[22] A Ignorada

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As mensagens e ligações de Melissa se tornaram frequentes depois daquela noite no bar. Eu não respondi e nem atendi nenhuma delas.

Eu sabia que tinha a responsabilidade de ir para aula e infelizmente a obrigação de vê-la.

E lá estava ela. Sentada em seu lugar habitual, com as pernas cruzadas. Seus olhos ficaram atentos quando me viram. Eu olhei para o outro lado, evitando de manter contato visual com ela. Logo, sentei na minha carteira, que era bem ao seu lado.

- Oi - ela disse.

Eu não respondi. Nem sequer a olhei.

- Olha... desculpa... - ela tentou chegar um pouco mais perto. - Eu te liguei várias vezes... por que você não me atendeu?

Sua pergunta ficou sem resposta. Eu apenas tirei o material de dentro da mochila e procurei por uma caneta.

- Você não vai falar comigo? - ela perguntou, obviamente ciente da minha resposta não verbal.

Naquele instante, o professor entrou na sala e Melissa parou com suas perguntas irritantes. Ao decorrer da aula, eu percebi que ela lançava olhares furtivos em minha direção. Mas eu não ousei dizer uma única palavra.

Quando a aula acabou, eu saí rapidamente da sala e me infiltrei no meio da multidão no corredor. Não andei mais rápido por causa das trocentas pessoas caminhando igual a tartaruga na minha frente.

De repente, pegaram no meu braço por trás e eu me virei, dando de cara com Melissa.

Mas que bosta.

- Vai falar comigo agora?

Soltei meu braço de seu aperto e lhe dei as costas, deixando a educação de lado e abrindo caminho através da muvuca no corredor.

- Analu! - ouvi Melissa me chamar enquanto eu me distanciava.

Uma vez fora daquele prédio claustrofóbico, eu olhei para trás para ter a certeza de que Melissa não me seguiu. E parece que eu obtive sucesso.

Ótimo.

Segui na direção da lanchonete, ouvindo o ronco da minha barriga.

Mas cinco minutos de caminhada depois, a voz dela soou ao longe:

- Analu, espera!

- Porra! - falei para eu mesma. - Essa garota não desiste, não?!

Não olhei para trás, mas escutei os pés de Melissa batendo na grama. Ela estava correndo.

Quando ela chegou perto de mim, se meteu na minha frente de forma abrupta e me fez parar de andar.

- Por favor... - ela disse ofegante, o cabelo meio bagunçado. - Me escuta...

- Fala logo o que você quer - eu disse, a voz fria como gelo.

- Ah, resolveu parar de se fingir de muda? - o canto de sua boca esboçou um meio sorriso, mas logo murchou quando ela percebeu que eu não estava achando graça. - Eu... eu quero me desculpar por minha atitude aquele dia.

- Ok. Acabou?

- Não - seus olhos encontraram os meus. - Por favor, tenta me entender. Eu fiquei assustada quando você... - ela inspirou fundo, parecendo envergonhada. - ... tentou me beijar...

- Claro - eu disse, sarcástica. - Até porque você nem estava a fim, não é?! Tudo o que você fez foi por pura inocência. Eu que entendi tudo errado e tentei me aproveitar, não é mesmo?!

- Eu não quis dizer aquilo. Desculpa, eu...

- Cala a boca, Melissa - eu a interrompi. - Não estou com paciência para ouvir suas desculpas esfarrapadas. Eu é quem me arrependo de ter feito aquilo - olhei para ela, ciente da mágoa na minha voz. - Você nem ao menos sabe o que quer.

- Não é isso, Analu. Eu só não queria estragar nossa amizade.

Eu ri, a risada sem humor algum. Era cada uma...

- Nossa conversa está encerrada por aqui - eu avisei. - Volta para o seu quartinho rosa e me deixa em paz - dei-lhe as costas, seguindo o meu caminho.

- Não - ela suplicou atrás de mim. - Por favor... Eu só não sabia como lidar com isso... Não pensei que você fosse gostar de mim.

Olhei para ela por cima do ombro.

- Eu não gosto de você - proferi essas palavras na cara dela. No instante seguinte, sua expressão mudou de aflita para incrédula.

Depois disso eu fui embora, deixando uma Melissa imóvel atrás de mim.

Anseios (PAUSADO TEMPORARIAMENTE) Onde histórias criam vida. Descubra agora