Pai.

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Sei que já falei de ti aqui mas nunca te dediquei um capítulo completo, talvez por nunca saber o que dizer ou apenas por saber que não te importas com o que quer que diga.

Passei grande parte da minha infância a tentar perceber-te, a tentar compreender o motivo pelo qual não te importava saber de nenhuma de nós, continuo sem perceber o motivo pelo qual nunca me amaste.. e se amaste nunca o soube.

Quem és afinal? És aquele que por uns minutos deu prazer àquela que hoje chamo de mãe e por um "infeliz" acidente nasci eu, ou és meu Pai?
És aquele que de dia me chamava de filha e de noite nos batia?
Não consigo perceber, de dia és pai e de noite és quem?

Gostava de te conhecer, pai.
Mesmo sabendo que todos os dias tu estás na mesma casa que eu, eu sinto que apenas sei o teu nome, sinto que a única coisa que eu conheço realmente bem é a dureza das tuas mãos, e a força do teu corpo quando está possesso com álcool.

E no fundo nunca te perdoei, sei que por vezes digo que já nem lembro, que não me magoou, que compreendia, que te amava, mas a verdade é que minto, a verdade é que ainda sinto o arder na minha pele quando a tua tocava na minha, ainda sinto o cheiro forte que vinha da tua boca quando te chegavas bem perto e me dizias coisas que hoje, não me afetam mais, ainda vejo a cegueira que tinha nos olhos quando lhe levantavas a mão e gritavas, gritavas tão alto quanto os teus pulmões de fumador permitiam.
"És nojenta, uma puta, serves apenas para me servir, não es e nunca serás ninguém", chamavas lhe todos os nomes imagináveis e inimagináveis, mas nunca, nunca a chamas te de mulher, porque para ti, a mulher com quem casaste nunca passou de lixo.

E eu? O que eu sou para ti, pai?
Sou eu a filha que orgulhosamente falavas aos teus amigos de manhã, ou sou a filha de uma puta que ironicamente falavas à noite?

Sei que me pedias perdão quando me batias e choravas, sei que me pedias desculpa quando ias embora porque sabias que não te queria aqui.

Destruíste me a infância e isso não tem perdão.

Recordo me de pequena ficar à escuta, e eram uma.. duas.. três da manhã e eu à escuta, so esperava um "clique" e sabia que tinhas chegado, e quando eu ouvia o clicar da chave na fechadura eu sabia que já não havia paz. Recordo me de me esconder de baixo da cama por de trás de umas quantas peças de lixo, para que ali, não me encontrasses e não descarregasses toda a raiva que o álcool te fazia sentir. Ali estava eu, com 10 anos escondida atrás de porcaria, e, no meio daquele lixo eu me sentia igual, sentia me reduzida a nada, nada menos que lixo.

E as memórias das tuas mãos em cima da minha mãe fazem me corroer o sangue, ferver a alma, eu detesto pensar nos dias em que te via quase a matar aquela que me deu vida, e dói, dói não ter memorias nossas felizes, dói não sentir que fomos uma família estável apenas por causa de ti, não propriamente de ti mas por culpa do álcool.
O maldito álcool.

Lembro-me de te ver gastar quilos e quilos de dinheiro que não tinhamos para sustentar o teu vicio, recordo me da minha mãe a chorar sozinha na escuridão de uma casa sem luz, sem amor, e sem dinheiro, um choro que por mais baixo que fosse me chegava aos ouvidos como o grito mais desesperador que tive a infelicidade de ouvir.
Eramos nós sem comer e tu, completamente cheio do álcool.

E não pai, não te odeio, mas sei que tinha mais que razões plausíveis para te detestar.

Não te odeio pai, mas estou infinitamente longe de te amar.

Beijos, a tua filha.

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Peço que vão deixando a estrelinha, porfavor!

Agora dizes me Adeus? -CONCLUÍDOOnde histórias criam vida. Descubra agora