Roque, reunido com quatro policiais, disse satisfeito:
- Faremos tudo como planejado. Vocês vão continuar vigiando o Dr. Marcelo, revezando-se conforme o costume. Qualquer cousa diferente, avisem imediatamente. Lembre-se de que esse matador é esperto e perigoso. Não sabemos como é nem como estará vestido. Cuidado com entregadores, vendedores ou prestador de serviços doméstico. Se aparecer algum, tomem providências. Ninguém pode desconfiar de vocês.
- Não se preocupe. Temos tudo sob controle - respondeu Lopes.
- Ele ia chegar hoje, fazer campana, vigiar a vítima. Se desconfiar de alguma coisa, irá embora. Temos de apanhá-lo.
Depois que eles saíram, Roque continuou examinando o caderno com as anotações de Sobral. Mandou fazer algumas pesquisas. Descobriu que o assassinato da jovem esposa de Humberto de Morais, que havia chocado a sociedade, tinha sido cometido por Dinho a mando de uma mulher chamada Mercedes. Não havia sobrenome, mas seria fácil descobrir.
Havia vários crimes não solucionados , feitos com o mesmo tipo de arma que matara a jovem e que possivelmente haviam sido cometidos pela mesma pessoa.
Roque sentiu que estava prestes a conseguir pegar aquele assassino e revolveu dedicar-se totalmente à solução daqueles casos.
Começou para eles a espera. Os homens revezavam-se disfarçados de prestadores de serviços variados, observando tudo.
Dois dias depois, Roque recebeu o aviso. Passava das dez quando um motoqueiro vestido de negro apareceu de repente. Eles nem ouviram o ruído da moto. O motoqueiro escondeu-a cuidadosamente atrás das frondosas árvores em frente da casa.
- Iremos imediatamente. Fiquem atentos. Se for preciso, prendam-no.
Os dois policiais cautelosamente observavam e viram quando ele apanhou uma arma. Antes que ele tivesse tempo de empunhá-la, os dois caíram sobre ele. Apanhado de surpresa, ele ainda tentou reagir, mas um dos policiais torceu-lhe o braço obrigando-o a soltar a arma com um grito de dor.
Imediatamente deitaram-no de bruços no chão e algemaram-no.
- Você está preso.
Os olhos dele brilhavam rancorosos e o policial arrancou seu capacete.
- Eu queria ver sua cara.
Dinho não disse nada. Pouco depois, Roque chegou com as viaturas.
- Bom trabalho, rapazes - disse satisfeito.
Colocou a lanterna no rosto de Dinho e disse:
- Eu conheço você!
Levaram-no à delegacia. Pouco depois Sobral chegou escoltado por dois policiais. Vendo Roque, disse indignado:
- Isso é uma arbitrariedade. Vocês me conhecem. Estou do lado da lei. Tenho ajudado a polícia.
- Você está preso, Sobral.
- Sob que acusação?
- Chantagem, extorsão e assassinato.
Sobral empalideceu.
- Ninguém pode provar nada contra mim.
Roque levou-o à sala onde Dinho estava sendo fotografado. Vendo-o, Sobral sentiu-se mal. Gritou assustado:
- Esse homem é um mentiroso. Não acreditem em nada do que ele lhes disse. É um matador. Há mais de vinte anos, foi preso por assassinato e conseguiu fugir. Vocês não vão acreditar mais nele do que em mim.
Roque interveio:
- Bem me pareceu que ele era conhecido. Fique sabendo que ele ainda não foi interrogado. Não disse nada.
Sobral estremeceu. Dinho, que ouvira as acusações, olhou-o cheio de ódio.
Roque mandou Sobral para outra sala, onde iria fazer o interrogatório. Pouco depois chegou Alberto. Ele fora conduzido à delegacia pensando que seu plano de prender os outros dois tinha dado certo.
Entrou na sala de Roque sorridente:
- Soube que o senhor conseguiu prender aqueles assassinos. Sabia que podia confiar na polícia.
- O que você não sabia é que a polícia não se deixa usar por malfeitores.
- O que quer dizer?
- Você está preso por assassinato. Não adianta negar. Sabemos de tudo. Você usou esse matador para liquidar o amante de sua mulher. Aliás, descobri que pouco tempo depois ela morreu em um acidente de carro. Isso despertou minhas suspeitas. Vamos reabrir esse caso.
Alberto ouvia aterrorizado e não encontrou palavras para responder.
- Quero falar com meu advogado.
- Depois. Primeiro temos muito que conversar.
Roque fez um trabalho completo. Reabriu vários casos não resolvidos, inclusive o acidente que vitimou Eli, a morte de Jairo, de Mirtes.
Roque conversou com o delegado que havia aberto inquérito sobre o assassinato de Mirtes e logo descobriu quem era Mercedes.
Ela ainda se encontrava internada na clínica. Vendo-se desmascarada, não fazia outra coisa senão chorar.
O psiquiatra recebeu a visita da polícia e assustado descobriu que a culpa de Mercedes era real. Não fez nenhuma objeção a que a levassem.
O delegado Marques, que cuidara das investigações sobre o caso de Mirtes, foi pessoalmente conversar com Humberto.
Encontrou-o no escritório da empresa. Ele havia se mudado para a mansão da família e voltara para a firma tentando ocupar-se.
Os filhos, depois que ele os procurara mostrando quanto os amava, haviam se unido mais a ele.
Apesar da tristeza e da saudade que ainda o incomodavam, Humberto estava mais disposto. A companhia e o amor dos filhos faziam-lhe muito bem.
Ele continuara freqüentando o centro de Isaltina. Muitas vezes ainda sentia dúvidas sobre a continuidade da vida após a morte, mas aquele ambiente de oração e de paz fazia-lhe imenso bem.
- Sente-se, Dr. Marques - disse Humberto depois dos cumprimentos, designando imã poltrona e sentando-se na outra ao lado.
- Tenho novidades, Dr. Humberto.
- Tentei falar consigo ontem mas não consegui. O senhor estava muito ocupado. Li nos jornais que a polícia havia prendido um suspeito da morte de Mirtes.
- Sim. Prendemos o assassino de sua esposa. Conforme suspeitávamos, e eu lhe disse isso na ocasião, trata-se de um perigoso matador profissional. Ele cometeu um crime há mais de vinte anos, foi julgado, condenado, fugiu da prisão e nunca mais conseguimos encontrá-lo.
- Então era mesmo! Um matador profissional!
- Sim. Ele arranjou documentos falsos, foi para o Mato Grosso, comprou um pequeno sítio e vivia lá sem que ninguém desconfiasse. Era até estimado. Mas tinha um cúmplice aqui em São Paulo que de vê em quando lhe arranjava trabalho. Ele vinha, discretamente fazia o serviço e voltava sem que ninguém o visse. Cobrava bom dinheiro.
- Custo a crer. Sou um homem de paz. Nunca tive inimigos. Minha esposa era uma moça alegre, de bem com a vida. Não entendo.
- Quando o senhor decidiu acabar seu caso com Mercedes para casar-se com Mirtes, arranjou uma terrível inimiga.
Humberto levantou-se de um salto.
- Mercedes! Não pode ser!
- Pois foi. Ela contratou Sobral, o contato de Dinho aqui em São Paulo, e planejaram a morte de Mirtes. Pagou muito dinheiro a eles!
Humberto deixou-se cair na poltrona emudecido pela surpresa. Então ela não estava sofrendo por amor a ele... Era remorso, era culpa.
- Sei que é difícil para o senhor aceitar, mas foi o que aconteceu. Ela, Sobral e Dinho, o matador, estão presos e vão pagar pelos seus crimes. Os dois cometeram outros crimes. Serão julgados e condenados. Passarão o resto da vida na cadeia.
- Eu nunca suspeitei dela! Que horror! Pobre Mirtes, que morreu por minha culpa.
- O senhor não teve culpa de nada.
- Meus filhos nunca aceitaram meu relacionamento com Mercedes. Não gostavam dela. Arrependo-me de não os ter escutado, acabado tudo e procurado outra pessoa.
- O senhor ainda pode encontrar uma pessoa boa e refazer sua vida.
- Eu amava Mirtes. Nunca mais quero outra mulher. Estou resolvido a dedicar todos os meus dias à felicidade dos meus filhos e aos cuidados desta empresa. Apesar de tudo, estou contente. A polícia está de parabéns.
- O senhor terá de nos ajudar, prestar depoimentos.
- Pode contar comigo. Farei tudo para que esses assassinos sejam condenados.
Depois que Marques se foi, Humberto não conseguiu retomar o trabalho. Renato chegou uma hora depois e encontrou-o sentado no mesmo lugar, pensativo.
- Pai, Sente-se bem?
Humberto suspirou e respondeu:
- Estou assustado.
- Pelo visto, já sabe a verdade. Prenderam o assassino de Mirtes. Eu li nos jornais hoje cedo.
- Vamos comprar os jornais da tarde. O delegado esteve aqui. Fiquei pasmo. Foi um assassino profissional quem matou Mirtes. E mandante foi Mercedes.
Renato deixou-se cair na poltrona ao lado do pai.
- Bem que eu desconfiei. Aquela mulher nunca me enganou.
- Eu não desconfiava. Ela parecia tão solidária com minha tristeza... Nunca imaginei.
Renato levantou-se e abraçou o pai, dizendo:
- Você é muito bom, muito honesto, incapaz de imaginar uma maldade dessas.
As lágrimas corriam pelo rosto de Humberto.
- Eu nunca iria imaginar. Sou culpado pela morte de Mirtes.
- Você não tem culpa da maldade de Mercedes. Não se deixe envolver por esse pensamento. Ninguém poderia imaginar o que aconteceu - finalizou e, ansioso por mudar de assunto, declarou: - Pai, hoje Antônia me procurou e nos entendemos. Vamos nos casar.
Humberto olhou-o e sorriu:
- É uma boa moça. Tenho certeza de que serão felizes.
- Você vai se admirar, mas a vida às vezes nos prepara uma surpresa. Ela freqüenta aquele centro espírita em que você vai.
- Nunca a vi por lá.
- Ela já o viu, mas não quis abordá-lo para não incomodar. Ela me convidou para ir lá esta noite. Quero que nos acompanhe.
- Hoje não é meu dia de ir.
- Depois do que soube, será bom comparecer. Sempre que vai lá, volta calmo, bem-disposto.
- Está bem. Irei.