Reflexo.

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Sou alguém?
Algum dia serei alguém?
Para ti, não sou ninguém?
Que requisitos preciso ter para que me olhes nos olhos e me digas que sou suficiente?
Para ser mulher, preciso do quê?

Estou vazia e cheia, cheia de um sentimento que me deixa um vazio no coração, eu não sinto, não sinto o calor do teu corpo, dos teus braços, do teu sorriso, não sinto o prazer do teu toque nem o sabor dos teus lábios, és vazio, completamente cheio de vazio.
Olho me e vejo-te tão claramente que chega a ser assustador, estou farta de olhar o teu reflexo em mim, não aguento sentir-me mais suja, tenho medo de me olhar no espelho e ver que tu me tens consumido de uma maneira brutal, tenho receio de abrir os meus olhos e sentir que já não sou eu.

Eu quero arrancar a minha própria pele, esfregar o meu próprio sangue, apagar te da minha própria memória até sentir que já não há nada de ti em mim, somente assim eu saberei que estou livre.

Estou farta de estar condicionada a ti.

E as tuas palavras vêem me à memória, e cada vez que dizias que eu era nada mais que ninguém, e toda a vez que te via a olhar para mim com tesão e não com amor, todas essas vezes fizeram de mim a porcaria que hoje me vejo. Não sou ninguém, não me sinto capaz, não sinto.

Como conseguiste? Mesmo depois de ires fisicamente embora, mesmo depois de já não saber de ti, depois de me abandonares no meu próprio pesadelo que tu criaste, como consegues manter este sonho vivo? Mesmo longe de mim atormentas a minha alma e o meu psicológico, eu não tenho paz, eu não mereço paz, tu não mereces nada, e eu sou igual a ti.

Custa-me saber que de nada vale, não adianta eu não paro de pensar em ti, tu não paras de aparecer na minha cabeça a repetir continuamente "olha para ti, és igual a mim", e eu sou, eu sei que sou, eu nunca fui perfeita eu nunca me senti mulher e se eu for a razão deste fracasso?

Eu já não me sinto capaz.

Desabafo com as paredes por medo do julgamento humano, falo sozinha com medo da multidão, sinto me rodeada de tudo mas aquilo que está ao meu redor é absolutamente nada, sinto-me perdida, e não me encontro, sigo caminho, olho placas, vejo direções mas tudo vai dar a ti, e no fundo queria morrer, ter oportunidade de reaparecer nesta vida sem nunca ter olhado para ti, só pedia uma segunda oportunidade para voltar a tentar ser eu. Eu já não sei ser eu.

Sabes quantas vezes me olhei e desejei que o meu reflexo desaparecesse? parti espelhos, arranquei pedaços de mim, tomei comprimidos, tirei de mim toda a sujidade que me lembrava de ti, tudo que me fazia sentir a fricção do teu toque eu desejei que fugisse, mas quanto mais pedia para ires, mais tu voltavas.

Eu já não aguento mais.

Já chorei, gritei em desespero com a voz de alguém que sente que já não tem motivos para falar, gritei tão alto quanto os meus pulmões permitiam, e pedi te que onde quer que estejas saias de mim, implorei aos céus que quando voltasse a encarar aquele espelho eu me visse, eu voltasse a olhar nos meus olhos e visse apenas o meu reflexo, e gritei, chorei, sussurei a Deus que me desse forças para me encarar uma última vez, que me desse uma última chance antes de eu decidir que já não aguento mais.

Levantei me.
Dirigi me ao quarto.
Sentei me junto ao espelho.
Rezei uma última vez e pedi perdão.
Levantei a cabeça.
Abri os olhos.
E eras tu.
Nada mais que tu.

Agora dizes me Adeus? -CONCLUÍDOOnde histórias criam vida. Descubra agora