Capítulo 1

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Dias atuais

POV Edmilson

Termino meu novo quadro. É uma encomenda que recebi, e fiz baseado em uma fotografia antiga de um casal, agora idoso. Ficou muito bonito, mas meu coração se aperta, pois me lembro de Janaína. Podia ser um dia nós dois assim, envelhecendo juntos e felizes, mas isto nos foi negado.

Já se passaram quase 3 anos, mais ainda dói. Não tanto como no começo, porém ainda é difícil. Com apenas 14 anos, ela descobriu que estava com leucemia, e em pouco tempo faleceu, aos 15. Estive ao seu lado e acompanhei sua luta, mas ela nunca teve chances.

Após sua morte, fiquei arrasado. Minha vontade era morrer também. Fechei-me para quase todos e fiquei depressivo. Meus pais insistiram que eu fizesse acompanhamento com uma psicoterapeuta e foi bom, pois eu precisava desabafar. Já recebi alta, mas confesso que ainda sou calado, apenas acompanho as conversas, evito interagir.

Durante meu luto, descobri a arte como válvula de escape para minha dor e hoje é minha paixão. Transfiro para a tela todos os meus sentimentos e me liberto da opressão em meu peito. Meus primeiros quadros eram todos sobre Janaína e minha dor, mas não mais. Fiz alguns cursos e me disseram que tenho muito talento. Expus na mostra da escola de arte e recebo muitas encomendas desde então. Vendo meus quadros, mas tenho alguns que são só meus, aqueles que falam o que não consigo verbalizar, que traduzem meus mais profundos pensamentos.

Tenho um ateliê num quarto na casa de meus pais, e eles me apoiam muito. O cômodo é pequeno, mas bem ventilado e com boa iluminação e é meu. Um lugar para ficar sozinho e extravasar.

Estou no último ano do ensino médio, mas ainda não decidi se farei uma faculdade ou apenas continuarei com meus cursos de arte. Só sei que não me vejo trabalhando em outro ramo que não seja o artístico.

Estou limpando meus pincéis quando batem na porta.

- Oi, Paty, entra – ela era a melhor amiga da minha namorada e hoje, minha. Não sei como superaria tudo o que passei sem ela. Prometi que cuidaria dela, mas é ela quem cuida de mim.

- Trouxe um novo jogo, interessado?

- Claro, só preciso terminar de limpar aqui.

- Eu te ajudo – saio da sala para levar o lixo para fora e quando volto, ela está olhando meus quadros, e já arrumou tudo como eu gosto. Ela me conhece melhor do que qualquer outro.

- Adorei esta pintura nova, ficou lindo. Você deu vida a eles. É visível o amor que os une.

- A família vem buscar amanhã. É um presente para as bodas de 60 anos.

- Já imaginou viver tanto tempo junto com alguém?

- Sim, mas ela me foi tirada antes – digo amargo e vejo logo que a magoei, pela dor em seus olhos. Ela também perdeu uma grande amiga.

- Desculpa, Ed, não quis te chatear.

- Eu que peço perdão, estou meio sensível. Esta pintura mexeu comigo.

Ficamos entretidos jogando em meu quarto até que vovó vem nos chamar para jantar.

- Acho melhor eu ir embora – mesmo depois de tantos anos frequentando nossa casa, ela ainda fica constrangida em comer sem um convite formal.

- Menina, deixa de bobeira. Não vai arribá sem comê. Olha como está desmilinguida – vovó não tem papas na língua, mas adora minha amiga.

- Hoje o Sr. Magalhães não vem, vovó?

- Vamos nos encontrá na igreja perto da casa dele daqui a pouco. Ele queria vir me buscá, mas não aguento mais o Toninho bulindo comigo, então pedi para esperá lá mesmo.

- Não é minha culpa se o seu noivo gosta de abrir a porta do carro para a senhora, vovó.

- Ele não é meu noivo, menino abestado.

- Namorado então?

- Pare de me aperriá, menino. José é só meu amigo.

- Deixa a Mãinha, Toninho. Vamo jantá em paz – meu pai interfere antes que vovó distribua seus cascudos. Meu irmão adora mexer com ela, que se irrita e só dá mais munição.

Paty vai embora após a refeição e, antes de dormir, faço um esboço de meu próximo trabalho. É a cópia de uma foto de um buquê de noiva. Firmei há pouco uma parceria com um estúdio de fotografia e eles vendem um pacote para noivos incluindo um quadro meu.

O retorno financeiro é muito bom, mas não sei se foi boa ideia para meu emocional. Trabalhar com tantas histórias de amor me abala, pois me lembram frequentemente de minha namorada falecida.

Nunca mais me interessei por garota alguma e nem quero me envolver. Minha Jana foi a o grande amor da minha vida e ninguém pode superar seu encanto sobre mim. Não consigo me imaginar com mais ninguém. Tenho minha família e minha amiga, não preciso de mais nada.


Alguém aí com saudades da vovó Severina?

Despertando para sonhar - Livro 4 da Série SonhosOnde histórias criam vida. Descubra agora