🌼 - Capítulo XXXVII

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Dois navios partiram à Palama.
Trinta homens em um e quarenta em outro. Todos armados com espadas, flechas, adagas, escudos, lanças, machados e entre outras armas.
No andar debaixo de cada navio, estavam os cavalos que seriam usados para saquear o porto e a cidade. Parecia até injusto que Cadmus, com todo o seu preparo, fosse invadir Palama.

Sandor e o general Bacchus eram os responsáveis pela invasão e decidiram que era melhor chegar ao porto pela madrugada. Os dois homens eram astutos como raposas.

Os soldados descansavam no andar de dormir. Nukenin estava no convés, encarando o movimentar das águas do oceano Ceto. Olhou para o céu frio e pesado sobre sua cabeça, com algumas poucas estrelas. O vento bagunçava seus cabelos escuros. Soltos, eles tocavam suas costas.

— Estou tão enjoado que não consigo dormir. O que faz aqui sozinho? — Rurik aproximou-se do amigo e sorriu.

Estava frio e o rosto do mais novo era vermelho e levemente inchado.

— Estou sem sono — respondeu.

— Ouço isso desde que nos conhecemos. Não há uma noite que tu consiga dormir?

— Uso muito meu corpo e nem sempre minha mente vence o cansaço. Então, há dias em que consigo — explicou, olhando para o amigo e dando um meio sorriso.

Anzel aproximou-se. Sem bengala, pois isso já não era necessário.

— Não deverias estar dormindo? — Rurik sorriu para o amigo que se aproximava.

— Estava sem sono — disse e juntou-se aos outros dois no corrimão do navio, encarando o mar revolto.

— Esse cara aqui deve gostar muito de ti, Nukenin, está até imitando-o agora — Rurik brincou. — Frios como o gelo e ainda com insônia.

— Também não consegues dormir, Nukenin? — Anzel ignorou o mais novo.

— Ele nunca dorme — Rurik afirmou.

— Eu também não consigo pregar os olhos. No que pensas que não consegues dormir? — Anzel o questionou.

O soldado suspirou e fitou   com intensidade o mar.

— As pessoas não conseguem dormir porque ficam pensando? — Rurik perguntou. — Eu estou acordado porque estou enjoado.

— Não sei, mas comigo é assim. E contigo, Nukenin?

O homem colocou as mechas laterais de seu longo cabelo para trás das orelhas.

— Comigo também. Há muito tempo não tenho uma boa noite de sono — confessou.

— Vós passastes por muitas coisas. Eu não sou capaz de imaginar passar o que vós passastes — Rurik disse, apoiando o corpo sobre o corrimão. — Eu aprendi com vós que nós nunca saímos totalmente inteiros de nada, sempre fica uma parte de nós faltando ou quebrada. Essa parte vai doer por muito tempo e talvez nunca pare.

— Olha só, parece que esta criança está crescendo — Nukenin riu e deu um soco no ombro do príncipe.

Ignorando os risos dos outros dois, Anzel, com um semblante sério, perguntou:

— Sente-se culpado por alguma coisa, Nukenin? — Perguntou Anzel com um ar acusador.

O outro nem ao menos o olhou.

— Anzel, isto não é da sua conta — Rurik o repreendeu.

— Não estou tentando ser grosseiro. Todos sabem que viestes à Camus depois de ser vendido como escravo. O que fizestes para  ser vendido? Tu eras um criminoso e sente-se culpado por seus atos e por isso não consegues dormir?

— Ei, para com isto — Rurik o olhou com uma expressão de indignação.

— Sim — disse Nukenin, ainda sem encarar Anzel. — Eu era um criminoso e por isto fui vendido. Porém, não é essa razão que rouba meu sono. Sinto-me culpado, mas não pelo crime que cometi.

— Nukenin... — Rurik o encarou.

— Minha família e a mulher que eu amava morreram por minha causa — agora ele estava fitando Anzel seriamente e Anzel o encara de volta com um ar acusador. — Como posso dormir quando algo assim aconteceu?

Era a primeira vez que Rurik ouvia Nukenin falar sobre sua família.

— Tu os mataste? — Anzel era direto em suas perguntas.

— Disse-te que não é meu crime que tira meu sono. Não fui eu quem os matei, mas pelo o que fiz, por causa das minhas escolha, eles morreram e eu nunca iria perdoar-me por isto — era a primeira vez que Nukenin falava sobre essa parte do seu passado com alguém.

— O que quer que tenhas feito, deve ter sido algo grave. Ninguém se livraria de alguém tão talentoso sem um bom motivo.

Anzel era duro nas palavras, mas elas não atingiam Nukenin, pois o mesmo já estava acostumado com o peso das lembranças. Nenhum acusador era tão cruel quanto ele mesmo.

Erros, erros e erros. Parecia que era apenas isso que ele era capaz.

— Não estás errado — confessou Nukenin com os olhos agora postos no céu.

Deste modo, os três permaneceram no convés. Obstinados e calados, enquanto a noite arrefecia.

O porto de Dara não era o maior do reino de Palama, mas também não chegava a ser o menor

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O porto de Dara não era o maior do reino de Palama, mas também não chegava a ser o menor. Tinha um tamanho médio e era importante para a economia. Madeiras paladianas eram exportadas diariamente naquele lugar.

Naquela noite o galpão estava tão cheio, que foi preciso deixar algumas toras de madeira do lado de fora. O motivo disto é que o império de Lanh havia feito uma enorme compra e essas toras seriam mandadas dentro de alguns dias.

O fato de haver tantas madeiras paladianas naquele lugar não era novidade alguma para Cadmus, pois eles sabiam que elas estariam ali para serem mandadas à Lanh, assim como eles também sabiam da enorme falha na segurança do porto. Havia apenas um homem fazendo a guarda, e este pobre homem não esperava o que aconteceria naquela noite.

As ondas cantavam na escuridão noturna. Na ponte sobre as águas do mar, estava sentando o pobre homem que fazia a guarda.Era apenas um jovem de uns vinte anos. Entediado, ele jogava pedras ao mar quando levantou os olhos e viu uma silhueta de grande tamanho aproximar-se. O seu erro foi esperar e observar de forma ingênua.

A névoa marítima, aliada a escuridão da madrugada, tornava difícil distinguir o que era aquilo.

Já era tarde quando o rapaz robusto, de cabelos escuros e pele bronzeada, enfim percebeu que era um navio e, não apenas isso, era um navio cadissim.

O tempo não foi nada amigável com aquele belo rapaz. Os segundos só lhe foram o bastante para tocar o instrumento que carregava, alertando a população que uma invasão estava acontecendo.

No navio pomposo de Cadmus, um homem, que sentia novamente o ar do oriente sobre sua pele, mirou e com precisão acertou os olhos verdes do jovem na ponte.

Ao ouvirem o som do instrumento tocado pelo guarda, os senhores saíram de suas casas imediatamente. Armados com algumas espadas, machados e outras armas simples, preparavam-se para o pior.

As mães desesperadas escondiam suas crianças e torciam para que suas vidas fossem poupadas.

O desespero da pequena população da aldeia aumentou ainda mais quando ouviram-se os gritos:

— Cadissins, são homens cadissins!

CADMUSOnde histórias criam vida. Descubra agora