A viagem até Lisboa pareceu demorar muito mais do que três horas, tanto para mim como para a minha mãe. A caminho do hospital eu olhava para as pessoas que estavam na rua e pensava será que estas pessoas são felizes?
Quando lá cheguei tive de esperar, antes de ser vista pela médica, fui vista por uma enfermeira. Ela foi bastante cuidadosa com as palavras. Fez me algumas perguntas e deu-me um pacote de bolachas porque não comia há muitas horas, mas eu não consegui comê-las, não queria comer, só queria ir para a minha cama chorar até adormecer.
-Há quanto tempo de cortas Ileana?
-Há 7 anos.- não sei como, mas ela conseguiu fazer com que eu fala-se com ela.
-E cortaste só nos braços?
-Não, corto-me nas pernas também.
Depois de falar com ela tive de esperar mais uma vez para finalmente ser atendida pela médica. Entrei numa sala e sentei-me em frente de duas senhoras, presumi que uma era estagiária. Eu contei tudo o que tinha para contar.
-Sinto que tens um grande sofrimento dentro de ti.- eu não respondi, levantei a cabeça e olhei-a nos olhos.
Depois entrou a minha mãe para contar a sua versão. Ela chorava e parecia desesperada. Eu passei 7 anos da minha vida a fazer isto, como é que ela nunca se apercebeu? Eu chorava quase todas as noites antes de adormecer, vivia sem vontade de viver, levantava-me da cama porque tinha de seguir com a minha vida, porque se o mundo que pertence a todos não para também não podemos deixar o nosso parar. Mas por vezes tornasse difícil.
A médica acabou por receitar uns comprimidos para dormir. Também disse que eu tinha de ir a Lisboa mais vezes não porque ia ficar entregue a outra médica.
-A Ileana tem de vir a Lisboa mais vezes. Vai ficar entregue a uma colega minha que lhe vai orientar a medicação e ver como ela está.- disse para a minha mãe que tinha os olhos vermelhos de tanto chorar.
Voltamos a seguir viagem para a minha casa com o tio João, ele pediu que lhe chama-se assim. Mais uma vez as supostas três horas de viagem pareciam ser mais longas do que realmente eram.
Quando cheguei a casa a minha mãe perguntou-me como é que eu estava. Não precisei de responder, os meus olhos falavam por mim, estavam vermelhos, inchados e sem brilho nenhum. Eu já me tinha visto com aqueles olhos, fiquei com aqueles olhos da primeira vez que me cortei, andei com eles assim durante muito tempo.
A minha mãe deu me um abraço forte. Sentia falta daquele abraço.-Tens de ser forte.- disse ela. Na vida toda a agente é obrigada a ser forte. A superar tudo. Se choras és fraco. A maior parte da sociedade é assim que pensa, principalmente se fores homem. Eu mostrei-me forte perante as outras pessoas durante muito tempo, era no meu quarto, sozinha, em silêncio que eu mostrava a mim mesma a minha parte fraca. O sangue dos meus braços mostrava isso, mostrava fraqueza e sofrimento.
-Podes dormir comigo esta noite?- pedi.
-Claro que sim filha.
Eu não conseguia adormecer sozinha, eu precisava de uma mão que agarra-se a minha, precisava de sentir que não estava só, logo eu, que sempre gostei de estar no meu quarto sozinha.
Eu não conseguia entrar no meu quarto sozinha, nesta altura já tinha um quarto só meu porque o meu irmão saiu de casa para ir viver com a namorada. Eu adorava o meu quarto, a minha privacidade tinha voltado, mas quando cheguei a casa nem consegui entrar nele, não consegui entrar no meu canto preferido. Sempre que estava dentro do quarto, imaginava uma imagem minha com a lâmina na mão, imaginava que a minha imagem me ia fazer mal. Tinha medo, muito medo. Era como se eu fosse uma criança de três anos com medo do escuro. Tinha medo de mim mesma.
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Silêncio Profundo.
Ngẫu nhiênIleana é uma adolescente com 17 anos. A sua vida deu uma volta enorme a uma dada altura da sua vida, como consequência dos atos de outras pessoas, Ileana teve de aprender a viver com duas coisas, depressão e mutilação. Transformou-se num coração de...