Capitulo 23

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Carolina:
Acordei com o Matheus a sufocar. Estava com uma respiração áspera e ruidosa, como quando alguém leva um murro no estômago. Desta vez não hesitei em acordá-lo.

— Matheus... acorda — disse eu, sacudindo-o energicamente.

Ele abriu bruscamente os olhos e fitou-me, mas eu percebi que não me estava a ver, realmente.

— Estavas a ter outro pesadelo.
Ele piscou os olhos várias vezes e a sua visão pareceu clarear.

— Estás bem? — perguntou-me.

— Eu estou bem, mas tu... parecias não estar a conseguir respirar. Fiquei sem perceber se era um pesadelo ou se estavas realmente
com algum problema respiratório.

O Matheus sentou-se. Estava com o rosto alagado em suor e limpou a testa com as costas da mão.

— Desculpa ter-te acordado.

Tal como no dia anterior, saiu da cama e passou dez minutos na casa de banho, com a água a correr. Quando voltou, sentou-se de novo à beira da cama. Voltei a agarrar-me a ele por trás — só que desta vez tinha uma t-shirt vestida.

— Estás bem? — perguntei-lhe.

Ele acenou com a cabeça.

— Posso fazer alguma coisa?

— Podes despir a t-shirt. As tuas mamas encostadas às minhas costas são uma grande ajuda contra os pesadelos.

— Hum... já estás acordado. Já não vai evitar o pesadelo desta manhã.

—Talvez não, mas há sempre um amanhã.

Eu sorri, inclinei-me para trás e despi a t-shirt pela cabeça. Depois, encostei a minha pele nua à dele e perguntei:

—Melhor assim?

—Muito melhor.

Ficámos assim durante uns bons dez minutos, sincronizando a respiração no quarto silencioso e escuro.

— O pai da Rafaella saiu de casa quando ela era pequena. Ela, a mãe e as duas irmãs passaram a comer todas as refeições num abrigo. Quando a Rafaella cresceu, quis retribuir e ofereceu-se como
voluntária em algumas cozinhas solidárias. Ficou amiga de um tipo chamado Eduardo. Ele não gostava que as pessoas se aproximassem demasiado dele e por isso recusava-se a dormir nos abrigos. O Eduardo estava a ser importunado por um grupo de adolescentes. Apareciam à noite, num acampamento de indigentes, onde dormia muita gente que não tinha para onde ir, e armavam confusão. Para eles, era como um jogo. Volta e meia, aparecia com um ferimento na cabeça ou com nódoas negras.

— Isso é horrível.

— Pois é. A Rafaella foi à polícia, mas eles não fizeram grande coisa. O Eduardo falava muito pouco, e a Rafaella não conseguiu ultrapassar aquilo. Começou a segui-lo à noite, para ver onde ele ficava,
pensando que se desse pormenores mais específicos à polícia, talvez eles investigassem a questão mais a fundo. Eu disse-lhe que era perigoso, mas ela não me deu ouvidos. No dia da nossa festa de noivado, o Eduardo apareceu no abrigo com o nariz partido e os dois olhos negros. Entretanto, a Rafaella descobrira onde ele costumava ficar e foi lá para tentar obter mais informação dos outros sem-abrigo, visto que o Eduardo não falava muito. Deveria ter esperado por mim na estação de metro.

- Quando a encontrei, minutos depois, já o Eduardo estava sentado numa poça de sangue, a baloiçar-se para trás e para a frente, com ela aninhada nos braços. Um ferimento de faca. Deve ter-se intrometido enquanto eles batiam nos sem-abrigo.

Eu senti garganta quente e os olhos a arder das lágrimas.

-Oh, meu Deus.

Era demasiado tarde Morreu antes de a meterem na ambulância — Respirou fundo. As lágrimas escorriam-me pelo rosto. O Matheus deve ter sentido as costas húmidas.

—Estás a chorar?

Eu estava com a garganta entupida. Era-me difícil falar.

— Lamento muito que isso te tenha acontecido, Matheus.

— Eu não te contei isto para ficares perturbada. Queria que soubesses, para que não haja segredos entre nós. Irrita-me que os pesadelos estejam a voltar, mas está é a primeira vez sinto algo mais que desejo fisico por alguém, desde que conheci a Rafaella, e não quero deitar tudo a perder antes de poder sequer começar alguma coisa.

— Tu não estás a estragar nada, antes pelo contrário.

O Matheus virou-se e puxou-me para o seu colo. Prendeu-me um madeixa de cabelo atrás da orelha e disse:

— Eu não sou um herói como o teu irmão.

Eu franzi o sobrolho.

—De que estás tu a falar?

Ele abanou a cabeça.

— Eu não protegi a Rafaella .

— Protegeres a Rafaella ? O que aconteceu não foi culpa tua. Como poderia ser?

— Eu devia estar lá com ela.

— Matheus, isso é uma loucura. Não podes estar 24 horas com uma pessoa, para a protegeres. Não puseste propriamente a faca na mão do assassino. As pessoas têm de se responsabilizar pela própria proteção. É por isso que sou como sou. As minhas experiências tornaram-me mais consciente disso.

O Matheus olhou-me nos olhos, como quem procura sinceridade neles. Quando a encontrou, como não podia deixar de ser, porque eu estava a falar-lhe do fundo do coração, acenou com a cabeça e beijou-me delicadamente os lábios.

Depois suspirou e eu senti o seu corpo a relaxar. Olhou para o despertador sobre a mesa de cabeceira e disse:

— Ainda não são sequer 5 horas da manhã. Porque não tentamos dormir um pouco?

Eu não sabia se estaria a ser inoportuna ou não, mas queria fazê- lo sentir-se melhor, fazê-lo esquecer a tristeza do passado. Nenhum de nós podia modificar o que acontecera nas nossas vidas, mas podía- mos deixar as coisas onde estavam, seguir em frente e continuar a viver.

Pestanejei um pouco e disse, de olhos baixos:

—Não tenho sono.

— Não?

Abanei lentamente a cabeça.

O seu timbre de voz baixou.

— Qual era a tua ideia?

— Talvez um pouco disto. — Baixei a cabeça e beijei-lhe um peitoral. Depois comecei a subir, ora lambendo, ora sugando-lhe delicadamente a pele, até ao queixo.

O Matheus virou a cabeça, para me cobrir a boca com a sua e beijou-me profundamente. O beijo pareceu-me diferente dos outros que partilhamos. Durante a hora seguinte, partilhámos muito mais do que os nossos corpos, um com o outro. O sol começara a nascer, um matiz dourado pelo quarto, enquanto o Matheus penetrava-me lentamente. Foi um momento de rara beleza e ternura, que me tocou num ponto onde jamais imaginara que outro ser humano me se tocar a minha alma.

O BossOnde histórias criam vida. Descubra agora