Capítulo 2

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POV Patrícia

Despeço-me de todos e vou para minha casa. É sempre triste sair de um ambiente tão familiar e acolhedor e voltar para o meu lar, se é que posso chamá-lo assim. Mesmo as brigas de vovó e Toninho são divertidas, pois é apenas da boca para fora.

Minha mãe está na cozinha lavando a louça. Seu ar exausto e abatido cortam meu coração, mas faço tudo o que posso. Cuido de quase todas as tarefas domésticas para ela, mas seu cansaço é emocional. Assumo seu lugar na pia, quando escuto meu pai entrando.

- Cadê você, mulher? – a porta bate num estrondo – Está surda?

- Estou aqui, querido – ela vai ao seu encontro.

- Quero minha comida. Agora! – ele grita, mesmo tendo ela ao seu lado.

- Sente-me, meu bem. Já trago seu prato.

- Rápido, sua lerda – ouço o som de seu tapa. É sempre assim quando ele passa no bar antes de vir para casa. Agride verbal e fisicamente minha mãe, e saio de perto para não sobrar para mim também.

Escondo-me na lavanderia, e fico quietinha esperando ele terminar seu jantar e ir para o banho. Só então saio de meu esconderijo. Ela está tirando a mesa com lágrimas escorrendo por seu rosto, agora vermelho onde ele bateu.

- Por que aceita isso, mamãe? – tiro os pratos de suas mãos e levo para a pia.

- O que posso fazer? – seu ar derrotado me irrita.

- Denuncie ele por agressão. Várias vezes por semana ela ataca a senhora. Como pode viver assim?

- Ele não é um homem mau. É apenas seus problemas no serviço e a bebida.

- Mãe, não suporto mais ver essa situação. Por favor, reaja antes que seja tarde.

- Eu não posso largá-lo. Quem cuidaria dele? Como ele ficaria sem mim?

- Talvez aprendesse a ser gente.

- Não fale assim. É seu pai. E ele melhorou, já quase não me agride mais. Fazia dias que não acontecia – ela tenta enganar a si e a mim, mas eu sei que ele está cada dia pior.

Abraço minha mãe e deixo que chore em meu ombro, enquanto acaricio seus cabelos. Meu pai sai do banheiro e cai na cama, e logo ouvimos seus roncos. Só então subo e vou para meu quarto.

A casa é um sobrado pequeno, com dois quartos e banheiro no andar superior. Eu dividia um com minha irmã mais velha, mas ela se casou assim que seu namorado se firmou num serviço, há cerca de 2 anos. Ela também não aguentava mais nosso pai e seus maus tratos. Ele prefere agredir nossa mãe, mas muitas vezes desconta sua raiva e frustração em quem estiver mais perto.

A casa de Janaína era meu refúgio, e hoje a de Ed cumpre esse papel. Sempre que a situação fica difícil demais, vou para lá e durmo no quarto de sua irmã Inês e de vovó. Eles não fazem perguntas, apenas me acolhem.

Tranco meu quarto e me deito. Meu pai não costuma acordar depois que apagou, mas é bom não arriscar. Não quero despertar com ele me batendo, como já aconteceu antes.

Não sei por que minha mãe insiste neste relacionamento. Ela trabalha, não precisa dele para sustentá-la e não recebe amor de forma alguma. Apega-se aos tempos bons, dos quais pouco me lembro e não desiste. Mas a realidade hoje é horrível e só piora.

Ouço o pranto de minha mãe e os roncos de meu pai. Durmo chorando como quase em todas as noites.

Levanto-me cedo, pois tenho aula, e meu pai já saiu para o trabalho. Minha mãe também está de saída, mas me espera para me dar um beijo. Seu rosto está marcado pelo tapa que ele deu ontem, mas não faço comentários, apenas a abraço e desejo um bom dia.

Encontro Ed me esperando no portão, pois vamos juntos para a escola. Estudamos juntos desde pequenos, mas isso logo terminará já que estamos no último no do ensino médio. Para o próximo ano, quero cursar pedagogia, e o vestibular está próximo. Ele ainda não se decidiu, mas espero que não nos afastemos.

Sou apaixonada por ele desde pequena, muito antes de ele começar a namorar minha melhor amiga. Mas sufoquei o sentimento, pois via o amor entre eles, apesar de tão jovens, e gostava muito de ambos. Ela era como uma irmã para mim e perdê-la foi terrível. Em nossa despedida, ela permitiu que eu ficasse com Ed, caso ele se interessasse por mim, mas isso nunca vai acontecer, já me conformei. Ele não me vê como uma garota e não quer se envolver com mais ninguém também. Ainda ama Janaína e se apega a este sentimento.

Vejo os olhares das meninas enquanto passamos. Todos acham que eu e ele temos algo, mas isto não impede que se interessem por ele e tente conquista-lo. Ele é um moreno lindo, inteligente e misterioso, com seus silêncios e olhar longínquo. As garotas acham romântico que ele se mantenha fiel à namorada morta e querem ser aquela que o tirará do luto.

Eu, por meu lado, amo-o em silêncio, nunca deixei perceber meus sentimentos, com medo de afastá-lo. Não tive namorados até agora e nem saí com rapaz algum. Houve vários pedidos, mas nunca gostei de ninguém além do Ed, porém é um amor fadado ao fracasso.

- Oi, linda, tudo bem? Posso sentar-me ao seu lado?

- Claro, Rodrigo. Como vai? – ele é um garoto loiro muito bonito e divertido, que mudou-se para nossa escola recentemente e tem demonstrado interesse por mim.

- Estou preocupado com a prova de biologia de amanhã. Perdi muita matéria com esta mudança no meio do bimestre.

- Posso te ajudar, é uma de minhas matérias favoritas.

- Faria isso por mim? Nem sei como agradecer.

- Podemos nos encontrar na biblioteca às 14h. O que acha?

- Combinado. Estarei lá.

Ed me cutuca para perguntar o que estou falando e comento sobre minha tarde de estudo com o Rodrigo.

- Quer vir também?

- Não, já estudei e tenho um trabalho encomendado.

- É aquela foto do buquê?

- Sim, já esbocei e começarei a colorir.

- Passo na sua casa à noite para ver o andamento. Ficará incrível.

Estudo com Rodrigo e ele entende tudo com muita facilidade. É muito inteligente e esforçado, além de encantador. Insistiu em pagar um sorvete para mim e conversamos até o entardecer.

Envio uma mensagem para Ed avisando que está tarde para ir vê-lo e vou para minha casa rezando para que meu pai não passe no bar esta noite também.


Gostaram do nosso início? O que estão achando da Paty e do Ed?

Despertando para sonhar - Livro 4 da Série SonhosOnde histórias criam vida. Descubra agora