POV Edmilson
Da janela de meu quarto vejo quando Rodrigo beija Paty e sinto um aperto tão forte no coração que meus olhos se enchem de lágrimas. Minha vontade é correr até lá e separá-los.
Desço para meu ateliê e começo a pintar frenético meu quadro novo, num desespero para tirar do meu peito esta dor que eu não conheço. O que está acontecendo comigo?
Paro só quando está pronto e me surpreendo ao me deparar com o que fiz. É Paty, seu rosto perfeitamente reconhecível em meio a retalhos de cores e riscos. Ela, que reuniu os pedaços que sobraram de mim depois que Janaína morreu e que agora, me desperta para amar, para sonhar novamente.
Porém, eu a perdi. Não percebi a tempo que estava apaixonado por ela e tratei como um erro o nosso beijo. Será que ela sentia algo por mim naquele dia e eu matei com minha atitude? Será que ainda posso tê-la de volta?
Lembro-me do que vi mais cedo e minha esperança cai por terra. Ela está envolvida com o Rodrigo, nem mais minha amiga parecer querer ser. O que vou fazer?
Estou chorando quando a porta se abre e vovó entra.
- Qual o problema, menino? Fazia tempos que não escutava seu choro.
- Desculpa, vovó, não quis te acordar.
- Não me acordô, estava rezando. Não qué conversá?
- O que vê quando olha para este quadro, vovó?
- Oxente, vejo sua amiga. Por quê?
- Percebi que estou apaixonado por ela. Justo agora que ela está com o aquele garoto.
- Meu menino avuado... Ela lhe ama.
- Mas vi eles se beijando...
- Ela pensa que não tem chance com você e tenta te esquecê, pobrezinha. Mas um amor como o dela não é fácil se deixá.
- Tem certeza, vovó? – será que posso ter esperanças?
- Acompanho o amor crescendo entre vocês há muito tempo. Acho até que Janaína sabia.
- Eu amava minha namorada, nunca pensei em outra garota.
- Mas ela sabia que seu tempo estava no fim e queria te vê feliz, meu neto. Me diga, ela te pediu algo sobre a Patrícia, não foi?
- Sim, pediu que eu cuidasse dela.
- Tenho certeza que falô o mesmo para a amiga sobre você.
- Mesmo ela dizendo o contrário, sempre achei que estaria traindo sua memória se me envolvesse com outra pessoa.
- Meu menininho abestado. Ela te amava. Você acha que ia querê você sozinho e sofrente pro resto da vida?
- Obrigado, vovó. Eu precisa mesmo conversar. Estava me sentindo muito confuso e culpado – abraço-a e ela me acolhe com tanto carinho que deixo mais algumas lágrimas rolarem.
Ela vai para seu quarto e fico mais um tempo ali, pensando. O que farei? Se ela está num relacionamento, como posso chegar e dizer o que sinto?
Decido não interferir até saber o que ela sente. Se ver que vovó tem razão, que ela me ama também, então não terei medo de falar. Mas se perceber que está apaixonada pelo Rodrigo, serei apenas seu amigo e estarei do seu lado como sempre esteve ao meu.
Ela não aparece para o almoço no domingo novamente, e não consigo desviar minha atenção do seu lugar vazio. Vovó me olha solidária, e me dá um sorriso de encorajamento.
- Família, tenho um comunicado – Toninho se levanta e bate no copo com sua faca.
- Se for alguma molecagem comigo, menino, vai levá cascudo – vovó diz, mas sorri, como quem sabe algo que os outros desconhecem.
- Fale, meu filho. O que tem a dizê.
- Pai, mãe, vovó, irmãos e irmãs, agregados e agregadas, sobrinhos e sobri...
- Ande logo com isso, moleque abestado – vovó não é conhecida pela paciência.
- Pensei muito e acredito que descobri meu caminho – ele olha a todos, fazendo suspense. Nossa avó lhe dá um cascudo para apressá-lo e ele ri - Tá bom, vou falar, não precisa bater.
- Desembucha, logo, meu neto. Já tô véia, não aguento esperá.
- Iniciarei um caminho vocacional com no seminário. Quero me tornar padre.
- Por essa eu não esperava – Manoel diz, mas se levanta para cumprimentá-lo.
- Meu Santo Antônio bem que me alertô. Já tava desconfiada.
- Me dá um abraço, vovó sabichona.
Fiquei surpreso com a escolha de meu irmão, mas faz sentido. Será um padre divertido e levará alegria para sua paróquia. Creio que atrairá muitos fiéis. Ensinará que ser uma pessoa boa e temente a Deus não quer dizer ser triste e carrancudo.
-Parabéns, Toninho – digo o abraçando – Seja feliz com sua escolha.
- Estou animado, Edmilson, sinto que encontrei meu caminho.
Após o almoço, penso em ir falar com Paty e contar as novidades, mas o carro do Rodrigo está estacionado em frente à sua casa. Ela me envia uma mensagem dizendo que não preciso esperá-la para a escola na segunda de manhã, pois seu namorado virá buscá-la.
Fico olhando para a tela do celular e meu coração dói com a constatação de que estão mesmo juntos. Respondo parabenizando-a e depois vou para meu ateliê. Inicio um novo quadro, para desafogar meu peito e deixar nele toda minha mágoa e dor.
Estou já sentado na sala de aula quando os dois entram de mãos dadas. Ele tem um sorriso gigantesco no rosto, que se abre ainda mais quando recebe os aplausos do pessoal da classe. Ela sorri tímida, mas fica séria, diria até triste, quando me vê observando-a.
- Oi, Ed.
- Oi, Paty. Parabéns novamente.
- Obrigada – sorri, mas os olhos estão marejados.
- Está tudo bem? – pergunto, mas ela respira fundo e me olha nos olhos.
- Por que não estaria?
- Ainda somos amigos?
- Claro – parece querer dizer mais alguma coisa, mas seu namorado a chama, e ela se vira para falar com ele.
Passo toda a aula sofrendo em silêncio, ao ver os olhares amorosos que Rodrigo lhe lança. Nem presto atenção ao que o professor diz, remoendo minha dor e meu ciúme.
Saio rápido quando o sinal bate. Não olho para trás e não me despeço de ninguém. O que farei com meus sentimentos? Devo falar com ela? Ainda podemos ser amigos? Será que a perdi para sempre?
Toninho padre, quem diria... O que acharam?
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Despertando para sonhar - Livro 4 da Série Sonhos
RomanceEdmilson perdeu sua namorada de infância para o câncer, e se fechou para todos, com exceção da melhor amiga de seu amor. Patrícia sempre foi apaixonada pelo namorado de Janaína, mas nunca sonhou que ele conhecia seu segredo. Antes de partir, confia...