Capitulo 16

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Por um momento, arrependi-me profundamente de ter pegado na minha mota para ir visitar o Rui.

Parecia que quanta mais distância eu quisesse daquela pessoa mais me aproximava.

Encarei-o com uma lágrima num dos meus olhos castanhos, mas não caiu. Para quê chorar por causa de alguém que não merece. Talvez aquela lágrima não quisesse cair pelo Rui, mas sim pelas palavras que demonstravam o significado que eu tinha para ele.

-Acreditas no que eu disse ao telefone?- perguntou com as lágrimas a escorrerem pela cara.

Por momentos, o meu mundo parou, o único barulho que ouvia era o do silêncio. Nem mesmo os meus pensamentos agitados faziam barulho suficiente para serem ouvidos.

Aquela lágrima que eu guardava, aquela que eu queria que caísse quando estivesse sozinha, longe do Rui, acabou por cair sem querer.

-Ileana?- o silêncio ao meu redor foi quebrado pela voz rouca de Rui.

-Não.- respondi deixando mais lágrimas escaparem como se tivessem vida própria.

Eu não podia acreditar no Rui, não o podia ter na minha vida novamente.

Levantei-me rapidamente, as pontas dos meus dedos de ambas as mãos tocavam suavemente na mesa.- desculpa- pedi antes de sair daquela sala sufocante praticamente a correr.

Recuperei o meu capacete, saí porta fora daquele local e dirigi-me a minha mota.

Algo me impedia de conduzir, era forte, uma dor profunda no peito que me fazia ter vontade de gritar para libertar os gritos dos meus pensamentos.

Afim de 5 minutos consegui voltar à normalidade.

Conduzi até a casa de alguém que sentia que era incapaz de me magoar.

Estacionei a mota em frente ao prédio, tirei o capacete e toquei a campainha do 5°esq.

-Quem é?- pergunta a sua voz do outro lado.

-Sou eu.- digo alto o suficiente para ser ouvida.

-Ah! Entra!-disse-me com uma voz surpreendida.

A porta do prédio abriu. Entrei dentro do prédio e chamei o elevador que indicava estar parado no 3° andar.

Afim de alguns segundos o elevador chegou. Abri a porta e carreguei no botão do 5° andar.

O meu olhar concentrou-se no espelho do elevador. Os meus olhos estavam vermelhos de tanto chorar. Por muito que tentasse não ia conseguir esconder esse facto de André, consigo disfarçar a tristeza, a dor, mas a cor vermelha nos meus olhos causada pelas lágrimas não. Infelizmente.

O elevador parou quando chegou ao andar pedido. Saí fazendo alguma força para conseguir abrir a porta.

Caminhei até a porta do apartamento do André, empurrei lentamente a porta da entrada que estava encostada e encarei André com um sorriso por me ver, mas o sorriso desapareceu assim que o olhei nos olhos. Os meus olhos não estavam propriamente no melhor estado.

Eu... eu não sentia nada pelo Rui, eu já não o amava. Mas eu revi tudo o que vivi com ele, e para ser sincera, revivi mais coisas más do que boas. Para mim não era novidade. Eu não conseguia esquecer tudo o que ele me tinha feito. Não era meia dúzia de palavras ditas por ele passados anos que iam mudar. O buraco no meu coração causado por ele não se tapou com as suas palavras, quem estava a conseguir tapar aquele buraco bem grande era a pessoa que estava naquele momento a minha frente e que me abraçou assim que viu os meus olhos.

Eu deixei de dar atenção a alguém que merecia para dar a alguém que a roubou. Literalmente.

Eu odiava o Rui. Dizem que o amor e o ódio são irmão gémeos.

São, mas não no sentido que as pessoas pensam.

São gémeos porque podemos amar muito alguém, mas quando essa pessoa nos magoa, as borboletas no nosso estômago, o entusiasmo que sentimos, a sensação de que estamos nas nuvens e que somos as pessoas mais feliz do mundo por termos aquela pessoa ao nosso lado simplesmente desaparece e transforma-se em algo frio, em dor, nojo, transforma-se em raiva, em ódio.

Agora tinha alguém colado ao meu corpo a dar-me conforte que do dia para a noite pode desaparecer. E vai desaparecer, mas... mas e até lá? Vou ficar sozinha? Embrulhada na minha capa que me faz ficar longe de todos os sentimentos para não me ferir novamente?

Eu já fui um ser humano sem sentimentos, quando os meus pais se separaram, quando me comecei a cortar, quando a minha mãe se juntou com o Paulo, porra, perdi os sentimentos todos. Todos. Tanto os bons como os maus. Tanto emocionalmente como fisicamente. Eu vivia no conforto, era realmente um conforte, podia aproximar-me de alguém, mas não me magoava.

Se era feliz? Não, não era. E via-se nos meus olhos castanhos cansados e sem brilho isso. Via-se tristeza, apesar de eu não a sentir, ela estava lá, ela esteve sempre comigo.

Mas então e a felicidade? Ela também lá estava, mas estava dentro das memórias profundas, aquelas que eu já nem remexia para não despertar a saudade. A felicidade cria-se assim como a tristeza e é muito mais fácil criá-la junto de alguém que gostamos.

Por vezes,  eu desejava voltar a ser aquela miúda que vivia sem sentimento, mas lembro-me de que não era feliz.

Então, o melhor caminho é aproximar-me das pessoas, correr o risco, elas um dia vão partir, e esse é o meu maior erro, mas se vão então se calhar é melhor passar o maior tempo possível com elas, quando partirem, vai-se abrir novamente uma buraco no meu coração, mas pelo menos não vou ficar cá a pensar que podia ter feito muito mais por aquela pessoa que já não está cá como aconteceu com o meu avô. Eu sinto tanta culpa sempre que penso na morte de o meu avô que quase que me destrói por dentro e tudo porque não aproveitei o tempo que podia com ele por medo de me apegar, eu gostava dele na mesma, e ele foi-se deixando a saudade para eu transportar. Mas por ele eu transporto.

Saí do meu conforto, onde não sofria por não ter sentimentos, para entrar no desconforto, viver perto daqueles que mais gosto mesmo sabendo que um dia vão partir sem mim, vão me deixar com mais saudade para transportar.

Consegui chegar a esta conclusão numa consulta com Mônica. Claro, sozinha não chegava lá.

"O segredo da felicidade é viver no conforto dentro do desconforto."

-Ileana?- chamou André fazendo a minha atenção virar-se para ele e sair dos meus pensamentos.

-Sim?- digo sentindo ainda os seus braço a minha volta, fazendo-me sentir a pessoa mais segura do mundo, mais protegida e mais amada.

-O quê que se passou?- perguntou.

Quebrei o abraço depois da sua pergunta. Estava na hora de contar.

Segurei na mão dele. Levou-me até a sala e sugeriu que me senta-se.

Sentei-me ao seu lado e olhei-o nos olhos começando a contar tudo. Até o meu passado com Rui, não fazia sentido contar tudo sem contar essa parte. Dei-lhe as peças do puzzle para as mãos, coube a ele juntar as peças.

-Eu mato esse Rui!- disse com raiva na voz.

-André, já está tudo bem.- disse-lhe tentando parecer calma

-Tudo bem? Ileana ele conseguiu fazer com que fizesses tudo isso para que eu pudesse continuar a viver!- disse com o mesmo tom de voz, ele não gritava, mas mostrava muita raiva.

-André....- encostei-me no sofá exausta- por favor, já chega. Ele está preso, está a pagar pelo que fez. - disse sem o encarar. Fixei um ponto a minha frente.

-desculpa- pediu-me com uma voz calma e rouca.

Ele abraçou me fortemente e eu retribui.

Conversamos até nos esquecermos do assunto que me levou até aquele apartamento e acabamos por adormecer os dois abraçados e deitados no sofá da sala.

Silêncio Profundo.Onde histórias criam vida. Descubra agora