27°|O Jantar traz uma Surpresa

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   Eyra foi quem me acompanhou até a sala de jantar. Pelas janelas era possível ver as tochas das casa começando a acenderem, os fios de lava ainda mais brilhantes, iluminando as sombras de qualquer tipo de monstro que vivia lá embaixo. Quer tenham garras, quer não.

   Eyra me parou antes que abrissemos a porta. A cabeça se curvou e os olhos verdes encaram meus pés.

   _ Algo errado, Eyra? - perguntei confusa pela parada repentina, mas por dentro estava aliviada por ter ganhado mais alguns minutos antes de passar por aquela porta e encarar a origem dos meus pesadelos.

   _ Foi um erro ter te dito meu nome - lamentou, o desespero estava nas entrelinhas - Por favor, não conte para Brand...

   _ Eu não vou. - lhe assegurei. Eyra sorriu aliviada e empurrou a madeira, revelando o interior do salão.

   O cômodo estava bem iluminado. Havia uma mesa enorme no centro, recheada de comida e, diferente da casa de Peter, todas eram comidas californianas. Meu estômago borbulhou de fome quando o aroma chegou em minhas narinas. Brand estava sentada na ponta, os cabelos vermelhos caindo em suas costas e pareciam faíscar, emanando poder. Ela ficou em pé assim que me viu, o vestido preto modelava seu corpo como uma segunda pele. Brand era uma mulher incrivelmente linda e sabia como usar isso ao seu favor.

   _ Devo dizer que estou impressionada - comentou - Parece até uma nobre Deesh de verdade.

   Olhei para minha roupas. O vestido cor de marfim ressaltando as curvas do meu corpo, indo até os meus pés enfeitados com o salto prata, meus seios quase escapulindo do decote sem vergonha e meus cabelos presos no alto da cabeça como uma coroa. Era uma roupa extremamente desconfortável e promíscua.

   _ Eu sou uma nobre Deesh. - retruco erguendo o queixo, mesmo que ele estivesse roxo pela queda mais cedo. Brand riu, novamente a ganância brilhou em seus olhos assustadoramente vermelhos.

   _ Na verdade, você é muito mais. - comenta voltando a se sentar - Mas isso é assunto para outra hora. Sente-se.

   Não o fiz. Mesmo quando meu estômago resmungou, eu permaneci imóvel. Brand indicou a cadeira ao seu lado esquerdo com ênfase , os olhos afiados me encararam.

   _ Não vou me sentar, vai saber que veneno você colocou aí.

   _ Eu não envenenou meus convidados, Elleanor - alegou. O rosto ficou sombrio e o cabelo ondulou em chamas discretas - Existem jeitos muito piores de matar do que veneno, jeitos mais prazerosos. Se eu te considero uma convidada, não conteste, mas suplique com todas as suas forças para que continue assim.

   Então as chamas sumiram e o rosto se normalizou, como se nada estivesse acontecido. Mas a sua ameaça estava ali e agora percorria todos os meus sentidos, gritando no meu íntimo para eu ser uma boa garota. Ou então... Engoli em seco e caminhei lentamente em direção à cadeira indicada. Continuei com o queixo erguido, numa tentativa falha de mostrar confiança e coragem. A cadeira rangeu quando me sentei e eu me sobrassaltei assustada, atraindo os olhos curiosos de Brand. Era como se ela pudesse farejar o meu medo à quilômetros.

   _ Se sou sua convidada, porque estou trancafiada aqui?

   _ Você não está. - respondeu simplesmente. Seus dedos agarraram a taça na sua frente e a levou até os lábios. O líquido vermelho como sangue - As portas estão abertas e os guardas estão proibidos de tocarem em você. Mas, para o seu bem, ficar aqui é a melhor opção. - ergui a sobrancelha com desdém, Brand franziu as dela pra mim - Aqui não é igual Cold Wheather ou Red Tigger, ursos e ogros não são nada comparado as aberrações lá em baixo. O único jeito de sair ou entrar aqui, é pela Mors Forest. Nem eu me atrevo a pisar naquelas terras, mas se quer se arriscar, vá em frente.

   Mors Forest. Era a mancha negra no mapa de Nanda. O lugar do qual Peter me fez prometer não pisar. No entanto, eu conseguia escutar o barulho da aldeia no pé do morro, uma agitação incomum que indicava comércio e era praticamente impossível o sustentar apenas com mercadorias locais. Ainda mais que nem o clima e nem o solo pareciam férteis ou propícios para a criação de qualquer coisa. Em outras palavras, tinha de haver comerciantes de outros reinos. E não me lembro de ter passado por aquela floresta quando Brand me arrastou pra cá. Ou Mors Forest era apenas histórias para fazerem as crianças se comportarem, ou havia uma outra rota.

   _ Não acredito. - disse por fim.

   _ E por quê? - bufou.

   _ Porque não me lembro de passar por lá na minha "viagem agradável" até aqui.

   _ Nós atravessamos.

   _ Atravessamos? - repeti.

   _ Ah, pobre Elle - lamentou falsamente - Ninguém nunca te deu as respostas que você procurava, certo? É daí que vem sua necessidade insaciável e irritante de fazer tantas perguntas?

   _ É você que vai me dar as respostas? - retorquir sarcástica.

   _ Talvez, se você se comportar com o a boa garotinha que Kelra criou - deu de ombros, um sorriso venenoso preencheu seus lábios. Mas o sorriso foi embora tão rápido quanto apareceu. Ela encarou a porta e resmungou algo que não entendi. Meus olhos caíram para os pratos do outro lado da mesa. Brand estava esperando mais alguém. Ela estalou a língua - Enfim, posso te adiantar uma coisinha: atravessar é quando você usa seus poderes para se mover de um lugar para o outro em segundos. É como pegar um papel e dobrá-lo quantas vezes forem necessárias para que os pontos se unam. Mas vou te adiantando, apenas pessoas muito poderosas e com muita prática conseguem fazer. Um presentinho dos Trevore.

   Não cheguei a perguntar quem eram os Trevore, pois a porta de mogno se escancarou e alguém desfilou para dentro do cômodo. Agradeci por estar sentada e me belisquei várias vezes para me certificar de que eu estava acordada. O vestido rosa era extremamente brilhoso e curto, revelando as pernas longas e bronzeadas, o salto agulha preto poderia facilmente servir como arma, os cabelos na altura do ombro eram tão castanhos quanto os olhos. Os olhos, eu os havia visto durante anos, sempre odiosos. E eles haviam me seguido até aqui.

   _ Espero que não tenham esperado muito - não, não, não - Oi, Elle.

   _ Diana? O quê? Como? Eu... Eu...

   _ Vai com calma - Brand riu - Primeiro, vamos comer.

   Então, forcei a primeira colherada garganta abaixo. Na minha frente, Diana gargalhava com um comentário engraçadinho de Brand. Sem dúvida, em todos esses meses repletos de bizarrices, aquela foi a coisa mais estranha e assustadora que aconteceu.


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O Coração Gelado de CinderelaOnde histórias criam vida. Descubra agora