem foram ao aeroporto dar-lhes as boas-vindas, não o incomodava. Ao contrário, justificava-se pensando que casar havia sido providencial, porquanto filhos não se importam com a solidão dos pais. Cuidam de suas vidas, seguem seu caminho e pronto. Agora, ele nunca mais ficaria sozinho. Havia encontrado uma companheira que o amava e o fazia feliz.
     Estendida na tepidez da banheira cheia de espuma, Mirtes apanhou o telefone e discou para Mildred. A criada atendeu e informou:
     - Dona Mildred não está.
     - Quando ela chegar, diga que Mirtes voltou. Peça-lhe para me telefonar.
     - Ela viajou ontem para a Itália sem data para voltar.
     Mirtes sentiu-se na banheira, surpreendida.
     - Viajou para a Itália? Com quem?
     - Ela foi sozinha. Dona Augusta não queria que ela fosse. Mas a senhora conhece  Dona Mildred. Quando ela quer uma coisa, não desiste.
     - Ela não deixou nenhum recado para mim?
     - Não, senhora.
     - Peça a Dona Augusta o telefone é o endereço do hotel onde ela vai ficar. Preciso falar com ela. Acabei de chegar de viagem. Mais tarde telefono para saber.
     Mirtes desligou intrigada. O que teria feito Mildred modificar seus planos? Estava curiosa. Mildred ajudara-a muito com os preparativos e o cerimonial do casamento, mas agora não precisava dela para nada.
     Sentia-se segura em sua nova posição. Apreciava a companhia de Mildred porque com ela não precisava fingir. Ela era sua única amiga. Desejava mostrar-lhe as compras que fizera, falar dos lugares que visitara.
     Demorou-se na banheira, imaginando como seria sua vida dali para frente. Humberto era o marido ideal. Manejava-o com facilidade. Seus projetos amorosos, que incluíam Valdo, não iam além da aventura que o mistério tornaria mais interessante. Mas de forma alguma desejava perder o apoio do marido, porque era importante conservar o respeito e as aparências.
     Mirtes pretendia brilhar em todos os aspectos, inclusive no papel de esposa virtuosa. Gostava de representar papéis convenientes, conforme o momento. Sentia-se esperta, inteligente, capaz.

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