Nora

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Precisávamos ser rápidas, o som dos infectados lá fora crescia a cada segundo, fazendo nossos corações palpitar em ritmo acelerado. Precisávamos de um plano.

Lana se mexia de um lado para o outro, tentando pensar em algo que salvasse nossas vidas. Seu cabelo cor de fogo agora tinha um tom acobreado, coberto de terra e sangue, assim como suas roupas, que balançavam enquanto ela caminhava em círculos pela sala, como sempre fazia quando precisava pensar sobre pressão, o que, por sorte, era sua especialidade.

- Nora, depressa.  - Ela se virou para mim em uma fração de segundo. - Olhe a segunda gaveta do criado mudo e veja se o mapa da cidade do meu pai ainda está lá. - Soltei um sorriso de canto. 

Ela havia pensado em algo.

Segui suas instruções o mais rápido que pude: abri a gaveta, tirei tudo o que encontrei e joguei sobre a mesa de centro da sala, segundos depois avistei um mapa amarelado cheirando à papel velho.

- Encontrei! - Ergui o mapa com minhas mãos. Ela o pegou e abri-o sobre a mesa.

- Veja, estamos aqui. - Ela apontou para um quarteirão de casas desenhado no mapa, e  eu me perguntei como ela poderia saber disso tão rapidamente. - Precisamos atravessar o rio e tentar encontrar a base militar que construíram antes da infecção. - Seu dedo deslizou sobre as imagens até um retângulo cinza que ficava no meio da floresta. - Podem ter armas e comida lá.

Nesse instante minha mente fez um estalo e conectou as coisas. Aquela era uma base construída messes antes da infecção, mas foi abandonada, ou pelo menos achamos que foi, pois sempre que meu pai tentava fazer contato pelo rádio ninguém respondia.

- É um plano ariscado, não sabemos o que vamos encontrar. - Expressei. - Podemos estar indo para um covil de infectados, podemos estar indo para a morte.

- Eu sei, mas é nossa melhor chance, não podemos permanecer na cidade por mais tempo, estamos sem recursos e comida, se quisermos chegar até a praia precisamos nos equipar.

- Então o plano é chegarmos a praia? - Esbocei um sorriso. 

Ela assentiu.

- Nós precisamos chegar até a ilha e encontrar os sobreviventes, não há nada nas cidades ou no campo, tudo foi tomado. Precisamos de um lugar seguro.

Concordei com a cabeça, isso significava que eu veria minha família outra vez.

- Vamos sair pelos fundos. - Ela continuou. - Temos que pular o muro e entrar na casa da Dona Maria. Assim que fizermos isso pulamos o portão da casa dela e saímos na rua de trás, vamos torcer para que nenhum infectado esteja por lá.

Assim que terminou de falar, Lana abaixou os olhos e suspirou. Dona Maria era a vizinha dos fundos, mas a dias não tínhamos notícias dela. Ainda sentimos falta do seu bolo de fubá de quinta à tarde, especialmente Lana.

- Certo. - Tentei retomar o foco. -  Então vamos pegar o máximo de coisas que pudermos e...

Antes que eu pudesse terminar a frase ouvimos um barulho alto vindo de fora. O portão tinha caído.

- Vamos! - Lana gritou enquanto jogava o mapa dentro de sua bolsa e corria para os fundos.

Segui seus passos e adentramos no quintal, fechando a porta logo em seguida, mas assim que nos viramos percebemos um enorme problema.

- Lana, quantos metros tem esse muro? - Perguntei, encarando o muro nos fundos da casa, que barrava nossa liberdade.

Ela se virou e meus olhos encontraram o seus, que estavam imersos em um desespero maciço.

- Dois.

- E quando você pensou em mencionar isso? - Minha voz soou irritada.

- Eu pensei que a escada do meu pai estivesse aqui. - Ela vasculhava o quintal desesperadamente, mas era inútil, não havia escada alguma. - Droga, o que faremos?

Encarei o rosto sardento de Lana sem conseguir elaborar uma resposta. Foi quando ouvimos o som de batidas vindas de trás da porta.

- Eles vão arrombar! - Gritei, sabendo que não tínhamos muito tempo, aquela porta era velha e enferrujada, qualquer criança de oito anos conseguiria quebrar aquele trinco com um chute.

Nesse instante todos os músculos no meu corpo se contraíram e uma ideia surgiu na minha mente. Era simples, mas talvez funcionasse.

- Lana. - Me virei para ela. - Acho que tenho uma ideia.

- Sou todo ouvidos.

- Tome uma distância e corra na minha direção, vou ficar atrás do muro e juntar minhas mãos, assim que você se aproximar pise nelas.  No momento certo eu dou um impulso e te jogo pra cima.

Lana ficou em silêncio por um instante, parecendo relutar um pouco com a ideia. No fim, suspirou e disse:

- É arriscado, mas pode dar certo. - Ela encarou o muro. - Temos que fazer direito e você não pode errar o tempo do impulso.

Eu entendi o que ela queria dizer.

- Só temos uma chance. - Dissemos em uníssono.

- Mas e você? - Ela perguntou, encarando meu rosto.

- Quando estiver do outro lado jogue a mangueira que a Maria usava pra molhar as plantas dela. - Pude ver seu rosto desaprovar a ideia. - Eu consigo subir se puder agarrar em algo.

- Mas não sei se a mangueira está lá. - Ela retrucou. - E muito menos se vou conseguir segura-la para que você possa subir, não sou forte.

- Você é forte Lana, e mesmo que não consiga segurar a mangueira pode amarra-la em algum lugar. - Olhei para ela com ar de súplica. - Sei que é arriscado, mas é nossa única opção.

Por fim ela concordou, me fazendo soutar o ar que eu nem mesmo sabia que estava segurando.

- Somos um time não é? - Ela sorriu e se preparou para correr.

- O melhor de todos. - Respondi.

Assim que pronunciei as palavras ela correu em minha direção com velocidade, pude sentir quando seu pé direito pisou forte sobre minhas mãos, e nesse momento usei toda a força que tinha nos braços e pernas para impulsiona-la até o alto. O esforço foi tamanho que não pude conter o grito abafado que surgiu na minha garganta.

Surpreendentemente, nossa ideia totalmente criada a partir do desespero, deu certo, pude ver quando os cotovelos de Lana alcançaram o topo daquela muralha de concreto.

Se alguém algum dia me perguntar como fizemos isso, não vou conseguir responder com clareza, foi provavelmente a coisa mais instintiva que já realizei, pelo menos até agora.

- Lana, tudo bem por ai? - Levantei meu rosto para que pudesse enxergá-la sobre o muro. - Consegue descer até o outro lado?

Ela não respondeu, mas seu olhar me trouxe a resposta.

Estávamos com problemas.




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