🍂 - Capítulo XV

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Após uma madruga de chuva incessante, o sol começava a surgir por detrás das nuvens. 
Dimas acordou cedo. Com o fim do festival, não havia tempo a ser desperdiçado. Deveria empenhar-se em construir os barcos antes que o inverno chegasse.

— Calais, meu filho, corra até a casa do madeireiro e trate de comprar madeira paladiana para fazermos novos barcos. Devemos aproveitar o inverno que virá para nos planejar para a pesca da primavera — disse para o jovem alto sentado a mesa, tomando chá ao lado de sua mãe.

— Irei sim, meu pai. Mas, ontem, no festival, ouvi de alguns comerciantes que Palama ainda não mandara barco algum  ao porto — falou o jovem.

Calais, então, foi até a casa do madeireiro de Cadís. O senhor de cabelos grisalhos e orelhas desmedidas disse-lhe que as madeiras paladinas ainda não haviam chegado e o fez perder tempo mostrando-lhe diversos tipo de madeiras.

Logo, espalhou-se em Cadís rumores de que algum conflito entre Cadmus e Palama estava ocorrendo.

Assim, na tarde do mesmo dia, na habitação real, Sandor estava sentado sozinho na biblioteca do palácio. Acabara de receber a desagradável notícia de Midas, o secretário do comércio em Cadmus, de que o reino de Palama ainda não mandara os seus barcos ao porto. Dentre outras coisas Palama era a principal fornecedora de madeira à Cadmus. A madeira paladiana era a melhor para ser usada nos inúmeros projetos arquitetônicos do reino e, de semelhante modo, na produção de barcos para o comércio.

Sandor massageava as têmporas, bufando seguidas vezes até que Anzel adentrou e, ao ver seu pai visivelmente irritado, sentou ao lado do mais velho.

— Estás bem, pai? — tocou-lhe a mão com um semblante aflito.

O pai abriu um sorriso cansado.

— Estou sim, Anzel, meu filho.

— Não me parece isso. Andes, o que estás incomodando-o?

Sandor suspirou.

— Acho que dei um mal conselho a seu tio.

— Talvez não tenha sido um mal conselho, pai. Há coisas que não são as melhores a serem feitas, mas precisam acontecer, mesmo que as consequências subsequentes não sejam boas — Anzel disse sem ter certeza de que aquilo era o melhor a ser dito.

— Mas as consequências podem ser implacáveis, filho — disse.

Aquele tom temeroso incomodava Anzel que nunca via o pai demonstrar insegurança.

— Ensinaste-me que o mundo não é fácil, mas que uma mente sábia pode resolver até mesmo os problemas mais inescrutáveis.

Sandor abraçou o filho. Sentia naquele momento que Anzel era um menino iluminado e que, mesmo não tendo a vida que realmente merecia, seu futuro como mão do rei seria íntegro e elogioso, apesar de ainda der muito inocente.

— Tens razão, filho — por fim, disse. 

Após conversar com o pai, Anzel deixou o palácio real e encontrou-se com Rurik no palácio de inverno. O sol começava a descansar sobre as montanhas.

— Ouço o som do seu cérebro trabalhando de longe — Anzel disse ao sentar ao lado do garoto loiro. — Por que estás tão pensativo?

— Eu sou um príncipe. Meu pais são os reis de todo esse império. Apesar de ser o príncipe mais novo e um pouco irresponsavel, sou muito ocupado. Não tenho tempo para pensar em futilidades — parecia falar mais para si mesmo do que para Anzel.

— Entendi, super alteza — brincou. — E que futilidades são estas que te incomodam tanto?

Rurik parou o olhar sobre o amigo. Pensava se devia contar-lhe sobre o que acontecera na manhã daquele dia.

— Vais ficar olhando-me ou vais responder a minha pergunta?

Rurik coçou a nuca.

— Creio que já deves saber que com o festival, Acelin soube que nunca fui um soldado e que, na verdade, sou um príncipe —Anzel anuiu com a cabeça. — Por conta disso, ela me ignorou durante o festival inteiro. Não é de se admirar que esteja furiosa comigo.

— Sente-se arrependido por isso? — Anzel questionou.

— Sim. Por isso, segui o conselho de Freydis e procurei Acelin essa manhã para desculpar-me por ter mentido e por tê-la feita descobrir a verdade de uma forma tão inesperada.

— Estou admirado. Vejo que nosso pequeno príncipe amadureceu — Anzel assanhou o cabelo do mais novo.

— Se isso é amadurecer, então eu recuso-me a isso! Aquela asselvajada, sem educação, nem ao menos deixou-me falar e, com aquela mão suja, bateu-me no rosto! Sorte dela que eu havia dispensado Nukenin mais cedo, pois eu o teria mandado cortar-lhe o pescoço e todos os membros do corpo!

Rurik estava vermelho de raiva. Nunca antes havia sido tratado com tamanho desaforo.

— Ela bateu em ti? — Anzel riu, sentindo o olhar furioso do amigo a encará-lo.

— Nem sequer pude dizer mais do que um "precisamos conversar" — disse indignado.

Anzel acalmou a vontade de rir e, subitamente, colocou-se de pé.

— Aonde vais? — Rurik o encarou alinhar suas roupas.

— Procurar por Acelin.

— O quê? — Rurik não entendeu.

— Não queres pedir perdão? Então, tentarei convencê-la a ouvir o que queres dizer — explicou.

— Anzel, não precisas fazer isso. Aquela garota não merece ouvir o que tenho a dizer, ela é uma incivilisada — disse, deixando o orgulho falar mais alto.

— Cala-te. Direi a ela para encontrar-te amanhã ao cair da noite, nesse lugar — disse e, antes que Rurik pudesse contestar, deu-lhe as costas.

Anzel sempre fora assim. Ajudar as pessoas, para ele, era algo tão cotidiano quanto acordar pela manhã. E, independente, de quão difícil fosse, sempre dava deu melhor, mesmo que fosse algo sem grande importância.

Desde pequeno, Rurik sempre teve Anzel ao seu lado. Lembrava-se de ser muito criança e não ter amigos e, então, Anzel, mesmo sendo mais velho, oferecia-se para fazer companhia ao menor.

Era dessa forma que todos conheciam o jovem Anzel, como um menino de grande coração.

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