28°|O sem-teto

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° • PETER • °

   _ Onde você se meteu?! - disparei em direção a Krisa, assim que a cabeleira loira brilhou na margem da floresta. Ela apoiou na árvore, ao passo que Ophelia e Sasha se puseram ao seu lado, enchendo-a de perguntas. Não havia sinal de Elle e isso fez meu coração se apertar. Ela não podia estar em perigo, não era possível. Eu não havia sentido nada, não senti o perigo chegando, não senti nada. E isso doía. Era como se tivessem arrancado Elle de mim, e agora só existia o vazio.

   _ Cadê Elle? - tornei a perguntar, brando o suficiente para que Krisa se encolhesse contra o corpo de Ophelia, que me lançou um olhar severo. Mas eu não cheguei a me importar, porque Krisa estava ali, mas Elle não. Por outro lado, conhecia minha irmã o suficiente para saber que gritar não adiantaria. Respirei fundo e voltei a me dirigir a ela, dessa vez mais calmo: - Krisa, vocês saíram juntas, deveriam voltar juntas. Se passaram horas desde que foram... O que aconteceu? Cadê Elle?

   Todo o corpo de Krisa começou a tremer e seus ombros se chacoalharam, lágrimas desciam aos montes em suas bochechas pálidas. Ophelia murmurou um "já chega" para mim, seus olhos indicaram os sinais de luta no corpo esguio da minha irmã chorosa. A calça possuíam alguns rasgos, assim como boa parte do casaco. Alguns pequenos arranhões e hematomas na pele exposta do pescoço e alguns no rosto. Foi a confirmação de que algo realmente havia acontecido. Algo ruim.

   Constatei que Krisa ficaria bem - suas feridas pareciam ser bem superficiais - e então comecei a marchar em direção ao comércio, mas uma mão agarrou meu ombro.

   _ Peter... - murmurou uma voz doce. Não precisei me virar para saber que Nanda me encarava preocupada.

   _ Não se preocupe, trarei nossa princesa de volta. - lhe assegurei. Os dedos de Nanda se afrouxaram, mas não abandonaram o toque. Um gesto silencioso que demonstrava um resquício de seus sentimentos por mim.

   _ Quero ir junto. - murmurou cabisbaixa.

   _ Não nesse estado. - Nanda ainda tinha a faixa branca enrolada em volta da cabeça, embora já estivesse melhor.

   _ Tudo bem. - aceitou. Se fosse Elle, com certeza bateria o pé até que eu concordasse e ainda me faria carregá-la durante todo o caminho.

   Comecei a correr o mais rápido que pude. Árvores , arbusto, animais, todos passavam por mim como um borrão. Não notei o efeito da corrida até que chegasse ao centro de Cold Wheather. A movimentação estava mais estranha que o normal, estava mais inquieta. Passei por entre as ruas com os ouvidos mais atentos possíveis: "É, foi uma mulher", "Metamorfos polares? O que eles fizeram?", "Acha que ela é a Princesa perdida?", "Foi em frente a biblioteca...". Apressei meu passo, contornando a curva para me deparar com uma pequena multidão descontente. Me aproximei de um homem, parecia ser mais velho que meu pai. Era o único na multidão que não esticava o pescoço para enxergar o que quer que estivesse a frente.

   _ O que houve?

   O homem se virou para mim. A barba cinzenta chegava a tocar o pescoço e os olhos eram um pouco estupefatos demais, dando-o um olhar de louco. Suas roupas também não eram dsas melhores, muitas das peças estavam rasgadas e sujas, ele vestia no mínimo três casacos e o couro da bota descascava. Por estranho que parecesse, ele tinha cheiro de sabedoria e parecia ter vívido muitos anos. De qualquer forma, era um sem-teto e sem-tetos eram excelentes informantes.

   _ O que ganho em troca? - retrucou com voz áspera. Não havia nada de valor comigo, então apenas resolvi tentar me entranhar mais na multidão e conseguir outra pessoa para me falar o que aconteceu. Me detive por tempo o suficiente para escutá-lo dizer  - Esses curiosos não sabem tanto quanto eu, meu caro.

   Curioso. Bastante curioso.

   _ Não tenho nada...

   _ Uma informação por outra, é tudo o que peço.

   Sem-teto ou não, aquela criatura sabia negociar. Talvez fosse alguém muito importantes antes de ir parar perambulando pelas ruas, pois ele conhecia muito bem as regras do jogo. Fiquei me perguntando se era assim que conseguia se sustentar, comerciando informações. Por mais tentador e fácil que fosse, eu trabalhava para a Rainha e sabia de coisas que nunca deveriam ser reveladas.

   _ Apenas uma - instigou o homem, notando a dúvida em meu olhar. Ele ergueu o dedo indicador - Contanto que me responda de coração.

   Ponderei alguns segundos e, por fim, aceitei. O sem-teto bateu palmas animado e puxou a manga do meu casaco, nos colocando no meio da muvuca de pessoas. Esbarrei e pisei em vários pés até que ficássemos atrás de uma corda dourada, sendo empurrados pelas pessoas atrás de nós. Haviam alguns guardas que tentavam conter os curiosos. Também haviam vários livros espalhados e, pelas marcas das pegadas no chão lamacento, eu podia deduzir que havia sido uma luta acirrada. Outros guardas conduziam dois corpos para longe, não indicavam feridas externas. Um terceiro  corpo se juntou a esses, um pedaço de madeira estacado em seu peito. Por fim, um grupo maior da Guarda Gelada fazia esforço para arrastar um urso polar para longe. Os cristais de gelo na pelagem branca brilharam e eu não pude deixar de sentir orgulho da guerreira dentro de Elle. Ela havia lutado.

   Meu sangue ferveu e a raiva subiu à minha cabeça. Cerrei os punhos e me virei pro sem-teto, que sorria débil para o caos na sua frente.

   _ Fale. - ordenei. O sorriso sumiu de imediato e ele me encarou impaciente.

   _ Sempre mau-humorado - comentou para si. Ignorei o fato de ele falar como se, de fato, me conhecesse. Tudo o que me importava agora era a garota de cabelos brancos que estava desaparecida. O sem-teto percebeu que não estava para brincadeiras e com um rolar de olhos, apontou pra corda - Haviam quatro homens aqui, Metamorfos Polares. Usos, mais precisamente. A garota do gelo, saiu da biblioteca com uma outra garota, loira e muito bonita...

   O sem-teto continuou contando o acontecimento.  Seus dedos apontavam para todas as direções e fragmentos do caos, contando todos os minuciosos detalhes. Parecia que ele havia presenciado tudo e estava revivenciando o momento. Quando Brand foi citada, pensei que sentiria mais raiva. Porém, o único sentimento que eu tive confirmara minhas suspeitas. Eu era uma piada. Um guardião inútil que teve apenas uma missão na vida e falhou. Agora, Elle estava nas mãos de seu maior perigo. De seu pesadelo. Apesar de todo o acontecimento ter sido narrado, ainda restavam dúvidas que piscavam na minha cabeça: o que aconteceu para que eu não sentisse a ameaça? Por que meus olhos não mudaram de cor? Por que eu não estava sentindo mais nada além do vazio insistente?

   Era o vazio que mais me assustava.

   _ Agora é a sua vez. Conte-me! Conte-me! - gritava entusiasmado, o velho.

   _ O que precisa saber? - perguntei. Não via a hora de sair dali. Não havia sinal de sangue, mas eu temia que estivesse muito machucada. Ou pior.

   _ Só necessito de uma informação - disse ele, os olhos brilhando - Você a ama?

Gente, penúltimo capítulo. Da pra acreditar? Socorro!
O que acharam do POV do Peter??

Você é incrível!

O Coração Gelado de CinderelaOnde histórias criam vida. Descubra agora