Capítulo 4

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Lá estava ele. 867 de pé, tão próximo, parecia ser aterrorizante. Ele notou nossa presença e se virou muito lentamente, todavia, os olhos cravaram em mim, e a cor, por um segundo, me deixou sem fôlego. Eram azuis, mas não comuns, havia tons de colbato, aprofundado por um azul marinho e no centro negros, era o olhar mais raro e fasciante que eu já tinha visto. E por aquela fração de segundo minha guarda caiu, então o NE, pulou contra o vidro, com um rosnado horripilante, que fez minha coluna endurecer por medo.

- SAÍA!

O som veio do fundo da garganta dele e eu engoli em seco. Meu coração saltou.

- 867...

Kall tentou começar a dizer algo, mas seu irmão rosnou novamente, ainda mais ameaçador mostrando suas presas claramente afiadas.

- Não me chame assim. Tire essa fêmea maldita daqui.

Nesse momento meu lado racional voltou e deixei os instintos de proteção de lado, afinal, o homem, me insultava.

- Maldita irei dizer quem é seu mal educado. Eu o salvei, onde está sua gratidão?

Os olhos frios, sombrios se fixaram em mim como se pudessem perfurar o vidro, quase acreditei que conseguiria. Minha pele se arrepiou, eu sabia, aqueles eram os instintos humanos que apareciam em situações de perigo, e aquele NE emanava perigo. Grey perto dele era coisa de criança.

- Eu não pedi nada a você fêmea!

Ele dizia a palavra fêmea quase como se fosse para me fazer sentir inferior. Semicerrei os olhos não gostando nada daquilo, nenhum homem, jamais, me fazia passar por algo menor do que eu realmente era.

- Mas eu fiz porque você está louco da cabeça, o grande babaca.

- Não me insulte.

- Foi você que começou. Será que não tem um pingo de educação nesse corpo? Eu o ajudei.

Ele bateu no vidro e eu achei que tremeu. Seus presas ficaram ainda mais expostas, como se possível, enquanto ele rosnou, num som barítono, angustiante, se ele não estivesse preso, seria o momento em que eu teria corrido.

- Eu já disse que não queria sua ajuda de merda. Você só me atrapalhou fêmea estúpida!

Foi aí que minha paciência estourou, dei um passo a frente, apontando um dedo na cara dele, atrás do vidro.

- Escute aqui seu babaca, eu não vim para ouvir sua merda ou ser xingada. Eu sou uma agente especial, se não sabe o que é espero que alguém te ensine, porque eu não tenho tempo para sua crise existencial ou sua negativa de viver. Se quer que o mundo se exploda, ótimo, deixe que se exploda, mas não faça a vida dos outros parar para se fixar sua como se todos devessem morrer de pena do grande NE machucado. Todos aqui tem sua carga de uma vida de merda naquele programa, ninguém esteve no paraíso, mas estão levantando a cabeça, aceitando ajuda e seguindo em frente, porque tem algo a fazer, ninguém se isolou aqui sentindo pena de si mesmo como está fazendo... Levante a sua cabeça, você está vivo 867, supere toda merda, porque se chegou até aqui é porque dá conta. Pare de agredir quem está ajudando a porra da sua vida melhorar, tente olhar para algo além da sua crise, encare seus traumas ou definhe sozinho, não arraste uma equipe inteira para isso, soldados que arriscaram a vida pela sua, gente que quer apenas seu bem... Deixe de ser um babaca e aceite que pode ter uma vida!

Respirei com força sentindo a adrenalina bater forte em minhas veias, como se eu tivesse feito algum exercício de alta explosão. O NE me olhava como se eu fosse um ser de três cabeças e seis pares de olhos. As presas dele foram escondidas e seu rosto se desendureceu, acho que ele estava chocado.

Eu engoli em seco, eu olhei para o Kall, esperando alguma reação. Afinal eu tinha falado um inferno de coisas para o irmão "prejudicado" dele, porém, tudo que vi, foi um olhar quase divertido. Foi ali que tentei parar de entender aqueles espécimes.

- Licença, não tenho mais porque ficar aqui.

Passei a mão pelo meu cabelo e sair de lá. E só quando dobrei o corredor começei a me questionar se eu não tinha exagerado. Puta que pariu! Se eu piorasse o estado mental daquele NE, eles iam querer comer meu fígado.

×××

Eu ainda estava tentanto processar tudo que ela me disse. Mas também estava buscando acreditar que uma fêmea tão pequena como aquela poderia parecer tão forte. Olhei seu corpo, ela não era nada grande, facilmente quebrável, mas apesar disso, me encarou como se pudesse me dar uma surra.

Ela era muito loira, tinha olhos azuis tão claros, assim como a mesma era clara, nunca tinha visto uma pele tão suave. Quando a vi, por um segundo, quis saber se parecia tão macia como se insinuava, mas então eu lembrei dela me insultando e quis assustá-la, num primeiro momento, deu até certo, mas logo em seguida a fêmea mudou completamente e começou a me enfrentar.

Se eu estivesse do lado de fora daquele vidro a teria cercado e amedrontado para que não me encarasse, mas só pude rosnar, e isso não a assustou. Na verdade ficou mais valente, seus olhos azuis nunca desviaram do meu, ela me encarou de igual para igual, se mostrando uma oponente muito firme. Nesse segundo eu quis pegá-la. Fiquei chocado. Mas meu pau endureceu com a fêmea pequena me desafiando.

- Eu não posso dizer que ela está errada. Você a insultou!

A voz de Kall me fez lembrar da sua presença ali. Tirei os olhos do lugar que a fêmea estava, antes dela sair, meus instintos gritaram para o correr, caçar, pegá-la. Rosnei.

- Ela fez primeiro.

- Mas concordou em pedir desculpas, só que você começou a amaldiçoar.

Eu olhei para o chão lembrando do que ela me disse. Não tinha pensado até o momento que podia estar me fazendo de vítima, nunca gostei de ser isso.

- Qual nome dela?

- Elle...

Elle... Elle...

Testei mentalmente e sentir uma fisgada em meu pau. Porra. Eu não gostava daquilo.

- O que é uma agente especial?

Não quis olhá-lo. Eu me sentia muito estúpido por não saber.

- Bom, pelo que me disseram, é alguém que já está num nível muito elevado. Quer dizer que chegou a uma local que só quem é muito bom chega.

Pensei naquilo. Eu me senti curioso. Ela parecia forte, isso era uma qualidade.

- Mas o que ela faz?

Minha curiosidade ganhou a batalha, olhei para Kall querendo respostas.

- Parece que missões de segurança, prende e investiga pessoas. Está aqui nos investigando, mas minha companheira diz que não tem perigo, ela só está fazendo o trabalho dela, informando o que fazemos aqui. As pessoas do mundo são curiosas sobre nós.

Rosnei baixo. Eu não gostava disso, tão como daquela sensação estranha, quando pensava na imagem da fêmea.

- Saía. Quero ficar sozinho.

- Tem certeza?

- Saía!

Dei um rosnado mais forte e ele riu, não entendi o porque, mas então saiu. Quando fiquei sozinho me aproximei do vidro e por instinto puxei uma forte respiração, eu quis sentir o cheiro da fêmea, mesmo sabendo que não iria conseguir. Droga, ruim, muito ruim.

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