Rhysand ~ 6

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Como?

Essa pergunta parecia berrar em minha cabeça toda vez que eu pensava na história. Como isso é possível? Como eu vim parar aqui? Como esse lugar existe?
Quando Tamlin me atravessara para esse mundo, não fazia ideia do que me aguardava. Na hora em que cheguei, pensei que ele tivesse feito aquilo para se livrar de mim, porque sabia que eu iria matá-lo e ninguém me impediria. Mas quando eu vi aquela garota humana, dormindo tão calmamente em uma noite fria, sabia que não era um simples acaso: ela tinha alguma coisa a ver com essa história. E isso se confirmou quando ela olhou para mim e sabia quem eu era, quem eu amava e, principalmente, o meu caráter verdadeiro. Ela não sentiu medo e terror, ela simplesmente sorriu para mim. Seu rosto se iluminou ao me reconhecer.

Entrei em sua mente. Era uma confusão louca de pensamentos incessantes, dúvidas, tristeza, lembranças. Porém era a mesma confusão que havia invadido a minha cabeça anos atrás. Eu me lembro. Estava sentado no telhado observando o céu, pensando pela milionésima vez, em Lyght quando senti isso tudo. E assim como havia feito com Feyre cerca de cem anos atrás, enviei para sua mente a visão que eu tinha da noite naquele momento. Depois, percebi o mais surpreendente: a confusão tinha se acalmado, se aquietado. Nunca havia prestado atenção nisso, mas agora, ao ver as lembranças de Aaliyah, sei que foi com ela. Eu sinto a mesma confusão toda vez que entro em sua cabeça. Simplesmente faz sentido.

Quando cheguei em casa, o livro colorido na mesa de meu quarto, foi o momento em que eu realmente me dei conta do que havia acontecido: eu havia conhecido e me "conectado" com uma garota humana, que vive em um mundo completamente diferente do meu. Ela havia lido um livro que narrava a história de Feyre, e, por alguma razão, nos amava, mesmo acreditando que nós não existíamos.

Quando minha parceira chega no quarto, estou deitado, lendo com total atenção o livro. A narrativa era tão boa e real, que fazia com que eu me sentisse dentro de sua mente. As ações e descrições detalhadas, contribuindo para esse realismo impressionante.
-Rhys?- ela diz- O que é isso?
-Um livro.
Ela me fuzila com os olhos.
-Ah, você jura?
Dou risada.
-Vem aqui- digo, me ajeitando para o lado, dando espaço para ela se sentar- Leia isso.
E apontei para uma espécie de descrição contida nos marcadores de página. Ela se senta e lê.

Quando olha novamente para mim, vejo algo estranho em seu rosto.
-O que diabos é isso, Rhysand?- ela pergunta, em uma voz sombria, mas ao mesmo tempo assustada.
-É o que você acabou de ler: escreveram a sua história em um livro. Bem, na verdade foram três.
Ela me olha, desconfiada. Mas eu a entendo, já que minha expressão devia ter sido a mesma quando soube disso.
-Ma-mas... como? Quem?
-Se lembra do que eu lhe disse sobre aquele dia com Tamlin, no qual eu fui parar naquele lugar estranho...-
Ela me interrompe:
-Sim.

Conto tudo que aconteceu e descobri, desde o dia com Tamlin. Talvez fosse mais fácil mandar minhas lembranças à sua mente, mas acho melhor lhe explicar. Seria melhor se ela entendesse a situação toda ao invés de ver apenas as ações.
-Mas... como?- Ela pergunta novamente- Uma humana escreveu a minha história?
-Perfeitamente bem, aliás.- Completo.
-É impossível.- Ela se levanta, depois me olha- O quanto você já leu?
-Bem... Você matou o lobo, foi para aldeia e Tamlin te encontrou. Agora está tendo uma refeição com o seu querido Lucien e o "macho de olhos verdes incandescentes".
Ela revira os olhos, claramente desconfortável. Está dividida entre acreditar que o livro é real ou achar que isso é um absurdo. Sinceramente, eu também estava.

-Se isso for mesmo verdade, vai ler o meu romance com Tamlin? Quer dizer, não é muito agradável. Nem pra mim nem para você.
Suspiro.
-Feyre, eu amo você. Você é minha parceira. Não me importa por quantos machos você já tenha se apaixonado, você me ama agora e espero que ame para sempre.- Justifico. Ela não entende isso?- Concordo que não seja a coisa mais agradável do mundo, mas se você não se importar, eu também não vou.
-Eu não me importo- ela diz, falando com convicção pela primeira vez na conversa.
-Não?
-Você já começou a ler, não é?
-Sim, mas você já acreditou que isso é mesmo real?
-Não exatamente. Mas o que eu posso fazer?- ela fala, dando de ombros. Logo em seguida, atravessa para algum lugar, me deixando sozinho com seu rastro de estrelas, escuridão e vento.

Quando acordo, vejo que está deitada ao meu lado, dormindo profundamente. Ela demorou ainda mais do que eu terminar de ler para voltar de onde quer que tenha ido. Pensei em ir atrás dela, mas sei que apenas queria um tempo sozinha, para pensar. Desde 15 anos atrás isso começou a acontecer.

Ela não demonstrava muito, mas sentia falta de nossa filha, talvez até mais do que eu. Ocupava o meu tempo procurando por Lyght, pensando em todas as possibilidades e pistas. Mas Feyre ocupava sua cabeça o dia inteiro pensando nisso, e não desabafava com ninguém. Ficava se remoendo e se culpando pelo desaparecimento da menina, mesmo não tendo culpa nenhuma nisso. Às vezes Niah a consolava, mas, apesar de seus sorrisos e abraços, não se sentia bem de verdade. Era por isso que, além da minha obrigação de encontrar Lyght, preciso que a felicidade volte a fazer parte da minha parceira. E vou lutar o quanto for necessário e mais um pouco.

Já é quase noite, e estou deitado no telhado de casa, lendo mais um pouco do livro. Passara o dia todo dessa maneira, descobrindo detalhadamente o passado de Feyre. Eu a vi desenvolvendo sentimentos por alguém que eu odiava, confiando em pessoas que eu não confiaria, e principalmente: temendo a pessoa que eu era obrigado a ser.

Eu certamente terminaria o livro hoje, mas as lembranças de Amarantha e Sob a Montanha ainda me destroem por completo. O que eu sofri naquele lugar odioso, o que causei, o que eu não pude impedir... me matava. Me fazia sofrer de uma maneira que eu desejo nunca mais repetir.

Enquanto estou deitado, ainda olhando as estrelas brilhantes no céu, sinto novamente a invasão daqueles pensamentos confusos. Parecem milhares, e todos sussurram rapidamente em minha cabeça.
Aaliyah. É ela.
Reúno toda a concentração que sou capaz no momento e mentalizo aquela casa, isolada no meio do campo. Sinto a escuridão me levando lentamente àquele mundo estranho e diferente, onde os humanos reinam e vivem sem a menor ameaça feérica. Dou um passo, e aqui estou, em frente à porta da cabana, onde estive há menos de um dia. Me camuflo nas sombras, assim como fizera na mansão das irmãs de Feyre anos atrás. Entro lentamente, não faço barulho, e ninguém parece me notar.

Há uma mulher deitada no sofá, quem eu desconfio ser a mãe da garota destinada a me ajudar. Ela lê tranquilamente, passando as páginas de seu estranho livro com delicadeza. Sigo pelo corredor e analiso cada cômodo. Vejo um quarto desarrumado com uma cama bem pequena e estreita e entro. Existem vários livros e roupas espalhados pela mesa, cadeira, cama; a janela está fechada; e há uma xícara no chão (na qual eu quase tropeço).
Sento na cama, e ela range. Pego um livro da cama: "Corte de Névoa e Fúria". Capa bonita...

"Virei a lâmina illyriana na mão e atravessei para o Arco-Íris em chamas e ensanguentado. Aquele era meu lar. Aquele era meu povo. Se eu morresse defendendo-os, defendendo aquele pequeno lugar no mundo onde a arte florescia... Então, que assim fosse. E me tornei escuridão, e sombra, e vento"

"illyriana", "Arco-Íris"
Aquele livro era a continuação do outro que eu tinha em minha casa. A continuação da história de Feyre.

Continuei folheando algumas páginas por mais algum tempo, quando ouvi a porta se abrindo devagar. No momento que vi que era mesmo a garota, tornei-me visível novamente.

-Mas que merda é essa?- ela grita ao virar seu rosto em minha direção.
Agradeço à mãe que eu me dera ao trabalho de isolar os sons do quarto, porque senão os seus pais certamente teriam ouvido.

Começo a conversar com Aaliyah. Gostava de ouvir sobre o que ela achava de nossa história, pois era um ponto de visto da situação completamente diferente do meu (começando pelo simples fato de que me conhecia pela visão de Feyre). A garota era apenas humana e jovem, mas sua conversa era simples e inteligente. Nada daquele medo irracional e exagerado, nem uma fascinação falsa e desnecessária. Era uma conversa quase casual.

Pensando nisso, concluo que a levarei para Prythian. Uma garota que não nos temia, tampouco era iludida como os famosos "Filhos dos Abençoados". Conhecia nossa história, sabia quem éramos. Como minha família reagiria a essa garota? Como Tamlin lidaria com ela? O que fariam? E, lógico, acho que isso contribuiria para a minha busca.

E lá vamos nós novamente. Minha mente conectada a de uma humana, que logo estará em Prythian sob minha proteção. Tenho uma leve impressão de que já vi essa história antes. E ela teve um final feliz.

Lyght, a princesa da Luz NoturnaOnde histórias criam vida. Descubra agora