Capitulo 20

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Fui a conduzir até a casa do rapaz ,cujo o nome ainda não sabia, como se tivesse a conduzir pela primeira vez, enquanto ele me dava as instruções para lá chegar. Com o máximo de cuidado possível. Ainda me doía imenso o pé direito.

Chegamos ao lado de uma casa branca e ele pediu-me que estacionasse.

-É aqui.- disse a apontar para a casa branca ao sair da mota.

Entramos dentro da casa. Era uma casa pequena, mas arrumada e acolhedora.

-Moras sozinho?-perguntei.

Bem, supostamente não devia de estar na casa de um estranho, até porque ainda nem sabia qual era o seu nome ou a sua idade.

-Moro. Morava em Lagos, mas assim que fiz os 20 anos vim para aqui morar.- disse pousando as chaves de casa em cima de um móvel.

-20?- perguntei um pouco espantada. Não tinha cara de 20 anos.

-Sim, quem diria não é?- perguntou com um sorriso.

-podes querer.

Mais uma vez deu um sorriso.

-senta-te.- disse apontando para o sofá- vou buscar as coisas para tratar de ti.

Assenti com a cabeça e sentei-me a espera.

Ele não demorou. Passados alguns segundos já estava ao pé de mim.

Tirou algodão e betadine de dentro de uma caixa vermelha.

-AU- disse sem pensar assim que o rapaz de olhos verdes passou o algodão na ferida da testa.

-Desculpa. Tem de ser...- disse voltando a passar o algodão pela ferida.

-Já me podes dizer o teu nome?-perguntei.

-ho é verdade.- disse rindo- com isto tudo nem nos apresentamos. Ricardo, o meu nome é Ricardo. E tu és?...

-Ileana.- respondi.

-Ileana? Não é um nome muito comum. És de cá?- perguntou.

-Sim, sou.

-Que idade tens?- perguntou.

-18.- respondi.

-Ao contrário de mim, tens cara da idade que tens.- disse sorrindo mais uma vez. Logo de seguida colocou um penso na minha testa.

-Não é preciso penso.- respondi.

-Claro que é. Nem te atrevas a tirá-lo.- disse pegando noutro bocado de algodão e no betadine.

Ricardo passou o algodão com betadine no meu queixo que ainda fazia questão de parecer uma fonte de sangue e logo de seguida pousou-o para tirar a blusa deixando uma t-shirt branca por baixo. O seu braço direito estava coberto de tatuagens, do pulso até ao ombro.

-Posso ver?- perguntei apontando para o braço.

-claro- respondeu ao esticar o braço para que eu pudesse observá-lo melhor.

Cada tatuagem parecia ter um significado muito especial e muito bem pensado. Eram tatuagens lindas, mas incomuns. A curiosidade estava a matar-me, eu queria mesmo saber o significado de cada uma delas.

A minha atenção ficou tão fixa nas tatuagens que nem me apercebi que estava a deslizar a minha mão no braço de um estranho enquanto observava cada uma delas. Quando os meus dedos tocaram no pulso do Ricardo, onde estava um símbolo tatuado, Ricardo tirou rapidamente o braço das minha mãos.

-Desculpa!- pedi preocupada.

-Não faz mal.- desta vez o sorriso foi esforçado.

Ricardo voltou a passar o algodão na ferida. Depois de colocar o penso olhou-me nos olhos durante alguns segundos. A sua boca começou a aproximar-se da minha, senti o desejo dos lábios dele pelos meus.

Desviei-me rapidamente antes que os seus lábios conseguissem tocar nos meus.

-Tenho namorado.- avisei olhando para o chão.

-Desculpa.. eu não sabia..- disse corando.- a sério, desculpa, se tivesse aqui um buraco já me tinha enfiado nele. Não foi por mal, é que tu...

-Eu...?

-Tu fazes-me lembrar uma pessoa... ainda não a consegui esquecer e por momentos.. desculpa..

-Tudo bem. Se quiseres desabafar... sei que sou só uma estranha, mas as vezes é melhor desabafarmos com alguém que não conhecemos.

-Saí de onde morava para vir para aqui para ter o apoio dos meus amigos. A pessoa com quem eu estava... ela..- fez uma pausa- ela morreu. Entrei em depressão esse ano por pensar que a culpa foi minha. E a verdade é que foi.. ela caiu das escadas no meia de uma discussão comigo. Naquele momento eu só desejava que fosse tudo um pesadelo. Mas não, não era, era tudo real. Nunca sofri tanto em toda a minha vida. O meu coração quase que parou quando o 112 chegou mais a polícia. Fui levado para interrogatório, mas várias pessoas assistiram e o casa foi encerrado porque todas elas disseram que não tinha sido culpa minha. Tu fazes-me lembrar tanto ela... a teimosia.... a força de cair e conseguir levantar logo a seguir, olha para ti, acabaste de ter uma acidente de mota, estás coberta de sangue e nem quiseste ir ao médico. Os olhos castanhos brilhantes, os lábios, a forma de vestir...

-Eu sei o quanto custa perder alguém...- não consegui acabar a frase pois fui interrompida.

-Não, deixa la... Eu não quero falar mais sobre isto... desculpa, não leves a mal.

-Tudo bem. Eu compreendo.-respondi sincera.

Ricardo fez questão de tratar de todas as minhas feridas, enquanto isso conversamos sobre várias coisas.

-Bem, está a ficar tarde, é melhor ir andando.- disse levantando-me do sofá.

-Está bem. Mas primeiro vou dar-te o meu número, podes precisar. Se te acontecer alguma coisa liga-me logo!

Desta vez fez-me rir.

-calma, lá por ter tido um acidente hoje não quer dizer que vá ter um quando sair daqui ou nos próximos dias.- disse com um sorriso.

Alguém que tinha acabado de conhecer estava-se a preocupar mais do que alguém que me conhecia bem.

Ele apontou o seu número num papel pequeno e deu-mo.

-Não te esqueças, qualquer coisa já sabes.- reforçou.

Eu sorri.

-Sim... já sei. Adeus.- disse-lhe ao abrir a porta para sair.-Ricardo?

-Sim?

-obrigada.- disse sorrindo.

-De nada- disse retribuindo o sorriso.- vai com cuidado.

Assenti com a cabeça e fui até a mota. O próximo problema era contar a minha mãe o que tinha acontecido.

Olhei ao telemóvel quando a porta de casa de Ricardo se fechou. Nem uma mensagem de André, com esta confusão toda acabei por abes trair-me do assunto.

***

Cheguei a casa e contei a minha mãe que tinha caído de mota. Claro que não cheguei a dizer que fiquei por baixo de uma camião. Acabei por dizer que me espetei numa pequena rotunda e que uma amiga minha tinha-me ajudado.

A reação acabou por não ser tão má como eu estava a espera.

Já era de noite e já tinha jantado.

Tomei um banho, vesti o pijama e deitei-me. Já estava quase a adormecer até que recebi uma mensagem de André.

-precisamos de falar.... amanhã podes vir cá? Ou eu vou aí?

-posso ir.-respondi.

Senti um aperto no coração.
Porque nunca estamos livres de perdermos alguém e eu estava cheia de medo da perda que ainda não tinha chegado.

Ao pensarmos na hipótese de perder alguém, rapidamente vêm-nos a memória a saudade. Começamos a pensar na saudade que vamos sentir pela pessoa em questão. Por vezes, até sofremos por antecipação e começamos a sentir saudades mesmo antes da pessoa ir embora. A saudade é algo horrível, a saudade é não saber. Não saber o que fazer com os dias que ficaram tão compridos ou como vencer a dor de um silêncio que nada preenche.

Silêncio Profundo.Onde histórias criam vida. Descubra agora