Alzira abriu os olhos ainda sentindo o peito dilatado de prazer. As últimas palavras de Mirtes ainda soavam em seus ouvidos:
- Deus a abençoe, minha irmã querida. Beije nossos pais por mim. Diga-lhes que estou bem e que os amo muito.
"Meu Deus!", pensou Alzira. "É verdade! Mirtes continua viva! Eu lembro de tudo! Conheço aquele lugar! Emília, minha amiga! Que maravilha!"
Emocionada, Alzira ajoelhou-se ao lado da cama:
- Meu Deus! Eu não mereço tantas bênçãos! Mas se hoje em diante vou procurar merecer esta dádiva! Vou estudar a espiritualidade e trabalhar pela divulgação das leis divinas.
Lembrou-se de Isaltina. Seria com ela no centro espírita ou seria com Émerson, que insistia para que fosse ajudá-lo no instituto? Como não sabia o que decidir, pediu a Deus que lhe indicasse o caminho.
Ela queria acordar os pais, contar tudo. Abriu a porta do quarto, mas o silêncio indicava que eles ainda dormiam. Resolveu esperar.
Deitou-se outra vez pensando em tudo. Desejava gravar aquela experiência, não esquecer nenhum detalhe. Sentiu que aqueles momentos ficariam em sua lembrança para sempre.
O dia estava clareando quando finalmente adormeceu um sono tranqüilo e repousante. Acordou ouvindo batidas na porta do quarto. Olhou o relógio: passava das nove.
Levantou-se apressada. Lavou-se e desceu para o café. Era sábado e seus pais ainda estavam conversando à mesa. Alzira sentou-se, dizendo alegre:
- Esta noite visitei Mirtes e trago um recado para vocês.
Estela quase deixou cair a jarra de leite que segurava. Colocou-a sobre a mesa e sentou-se emocionada.
- Como, recado? - indagou Antônio, admirado.
Alzira contou-lhe detalhadamente sua experiência, feliz por não haver se esquecido de nenhum detalhe. Quando terminou, Estela ficou silenciosa por alguns instantes, depois disse:
- Como eu gostaria de ter ido com você!
- Foi maravilhoso. Não dá para descrever o que senti. A leveza, o bem-estar, a alegria...
- Deve ser mesmo muito bom! Eu também gostaria de ter ido - tornou Antônio.
- Se eu fui, vocês também poderão ir. Vou pedir a Emília que consiga essa concessão.
- Foi um belo presente de casamento - tornou Estela. - Quem é Emília, que tem tanto poder?
- Éramos amigas no astral, antes de nosso nascimento. Ela nasceu antes, casou-se com Humberto.
- Foi a primeira esposa dele? - admirou-se Antônio.
- Foi, pai. Além de proteger a família, tentou também ajudar Mirtes, mesmo sabendo que ela havia se casado com Humberto por interesse. É um espírito bom. Agora cuida dela com carinho de mãe.
- É difícil acreditar, principalmente quando sabemos o que fez Mercedes, que também amava Humberto - comentou Antônio.
- As pessoas são diferentes, pai. Mercedes estava iludida e já está respondendo por isso. Emília acredita que a compreensão, o bem são mais importante do que qualquer castigo.
- Dá para perceber como ela é boa - disse Estela, comovida. - Fico mais calma sabendo que Mirtes reconheceu seus erros e se prepara para uma vida melhor.
- Sinto-me protegido. Aqui temos Dona Isaltina, e no astral, essa sua amiga. Só podemos agradecer a Deus tanta bondade.
Alzira abraçou-os com carinho.
- Sinto-me feliz. Hoje vou me mudar, mas podem ter certeza de que nunca esquecerei o carinho, o amor que vocês sempre me deram.
Eles a beijaram comovidos e Estela procurou dissimular a emoção, dizendo:
- Você vai tomar seu café, depois vamos acabar de arrumar suas malas para a viagem. Não podemos nos atrasar para o cabeleireiro.Quando estava quase na hora de ir para a igreja, Péricles procurou Almerinda e foi encontrá-la pronta, sentada na biblioteca, pensativa. Aproximou-se dela, que ergueu para ele os olhos cheios de lágrimas.
- Você está chorando outra vez! Desse jeito vai estragar toda a maquiagem.
Ela sorriu:
- Estava recordando nosso casamento. O tempo passou rápido. Laura espera o primeiro filho, Valdo hoje está se casando!
- É a vida, minha querida.
- Temos sido felizes, Péricles. Você tem sido bom marido, temos dois filhos maravilhosos. Laura casada com Émerson, que amamos como filho; Valdo trará Alzira para a família, uma moça linda por dentro e por fora.
- Sou um homem privilegiado. Deus me deu uma família especial. Precisamos agradecer tantas bênçãos. Não quero vê-la chorando. Sairemos dentro de cinco minutos. Valdo já está pronto.
- São lágrimas de felicidade, meu caro. Vamos embora.
Quando Valdo e os pais chegaram na igreja, já a encontraram repleta de amigos, entre eles Marcelo e Renata, que seriam os padrinhos da noiva, e Émerson e Laura.
Vendo Valdo entrar e dirigir-se à sacristia, Émerson disse baixinho a Marcelo:
- Vamos junto para você ver como é.
- Isso mesmo - concordou Laura. - Afinal, vocês estarão casando dentro de três meses.
Marcelo apertou a mão de Renata que retinha entre as suas e beijou-a delicadamente na face.
- Gostaria que fosse hoje!
- Eu também.
- Calma - disse Émerson. - O tempo passa depressa.
Em canto da igreja, Mildred observava-os pensativa. Lembrava-se de Mirtes. O que diria ela se estivesse viva? Com certeza estaria se remoendo de raiva.
Ainda se encontrava na Itália quando sua mãe ligou para falar do crime. Ficou chocada. Mas estava disposta a divertir-se, estar alegre, esquecer os problemas que havia deixado.
Arranjara um namorado italiano e encontrava-se freqüentemente com uma de amigos. Gostava da vida que estava levando. Foi ficando.
Retornara ao Brasil havia poucos dias.
Gino estava muito apaixonado, mas era ciumento e exigente. Mildred, apesar de gostar dele, resolveu regressar. Ela não queria prender-se a ninguém.
Teve curiosidade de ir àquele casamento rever os amigos.
Admirava-se de Valdo ter escolhido Alzira, uma moça pobre, ele que poderia escolher entre as jovens mais finas e ricas da melhor sociedade.
Sabia que ia encontrar-se com Émerson e Laura, mas isso não a incomodava mais. Ainda assim, surpreendeu-se com a mudança de Laura. Ela havia como que desabrochado. Olhos brilhantes, lindos cabelos, pele de veludo, até o corpo havia se tornado mais bem torneado. Ganhara busto, afinada cintura.
Apesar de estar preparada para encontrá-los, sentiu uma ponta de inveja vendo-a tão linda. Não entendia como uma moça insignificante como ela podia ter-se transformado daquele jeito.
- Laura mudou muito mesmo - comentou Augusta, mãe de Mildred, que estava a seu lado.
- O que será que ela fez?
- Não sei. Dizem que foram os cursos de Émerson naquele instituto. Mas eu acho que foi o amor.
- É. O amor pode mudar uma pessoa.
A música começou anunciando a entrada da noiva. Todos se levantaram.
Alzira, caminhando lentamente, entrou de braco dado com o pai. No altar, além dos padrinhos, a família dos noivos.
Valdo, olhos brilhantes de emoção, recebeu Alzira, e teve inicio a cerimônia. Eles estavam felizes. Havia alegria, amor e felicidade.
Humberto, Renato, Antônia e Mauro assistiam comovidos. Humberto não conteve as lágrimas, recordando-se de Mirtes. Apesar do tempo decorrido, ele não havia esquecido. Por sua mente passavam todas as cenas de seu casamento com ela, sua felicidade, seu amor, sua alegria.
Em um canto de igreja, Mirtes, abraçada a Emília e a um amigo, não perdia nenhum detalhe da cerimônia. A emoção e a saudade eram fortes, mas ela se controlou.
Emília havia conseguido permissão para que Mirtes assistisse ao casamento se prometesse controlar-se. Mirtes sabia que, ao menor sinal de desequilíbrio, eles a levariam DS volta.
Notando a emoção dela, Emília tornou:
- Pense nas coisas boas, na alegria de rever os seus em um momento tão especial.
- Sinto que tanto mamãe e papai quanto Alzira não me esqueceram.
- Há mais alguém que pensa em você com amor e saudade.
- Humberto! Se ele soubesse que eu não era nada daquilo que ele pensava, talvez me odiasse.
- Você não era, mas pode tornar-se. Depende só de você.
- É verdade. Eu posso. Eu vou tornar-se uma pessoa de bem. Vocês vão ver.
A cerimônia terminou e os noivos, acompanhados pelos familiares e padrinhos, caminhavam para a saída.
Apesar da emoção do momento, Alzira viu Mirtes e Emília de relance. Foi muito rápido, mas tinha certeza de que eram elas. Em seguida teve a sensação de ser abraçada, e sentiu o perfume predileto de Mirtes.
- Vocês vieram! Que felicidade!
- O que disse? - indagou Valdo.
- Nada. Depois eu conto.
Enquanto Alzira se afastava com o marido, Mirtes e Emília aproximaram-se de Humberto, que estava ao lado de Antônia e dos filhos.
- É sua familia - disse Mirtes.
- É nossa família.
De repente, Mirtes fixou Antônia e emocionou-se:
- Quem é ela? Acho que a conheço de algum lugar.
- É uma das nossas. Em breve vai se casar com meu filho. Renato. Serão muito felizes.
- Ela deve ser muito boa. Nunca senti tanto bem-estar perto de uma pessoa.
Emília sorriu mas não respondeu. Depois de alguns instantes, disse:
- Agora precisamos ir. Vamos nos despedir.
Mirtes aproximou-se de Humberto e abraçou-o, dizendo-lhe ao ouvindo:
- Obrigado por me amar mais do que mereço. Desejo que seja feliz.
Abraçou os rapazes e, quando abraçou Antônia, emocionou-se.
- Não sei o que é - confidenciou para Emília. - Mas quando a abracei senti carinho, apoio, segurança.
- Eu queria muito trazê-la aqui hoje, não só para que visse sua família mas para que estivesse com Antônia.
- Por quê?
- Eu lhe havia dito que iria demorar para reencarnar. Mas, diante de seu progresso, sua vontade de aprender, posso adiantar que, se continuar assim, talvez possa voltar à Terra pelos braços de Antônia.
- Quer dizer que poderei reencarnar em breve?
- É apenas uma hipótese. Conhecendo detalhes de seu passado e do dela, seria providencial. Mas é apenas uma possibilidade entre outras, que vai depender de você, deles, da vida.
- Eu gostaria muito! Assim teria Humberto como avô e poderia cercá-lo de carinho. Seria uma forma de acabar com a culpa que sinto quando o vejo chorar por mim.
Emília abraçou-a com carinho.
- Se você ficar firme e escolher o bem, pode ser que a vida lhe conceda essa bênção. Agora vamos embora.
A noite havia descido completamente sobre a Terra e os três abraçados vomitaram por sobre as luzes da cidade, que iam ficando cada vez mais distantes.
Mirtes tinha os olhos marejados, uma vontade muito grande de agradecer por poder ter nova oportunidade de refazer seu caminho. Olhando a lua que brilhava em meio às estrelas, ela prometeu a si mesma que dali para a frente trabalharia muito para conquistar a própria felicidade.
Naquele momento, uma estrela cadente correu pelo céu e ela teve certeza de que dessa vez conseguiria.
Poucos instantes depois, os três desapareceram rumo ao infinito.
FIM.