III

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Apenas uma palavra poderia descrever a casa de Ryan: Imponente.

Ele, junto com sua organização, gastou um bom dinheiro para que assim o fosse. A casa fora planejada minuciosamente para aquele momento, o grande hall de entrada consistia em uma gigantesca sala com uma lareira de tijolos a vista, e frente a ela, um sofá comprido de cor branca abria-se em um ângulo de cento e trinta e cinco graus, flanqueado por um criado mudo em mogno de cada lado, sendo que um deles sempre estava abastecido com uma garrafa de whisky, servida em uma bandeja de prata.

Todo aquele teatro fazia parte de seu plano, já que as características do cenário eram de suma importância para o sucesso de seu experimento. Uma mesa de centro se posicionava entre a lareira e o sofá, trabalhada minuciosamente em metal e vidro, os móveis eram distribuídos harmoniosamente sobre um piso rebaixado octogonal, de forma a receberem toda a luz que se infiltrava pela parede de vidro ao leste, pela manhã, onde também ficava a porta de entrada.

Atrás do sofá, a escadaria ladeada de livros subia altiva em direção aos quartos, e embaixo dela, varando uma das estantes de livros, uma passagem levava para a cozinha.

As mais profundas memórias de Christini precisariam ser registradas para posteriores análises, e o monstro esperou tempo de mais para que um erro qualquer pudesse mudar a rota dos seus planos. Ao fundo, do lado sudoeste da sala, uma porta e um monitor decoravam a parede alva.

Em pé, olhando as chamas da lareira, Ryan mantinha uma mão no bolso da calça enquanto a outra girava calmamente o copo de whisky.

No primeiro gole ele sentiu o calor descer goela abaixo, sentiu o alívio que aquilo lhe causava e, com a contra pressão, sentiu a indiferença subir pelo esôfago.

No segundo gole, sorveu a determinação junto com o quente aroma amadeirado de dezoito anos, se entusiasmando com seu plano de fim de tarde.

Ele virou as costas para a lareira e, virando o ultimo gole de whisky, se dirigiu para a escadaria, deixando o copo sobre a bandeja de prata ao passar. Galgou os degraus calmamente, escorregando a mão pelo corrimão, seguindo o plano já calculado e repetido mentalmente, milhares e milhares de vezes.

Já em seu quarto, Ryan encarou o próprio reflexo no espelho, sentindo a rotina de pensamentos o invadindo. A mão, quase que com vida própria, subiu até a sobrancelha produzindo a dor aguda que o fazia tremular. O homem repetiu seu mantra mental: "Me tornei aquilo que mais odiava, mas não consigo enxergar desvantagem nisso"; novamente tomando para si a certeza de que o plano não poderia falhar.

A mão do homem se estendeu até o puxador, abrindo a porta por trás do espelho, e um grande closet projetou-se a sua frente. Ele se despiu e caminhou para dentro, sentindo a temperatura do piso correr-lhe perna acima, enquanto procurava seu melhor Armani.

Ryan separou o que julgou necessário para o momento, vestiu a roupa e puxou um par de Bruno Magli para finalizar. Depois de alinhar toda roupa no corpo, ele parou frente à gaveta de gravatas, pondo as mãos no bolso, pensativo. Tomou duas em suas mãos e, deixando a porta-espelho aberta, caminhou para o criado mudo ao lado da cama. O homem pôs as gravatas sobre o ombro, pegou o controle remoto e ligou o monitor de televisão. Christini e Marcus apareceram em oito cortes diferentes da tela.

Haviam se passado apenas quarenta e seis horas, mas Ryan sabia como triplicar a sensação temporal. Ele se dedicara durante dez anos para aquele momento. Os livros que compunham as estantes na escada, em sua grande maioria, eram de cunho acadêmico, indo desde a área de direito a engenharia. Tudo para aquele momento. As imagens mostravam Christini tentando encontrar uma solução para as correntes, e isso fez com que o homem sorrisse. Marcus, com a face voltada para o teto, parecia tentar confortá-la com o tipo de palavra que geralmente não conforta ninguém, mas que sempre é dita.

Ryan pôs o controle novamente sobre o criado mudo e saiu de seus aposentos, rumando à escada, reiniciando o assovio enquanto descia. Os cachorros latiam do outro lado da parede de vidro, quando ele cruzou o hall de entrada. Foi necessária uma só olhada do homem para que eles abaixassem as orelhas e desaparecessem na escuridão fosca do fim de tarde. O homem seguiu até a porta do labirinto, abriu-a e começou a descer rumo à porta de sua antiga biblioteca.

— Bom dia, Tini. Bom dia, Marcus. – disse ao entrar pela porta. – Os olhares temerosos de suas vitimas o agradou mais do que ele mesmo esperaria. – Tini, querida, Preciso da sua ajuda. Gravata listrada ou com bolinhas? – Ergueu as duas gravatas alternando a altura como se fosse uma balança.

Os olhos da mulher, injetados de sangue, se esbugalharam, fuzilando os olhos mortos de Ryan. O corpo da mulher inclinou futilmente para frente, no que em outras ocasiões seria uma postura de ataque. Sua boca franziu, e depois se escancarou pronta para esbravejar.

— Ah, ah, ah! – disse Ryan, com o dedo indicador pendulando.

Calmamente, ele caminhou até o lado de Marcus.

— Sem ofensas, por favor. Você não vai gostar do castigo que imaginei para ele, hoje.

Ryan pôde sentir o frio que percorreu os ossos da mulher, e ele se divertiu com aquilo.

— Listrada. – O som saiu engasgado.

— Jura? – disse, Ryan que, fingindo surpresa, levantou a gravata, olhando-a de cima a baixo – Por quê?

Christini respirou fundo, ainda fuzilando-o.

— Sua camisa é lisa, assim como todo o seu terno... A listrada quebra um pouco disso e te da um ar mais másculo. Você tem uma elegância rústica.

Marcus encarava a situação de viés e ao seu lado, Ryan, fingindo um queixo caído, encarava a mulher.

— Viu só, Marcus?! – disse, desferindo um tapinha no ombro queimado do homem. Marcus apertou o maxilar, resistindo ao ímpeto de gritar – É disso que eu tô falando!... Muito obrigado, Tini. Não esperava menos de você.

Ryan se dirigiu para Marcus, ainda sorrindo.

— A ardência já passou, mijão?

— Seu...

O Louco pressionou um dedo contra uma das pústulas que vinham crescendo na pele do homem, que dessa vez deixou o grito sair.

— Olha, olha! Cuidado... não queremos que a Tini pague, certo?

Houve silêncio. Ryan pressionou a pústula até que estourasse.

— CERTO?! – Aumentou o tom da voz.

— Ce-certo... – disse, engasgado.

— Então tá tudo certo! – Abriu os braços. – Agora responda minha pergunta.

— Passou... A ardência passou.

— Mentiroso, acabei de te causar mais uma aí... Bom, de qualquer modo, tenho que me retirar. Tenho uma opera.

Christini revezava o olhar entre Ryan e Marcus. O louco amarrava a gravata de costas para a porta enquanto Marcus pressionava a mandíbula e as pálpebras.

— Boa Noite pra vocês, e feliz natal!

— O quê!? – gritou a mulher, desorientando Ryan – Nós estamos aqui a mais de quatro dias? Isso é sério?

— Será, Tini? – disse o louco, levantando os braços e fazendo bico.

Virando as costas para ambos, ele saiu pela porta, batendo-a ao passar, e levou consigo as luzes. Os alto-falantes chiaram em meio a escuridão.

— A propósito, Tini. Você se sentiu manipulada, usada e submissa, hoje. Foi uma das últimas coisas que senti antes de ganhar essa cicatriz.

A voz no alto-falante calou-se com um estalido. Do outro lado da parede, Ryan pôs o microfone sobre a mesa e, com a outra mão, levou o gravador de voz a boca.

— Primeira etapa do experimento quase concluída. A sensação temporal das cobaias foi atingida, eles estão completamente confusos. Preparando para inserção de idéias.

O dedo soltou o botão do gravador e Ryan afrouxou a gravata, retirando o paletó, deixando que caísse sobre o braço dobrado, enquanto subia os degraus do labirinto. Ao chegar ao sofá, soltou as roupas no chão e desafivelou o cinto, sentou frente ao fogo, admirando o dançar das chamas.

UMA NOVA CHANCE - O Velho RyanOnde histórias criam vida. Descubra agora