🍁 - Capítulo VI

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— Acelin, vistes o espírito no escritório de contabilidade? — O cozinheiro do casarão de funcionários perguntou.

— Ah, não existe espírito algum, é apenas um...

Acelin lembrou-se do Lobo. Morando sozinho naquele lugar e deixando que acreditassem que um espírito habitava ali, o troglodita mostrava claramente que não queria ser perturbado pelas pessoas. Apesar da grosseria, o homem deixou Acelin passar a noite naquele lugar e, decidida, Acelin o respeitaria.

— Apenas o quê, estrangeira? —  O cozinheiro a questionou.

— É apenas uma invenção que criaram para assustar vocês.

— Não pode ser. Eu mesma já fui assustada naquele escritório. — uma das damas, cujo o nome Acelin desconhecia, disse. — Lembro-me de ter sido tocada nas costas e quando olhei não havia ninguém lá, mas pude ouvir barulhos.

O testemunho da dama foi o suficiente para causar um burburinho na cozinha.

— Tens certeza de que nada estranho aconteceu? — O cozinheiro perguntou.

— Tenho sim. Não há espírito algum naquele lugar.

— Que bom, Acelin, que tu gostaste do teu aposento — madame Hilde aproximou-se dos demais funcionários.

Todos na cozinha se calaram. Os funcionários de maior importância não se alimentavam junto aos demais e, consequentemente, não costumavam entrar ali.

— Não foi tão desagradável, mas hoje poderei dormir aqui no casarão, madame?

A senhora não esboçou expressão alguma.

— Não — respondeu friamente. — Acelin, tu és uma dama desobediente e mal educada. Logo em seu primeiro dia nos causou problemas. Eu dei uma ordem de não falar com a princesa e tu apenas desobedeceste, ou achas que eu não soube? Ainda tratou com má educação o filho do conselheiro real. Estou observando-te, Acelin, nada passa despercebido por mim.

— Mas, madame, eu não queria ser mal educada e ignorar a princesa e... aquele moço, eu não o conhecia, não sabia que era um nobre — Acelin buscava justificar-se.

— Ficarás no antigo escritório de contabilidade até que aprendas a ser uma dama de verdade. Tu só sairás de lá quando eu disser-te que podes sair. Ouviste bem?

— Sim, madame.

Acelin assentiu com a cabeça baixa.

Com o tardar da noite, a habitação real era de um silêncio cordial. Com passos remansos, Acelin seguiu até o pavilhão administrativo e parou de frente a porta do escritório abandonado.

Respirou fundo e com ímpeto abriu a porta que soltou um rangido alto. Estava sem lamparina, a única iluminação era a que entrava pela janela de vidro.

— Olá — Acelin engoliu em seco. — Então... Lobo. Eu sei que tu não gostaste de mim e tudo bem, eu entendo. Eu sei que tu não queres ninguém neste lugar, tu gostas de ficar sozinho. No entanto, eu não tenho lugar para ficar. Madame Hilde me obrigou a ficar aqui. Juro que não vou incomodá-lo, não falarei nada, serei como uma estátua.

Silêncio e escuridão. Acelin esperou por uma resposta.

— Ouvi dizer que o silêncio para um pergunta significa um "sim". Vou entender desta forma, tudo bem?

Silêncio.

Acelin bufou.
Estava cada vez mais odiando aquele homem.

Subitamente, ouviu-se o ranger da porta. Acelin virou-se e encontrou o Lobo. Paralisou. A presença daquele homem sempre lhe causava medo. Ele a encarou.

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