Capitulo 3

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Matheus:

Sete anos antes

O anuncio cobria oito andares da parede de tijolos do edifício de esquia, em frente ao meu novo escritório.

— Pàra de laurear a pevide e vê se trabalhas — uma Rafaella de tamanho real entrou no meu gabinete, largou a caixa da guitarra no sofá e veio ter comigo à janela.

— Mal posso acreditar no tamanho daquilo, tu falaste-me num outdoor, mas aquilo ocupa o edifício inteiro. A falha minúscula no meu dente da frente tem quase um metro e meio ali.

— Adoro essa falha.

— Eu odeio-a. O realizador daquela segunda audição de ontem disse-me que tinha de a corrigir e perder cinco quilos.

— Não tens que corrigir porra nenhuma. O tipo é um imbecil com falta de gosto.

Ela suspirou.

— Não consegui o papel — diz desapontada.

— Estas a ver é o que digo, tem falta de gosto.

— Estas a ser simpático por eu andar enrolada contigo.

— Não — puxei-a contra mim — Aturei um espectáculo inteiro de opera na semana passada por tu andares enrolada comigo, mas sei que tocas bem porque estive em todos os concertos em que participaste quando andávamos na faculdade.

— Lembraste daquele espectáculo em que participei na cafetaria de village era no coliseu.

— Foste brilhante.

A Rafaella olhou-me com um olhar interrogativo.

— Qual era o meu papel?

— O papel da miúda sexy.

— Eu era a mãe que estava a morrer de tuberculose e tu estiveste o tempo todo a fazer palavras cruzadas.

Ah, essa peça.

— Sou capaz de ter perdido parte dessa peça, mas tenho uma boa desculpa, pois tinha acabado de encontrar umas palavras cruzadas obscenas. Vá-la uma palavra de oito letra para algo que entra seco e duro e sai húmido e mole. Eu contei as letras de piroca, pichota, pirilau, meia dúzia de vezes ate perceber que a resposta era pastilha.

— És um pervertido.

Beijo-a castamente.

— Onde vamos jantar?

— Gostava de ir ao tailandês, onde fomos o mês passado.

— Parece-me bem.

Lá fora, virei à esquerda, para a estação do metro mais próxima, mas a Rafaella virou à direita.

— Podemos apanhar o 3 na Broadway em vez do metro? —perguntou ela  —Queria passar por little East.

— Claro.

A rafaella começara a fazer voluntariado em bancos alimentares e abrigos quando andávamos a universidade. Eu adorava o seu empenho em ajudar as pessoas, mas aquele local era frequentado por gente problemática.

O inútil do pai sairá de casa quando rafaella tinha entre 5 e 6 anos, deixando a mãe sozinha com ela e mais dois filhos. A mulher mal cobria as despesas com dois empregos, e, quando ficou apenas com um, foi obrigada a escolher entre comida e a renda. Optou pela renda, por isso foram utentes de bancos alimentares, ate a situação melhorar.

Quando chegamos ao abrigo, um dos visitantes mais frequentes estava sentado à porta.

— Olá Eduardo —Disse Rafaella.

Eu já tinha visto este tipo antes. Não deveria ter mais de 40 anos, mas a ida as ruas o envelhecera. Falava pouco, e muito devagar, mas era um tipo inofensivo. A Rafaella tinha uma ligação especial com ele.

— O que aconteceu à tua cabeça? —perguntei-lhe. Tinha um grande corte na testa.

— Como aconteceu isso, Eduardo? —Perguntou a Rafaella.

— Miúdos.

Ultimamente os jornais só falavam de maus tratos a sem-abrigos por parte de os mais jovens.

— Abriu um novo abrigo na rua atrás —disse eu —Passei la a frente o outro dia. Talvez não esteja tão cheio.

— Pois —nunca me respondia com mais de uma palavra.

— Acho que devias de ir à policia —disse Rafaella.

Apesar do tempo que passava nestes sitio, não consegui entender que os sem-abrigo não iam à policia. O Eduardo abanou a cabeça e encostou as pernas ao peito.

— Parece grave. Devias ter levado pontos.

O Eduardo abanou novamente a cabeça.

Consegui convence-la a deixar o pobre homem em paz. Quando entramos, o Nelson, o supervisor do abrigo, estava a levantar as mesas do jantar.

A Rafaella começou imediatamente a interroga-lo.

— Sabes o que aconteceu à cabeça do Eduardo?

Ele parou de limpar a mesa.

— Não. Eu perguntei e ele respondeu com o seu silencio habitual. Só tu consegues fazê-lo dizer mais do que por favor e obrigado.

— Sabes onde é que ele dorme?

Ele abanou a cabeça.

— Não faço ideia.

— Ok.

— Eu sei que não é fácil, mas nós não podemos ajudar os que não aceitam a nossa ajuda. Ele sabe que é sempre bem vindo.

— Eu sei —disse ela, apontando para o armazém das traseiras — Esqueci-me da lista do inventario.

Enquanto a Rafaella se ausentou, observei o abrigo.

O Eduardo já não estava sentado lá fora, embora não fosse difícil localiza-lo. Ia a meio do quarteirão e caminhava descontraidamente. Coxeava um pouco e levava um saco do lixo no ombro.

— Vamos segui-lo e ver para onde ele vai.

— Nunca.

— Porque não?

— Porque é perigoso...e é uma invasão de privacidade.

— Mas se soubesse-mos...

Cortei o que ela ia dizer.

— Não.

— Por favor.

Ponderei o facto de que se eu não fosse ela iria sem mim, e eu nunca iria permitir que ela o fizesse.

— Está bem.

Eu já sabia que ela não iria desistir tão cedo.

O BossOnde histórias criam vida. Descubra agora