25°|Homem-urso de Cold Wheather

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   Krisa era uma devoradora de livros.

   Os braços finos carregavam não apenas o segundo volume da série que estava lendo, mas carregavam mais dez. E ela ainda não se contentara, já que ainda olhava para as prateleiras recheadas com centenas deles. Eu a seguia, tendo minha atenção chamada vez ou outra por alguma capa bonita, mas não o suficiente para que me causasse o desejo de ler. Por fim, me sentei em uma das cadeiras enquanto esperava paciente por Krisa, sem pressa alguma de voltar para casa, mas ansiando para ver mais da cidade.

   Ah, a cidade! Encantadora, com certeza. As casas eram coladas umas nas outras, de madeira pintada de cores alegres que se destacavam em todos os tons frios do inverno, os telhados eram cobertos por uma pelagem que me lembrava um carpete fofinho - Krisa me explicou que serviam para manter a temperatura da casa. As únicas coisas que diferenciava as casas das lojas comerciais eram as placas e sinalizadores. Diferente de Red Tigger Village, haviam poucos seres estranhos circulando pelas ruas, a maioria era como eu e Krisa, e talvez isso ocorra por não ser um comércio muito grande.  Todos vestiam agasalhos como os que vovó Siara e Cassie fabricavam, com um tecido opaco e macio parecido com lã. A biblioteca era aquecida por dentro e, assim como o resto da cidade, era confortante, acolhedor e talvez um dia eu poderia até chamar aquele lugar de lar. Um dia.

   Krisa andou até mim tentando se equilibrar com aqueles livros. O sorriso que estampava no rosto era radiante e seus olhos brilhavam alegres. Era engraçado o quanto era diferente dos irmãos, ao passo que os irmãos brincavam na lama, Krisa estava viajando para outros lugares e mundos sem nem sair da cadeira. A mente afiada e o conhecimento vasto foi apenas consequência. Peguei metade dos livros que ela carregava e o peso quase me jogou ao chão, Krisa arquejou baixinho de alívio. Andamos pelo corredor extenso da livraria e eu podia sentir a força que Krisa estava fazendo para não comprar mais livros e acabar endividando os pais até o teto. Ela foi despejando um a um no balcão conforme a mulher baixinha ia anotando o preço, depois ela fez o mesmo com os que estavam em meus braços. Por fim, Krisa remexeu o bolso do vestido e tirou de lá moedas brancas com o símbolo do reino moldado com ouro. Várias moedas foram espalhadas no mármore branco, mas ela acabou tendo que devolver alguns dos livros por ter ultrapassado o valor que possuía.

   O vento frio nos atingiu assim que abrimos a porta. Me encolhi sentindo o corpo eriçar, abracei os livros mais forte contra o peito. Uma mulher esbarrou em mim assim que dei meu primeiro passo. Seus olhos encontraram os meus e eu vi todo o sangue esvair de seu rosto,  deixando-a cadavérica, os olhos azuis como o céu se arregalaram para mim. Krisa também percebeu e tocou o braço da mulher com delicadeza, mas a mulher se esquivou em choque, recuando alguns passos antes de sair correndo. Olhei confusa para Krisa, que deu de ombros.

   _ Deve ter se lembrado que esqueceu a filha em algum lugar - brincou, mas não havia humor em sua voz, apenas uma ligeira preocupação que sumiu assim que percebeu que observava seus gestos, mas não fora rápida o suficiente para me fazer acreditar - Vamos voltar para casa.

   Pisquei aturdida: - Mas já? - disparei, seguindo Krisa que andavam a passos largos pelo caminho de onde viemos, os olhos correndo para todos os lados, casas, rostos.

   Então notei. Aquela mulher não estava sendo a única agindo estranho, pois algumas pessoas que passavam por nós possuíam reações parecidas. Até mesmo os pássaros diminuíram o canto, a cidade em um silêncio esmagador, quase absoluto. Cessei meus passos, olhando em volta com o coração apertado. Eles descobriram, pensava comigo, descobriram que sou a princesa muito perdida e agora todo o plano foi em vão. Nunca chegarei no castelo e se chegar, me odiarão por eu ter me escondido no meio deles como uma deles, quando na verdade eu não passava de uma estrangeira vinda de terras estranhas.

O Coração Gelado de CinderelaOnde histórias criam vida. Descubra agora