🍁 - Capítulo I

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Acelin despiu-se defronte ao alongado espelho do banheiro das damas. Seu olhar concentrado. Sentiu a angústia lhe corroer o estômago e lhe arranhar a garganta ao ver os ossos evidentes em seu colo.
Costumava ser tão formosa, tão bem-posta, mas agora não passava de uma miserável.
Aquela imagem refletida no espelho não lhe pertencia.

Quando em sua vida Acelin imaginou que viveria àquilo?
Deixar Sidony nunca esteve em seus planos. Entretanto, ali estava ela, uma estrangeira em um reino totalmente estranho.

As pessoas temem o que não conhecem, era essa a sensação que Acelin sentia desde que colocou os pés no palácio de Cadmus. Medo, desconforto, vontade de correr. As pessoas lhe eram estranhas, a mente criativa da garota podia jurar que lhe julgavam com os olhos. Talvez porque em Cadmus até uma simples dama parecia elegante como uma nobre do reino onde Acelin viera.

Até as paredes cobertas de ouro e tinta branca pareciam berrar a ela que ali não era o seu lugar.

Pensou em ser egoísta e desistir daquela estúpida ideia, mas que outra alternativa ela tinha? Era aquilo ou ver o pai morrer de uma doença que o desgraçava e o pisoteava dia após dia.

Acelin não tinha escolha.
Pelo ou menos não naquele momento.

Deixou a água correr sobre sua pele branca e tentou não alimentar os pensamentos de insegurança e medo. Certificou-se de estar limpíssima, pois não queria ser repreendida em seu primeiro dia. Vestiu-se com o vestido que lhe fora entregue pela chefe das damas, uma mulher rechonchuda, de longos cabelos grisalhos e uma expressão de descontentamento que, tempos depois, Acelin notou que não lhe largava. Seu nome era Hilde.

Acelin estava tão nervosa que qualquer um que por ela passasse ouviria o bater alto e descompassado de seu coração. Tentava inutilmente respirar fundo para se livrar daquele maldito frio na barriga.

As novas damas deveriam se encontrar no casarão dos funcionários do pavilhão Sul.
No entanto, Acelin nunca fora boa com direções e nunca se lembrava dos lugares que passava. Por sorte, encontrou algumas mulheres que também se dirigiam para lá.

Quando todas estavam presentes, Hilde entrou pelas portas do salão com seu andar desajeitado e o seu típico olhar de desapontamento.

— Vós fostes selecionadas para serem damas da princesa Freydis Masalis. Sou Hilde, dama chefe do pavilhão sul — apresentou-se. — Saibais desde já que eu não tolero atrasos, desculpas esfarrapadas ou trabalho mal feito. Espero não decepcionar-me em tê-las em meu comando.

Hilde era uma mulher velha e rígida. Não tolerava muitas coisas, tudo lhe aborrecia e lhe deixava irritada. Desculpas e incompetência lhe tiravam do sério com uma facilidade absurda. Era conhecida não só no pavilhão sul - pavilhão da princesa -, mas em toda a habitação real por seu bom trabalho e capacidade em sempre colocar as coisas em ordem.

As novas damas receberam muitas instruções e Acelin fez questão de prestar atenção em cada mínimo detalhe.

Foram levadas a conhecer todo o edifício dos funcionários da princesa e aprenderam onde e como funcionava cada coisa.

Cada pavilhão possuía um casarão para os funcionários como aquele, onde os mesmos viviam. A dona do pavilhão Sul, como é de se esperar, era a princesa Freydis.

Acelin mal podia esperar para conhecer o palácio Sul ou palácio da primavera, como também era chamado devido ao jardim que decorava a entrada.

— Agora que vós conheceis todo o edifício de funcionários, irei levá-las até o palácio sul - madame Hilde disse, o que fez algumas mulheres mais jovens soltarem berrinhos animados. - Escutem-me bem. Agora vós sóis damas e, como damas, o bom comportamento, a decência devem ser parte de vossas vidas. Nada de histeria, não faleis se não pedirem vossa opinião, não toqueis em coisa alguma e nem façais nada que não cabe ao vosso papel. Vós sóis meras damas e devem estar prontas para serem tratadas como isto, pois neste exato momento estão deixando de viver vossas vidas para ajudar a princesa a viver a dela. Outra coisa, tornai-vos surdas, mudas e cegas. Fofocas e murmúrios são imperdoáveis.

Talvez você tenha achado que esse discurso foi exagerado, mas ele não chega perto do que realmente era o papel de uma dama ou de qualquer funcionário. A realeza precisava ser servida e protegida, e alguém teria que dedicar todo o seu tempo a isso. Muitas vezes, a própria vida.

Deixaram o edifício de funcionários e atravessaram um caminho feito de arbustos e flores vermelhas que levava até o jardim real do palácio da primavera.

Enquanto atravessam o jardim, Acelin olhou para a gigantesca construção a sua frente. O palácio da princesa era uma construção simples aos padrões de Cadmus, mas para Acelin aquilo era a coisa mais linda que já vira. Parou e ficou encarando o palácio como se esperasse que alguém aparecesse gritando e dizendo que tudo era uma grande brincadeira ou talvez um sonho.

As paredes cor de creme a encaravam e pareciam perguntar o que diabos ela fazia ali.

Diante de tamanha distração, Acelin assustou-se quando uma figura de cabelos ofuscantes surgiu do meio do jardim

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Diante de tamanha distração, Acelin assustou-se quando uma figura de cabelos ofuscantes surgiu do meio do jardim. Com o sol que batia naqueles cabelos, Acelin quase achou que ficaria cega.

— O que fazes por aqui? — O homem a questionou e logo Acelin reconheceu.

— Oh, tu de novo!

— Nos esbarramos esta manhã no mercado — ele relembrou.

Certamente que Acelin podia lembrar do episódio vergonhoso que passara mais cedo.

A garota mordeu os lábios e baixou a cabeça constrangida.

— Ora, não te aborreças por isto, eu estou bem — disse ele, mostrando um sorriso convincente.

— E onde está o teu amigo troglodita? — As palavras saíram com um tom evidente de desgosto. — Aliás, o que fazes por aqui?

O homem desconhecido riu e passou a mão pela sua cabeleira brilhante.

— Na verdade, eu e meu amigo... nós... nós somos... guardas! É, nós somos guardas — disse o estranho e Acelin assentiu sem interesse. — E o que tu fazes aqui?

— Fui contratada como dama da princesa — disse com um tom orgulhoso.

— Oh céus, não devias estar lá dentro com as outras dama? — Perguntou, apontando para a entrada do palácio, onde nem era mais possível ver as outras damas.

— Ai não! — Acelin levantou a barra do vestido e começou a correr depressa. — Madame Hilde vai matar-me!

E lá foi Acelin correndo desajeitada pelo jardim.
O suposto guarda assistia aquela cena com um sorriso no rosto.

De fato aquela menina lhe despertava curiosidade. Tudo fora daquele palácio era curioso aos olhos do rapaz.

Lembrou-se de quando, pela manhã, esbarrou com aquela menina no mercado - estava no meio de uma das suas escapadas pela cidade com seu amigo - e ela o sujou com uma sopa de tomate quente que levava em uma das mãos. Seu amigo reagiu rápido, como sempre, e quase quebrou o braço da garota, mas foi impedido pelo rapaz de cabelos loiros que Acelin novamente encontrou no palácio.

Deixarei os dois rapazes sem nome por agora, pois logo eles irão aparecer novamente.

Por agora, voltemos a Acelin.

Gostaria de dizer que tudo ficou bem para ela no fim, mas foi naquele dia que Acelin recebeu sua primeira punição.

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