I

526 124 956
                                    


Pareceu que uma eternidade havia passado quando a porta voltou a abrir. Christini observou o assoviador que, com o peitoral novamente a mostra, entrou sem lhe direcionar o olhar, fechando a porta atrás de si.

Em momentos como este, Christini sabia o que a mente causava as vítimas, mas sempre imaginou que a consciência do fato eliminaria esse fator. Ela comprovou na prática o quanto estava errada. A mente humana não brincava quando o assunto era proteção.

Desde que Ryan havia saído, por várias vezes ela se pegou rindo da semelhança que a maçaneta da porta tinha com o puxador de uma antiga geladeira de sua avó. Talvez aquele fosse o modo de sua mente converter o terror para uma leve nostalgia.

Ryan trazia em uma das mãos uma garrafa térmica de dois litros, um molho de chaves que tilintava em seu cinto de couro e uma expressão vazia no rosto. Ela o viu pôr a garrafa ao lado da porta de maçaneta engraçada e caminhar em sua direção, agora fitando seus olhos com uma cordialidade tão espontânea que a deixou desconsertada.

Para Christini, parecia impossível conceber que aquela simpatia havia simplesmente surgido de um poço tão obscuro quanto era o olhar daquele homem.

— Bom dia, Tini! – disse, sem diminuir o passo – Dormiu bem? Acredito que não... Eu esqueci a luz acesa, néh? Que distração a minha... Peço perdão por isso.

"Bom dia, foi o que ele disse? Há quanto tempo tô aqui?", pensou a mulher, vendo Ryan ir até ela. O homem se agachou, e com puxões conferiu as amarras dos pés, levantou-se e repetiu a conferencia nos punhos e, dando dois passos para trás, ele analisou o todo cautelosamente. Com as mãos na cintura e um franzir de lábios, ele meneou a cabeça em aprovação, coçando a cicatriz sobre a sobrancelha, em seguida virou as costas para Christini e caminhou em direção a Marcus.

Christini sentiu a saliva descer como pedra pela garganta.

— Ryan... – Tentou atrasa-lo, temendo o pior.

— Sim? – disse, sem desviar o olhar das amarras de Marcus.

— Você pode me dar um pouco de água?

— Poder eu posso... Mas querer... – O homem girou o tronco sem movimentar as pernas e a encarou com um sorriso estranhamente brincalhão no rosto. – Onde eu tava, mesmo? – sussurrou, levando a mão ao queixo – Ah é! Amarras... Mas pode sentar e relaxar, Tini, eu não vou te deixar morrer. Deixei um sorinho grudado no seu pescoço, só não vai se mexer muito, hein? – Balançou o dedo em advertência. – Você tá magra demais, se a gente perder o acesso não sei onde vou ter que te furar.

A mulher inclinou a cabeça para trás, tentando enxergar a mangueira do soro, mas tudo o que conseguiu foi uma dor aguda no pescoço que a obrigou voltar com um gemido escapando entre os dentes.

— Eu avisei pra não se mexer muito... – Balançou a cabeça, voltando ao que fazia.

Quando Christini viu Ryan se aproximar tão perigosamente de seu marido, sentiu como se um líquido gelado preenchesse suas veias, principalmente as pernas. Tudo parecia muito frio dentro de seu corpo e ela tinha certeza que não era culpa do ar condicionado.

— Perfeito – disse, Ryan.

O louco caminhou para um dos vértices da sala acolchoada, estendendo as mãos para cima da cabeça, até uma barra, e içou-se num impulso lento e concentrado.

— Um! – disse, ao encostar o queixo na barra

— Ryan, eu preciso ir no banheiro...

— Dois!

UMA NOVA CHANCE - O Velho RyanOnde histórias criam vida. Descubra agora