🍂 - Capítulo XIV

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Nukenin ouviu os passos que já conhecera e se adaptara. Sabia que era Acelin, mas, mesmo não querendo ser visto, continuou ali. Estava sentado sobre a grama com o rosto afundado sobre os joelhos.

A garota aproximou-se e sentou ao lado dele. Ouvia seus soluços e o mover descompassado de suas costas. Nunca imaginou ver aquele homem chorando, sempre o viu como um soldado frio e insensível. Agora, não sabia o que fazer, mas sentia que devia tomar alguma atitude.

Afagou as costas do homem, estava exitante. Esperou algum protesto, mas esse não veio. Por isso, Acelin continuou.

Alguns minutos se passaram até que a respiração do homem se acalmou. Enxugou o rosto com as mangas e respirou profundamente.

- Quer conversar? - Acelin estava receosa.

- Não.

- Tem certeza? Desabafar ajuda - disse.

Ele a olhou com uma certa incerteza em seu olhar. Nos últimos anos pouquíssimas vezes falou sobre o que sentia e sempre foi com Rurik. No entanto, agora, queria contar. Sentia-se como se fosse explodir.

- Não acha uma inépcia que esses homens tenham morrido assim? - Sua voz saiu embargada.

Acelin assustou-se com seu comentário.

- Achei que todos os cadissíns concordassem com aquilo - respondeu.

- Não sou um cadissím - disse encarando as árvores. Os olhos estavam vermelhos e marejados.

- Não? De onde vens?

- Do Oriente. Império de Lanh.

Acelin anuiu com a cabeça. Sentia-se curiosa sobre o homem. Ele era um labirinto de mistérios que seu eu curioso ansiava por desvendar.

- Por que viestes à Cadmus, então? - ele mantinha seu olhar às árvores.

- Eu não tive escolha - foi tudo o que disse e Acelin não quis insistir.

- Faz tempo que estás aqui em Cadmus?

- Um pouco.

Nukenin não gostava de falar sobre o porquê chegará em Cadmus. A verdade é que suas memórias eram tão dolorosas que ele as guardava em segredo. Segredo esse que mais parecia um inimigo armado com um espada afiada a espreita, pronto para atormentá-lo.

- Eu entendo você. Também não tive escolhas a não ser vir para Cadmus. Era isso ou ver meu pai morrer sem fazer nada para salvar sua vida - Acelin encarava as árvores. Estava séria. Em sua mente as memórias de sua família vieram novamente.

O homem a encarou. Sabia bem o que era querer salvar alguém a quem amava e sentir-se impotente.

- Seu pai vai ficar bem - disse. Acelin admirou-se com sua gentileza e sorriu.

Uma garoa começou a lhes molhar, mas nenhum dos dois quis ir embora.

- Gosto desse lugar, mas ainda sinto-me estranha. É tão diferente de Sidony, mesmo que os dois reinos estejam tão próximos. Creio que para ti não deve ter sido fácil acostumar-se com esse lugar também. Meus pais sempre diziam que no Oriente as coisas são bem diferentes dos reinos do Ocidente - disse e Nukenin anuiu com a cabeça.

- Por certo. Precisei aprender tudo do início de uma maneira indesejada - em sua cabeça, o homem tinha memórias dolorosas.

- Acredito que não conheceu Rurik assim que chegou aqui, não é? Então, quem o ajudou a acostumar-se a esse lugar?

Repentinamente, no rosto de Nukenin surgiram traços de aborrecimento.

- Estou sendo desaforada?

- Já estou a acostumar-me com sua impetulância.

Acelin franziu os olhos e esboçou uma expressão de ofensa.

- És um asselvajado, sem escrúpulos - os lábios franzidos como o de um pato causavam em Nukenin uma vontade forte de zombar da garota. No entanto, como sempre, conteve-se.

- Um nobre soldado foi quem ajudou-me a acostumar-me a Cadmus. Trabalhei para sua família por algum tempo antes de ser chamado como soldado - explicou.

Acelin gostava quando o Lobo abria-se com ela, mesmo que fossem apenas alguns fios do tanto que carregava dentro de si.

- Que homem bom. Eram muito amigos?

- Éramos sim. Ele me tratava como parte de sua família, embora eu estivesse longe disso - disse ele.

- Se ele é um soldado, certamente está na habitação real agora, não é? Espero poder vê-lo qualquer dia desses - falou com empolgação em sua voz.

- Não vais.

Acelin não entendeu. O olhou com uma dúvida esboçada em sua face.

- Não vais, pois ele está morto - sua voz saiu como um sussurro.

- Oh não. Nukenin, sinto muito - Acelin, finalmente, era capaz de entender.

Agora entendia por quê Nukenin estava chorando sozinho naquele lugar. Entendia o motivo pelo qual a morte dos homens o incomodava. Simplesmente porque, enquanto as pessoas estavam felizes, cultuando Belenus, ele estava perdendo alguém importante, uma parte de sua família.

Impensadamente, Acelin o abraçou. Apertou-o como se caso ela o soltasse, o homem fosse desmontar-se.

A dor era dele, mas era ela quem estava chorando agora. Não conseguia imaginar como o peito dele estava doendo. Se perdesse seu pai, certamente sentiria que perdera tudo. Acreditava que era assim que Nukenin estava sentindo-se.

No entanto, Acelin não sabia que o Lobo já perdera pessoas muito mais valiosas antes daquilo e aquela dor que sentia naquele momento, não era tão dolorosa quando a dor que marcara sua vida anos antes.

Estava convicto de que não seria mais feliz, de que não merecia sentir uma felicidade verdadeira e duradoura. Tomara muitas decisões erradas e, por sua culpa, tudo estava arruinado.

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