III

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As correntes que prendiam as pernas de Luna afrouxaram aos poucos e, um passo após o outro a aceleração foi gradualmente a dominando. Com os braços encolhidos a frente dos seios, a jovem nipônica seguiu ao encontro do corpo estatelado no chão. As sobrancelhas arqueadas deixavam os olhos castanhos ainda mais abertos do que realmente estavam. O caderno jazia ao lado do menino com algumas páginas amassadas pela queda, junto a uma folha estêncil.

— Ah, caralho... – A menina continuava acelerando – Ah caralho... caralho... caralhocaralhocaralhocaralho. – a voz acelerava junto com os pés.

As lágrimas de medo e culpa, começaram a empoçar seus olhos, mas não o suficiente para transbordá-los. As convulsões cessaram no momento em que Vinícius batera contra o chão. A mente frenética de Luna tentava objetivar se este era um bom ou mau sinal. Ela se ajoelhou ao lado do menino e precipitou ambas as mãos em direção as costas dele. A dois centímetros de distancia as mãos pararam, sucumbindo a voz no fundo de sua mente que gritava em desaprovação. A menina olhou em torno do corpo do menino, não havia sangue, mas também não havia sons. Mal podia acreditar que aquilo estava realmente acontecendo.

Não demorou para que a poça em seus olhos descessem em uma cachoeira pavorosa, e o peito dilatasse e contraísse em uma respiração de puro horror. Luna pôs-se em pé e, como um raio, disparou em direção à porta da casa, socando-a com mãos frias, temerosas e tremulas. A mãe dele precisaria estar em casa, afinal, um esquizofrênico provavelmente não poderia ser deixado só, pelo menos não em sua mente leiga.

— TEM ALGUEM AÍ!? – O grito atravessou porta e quintal, ressoando pela rua. – SOCORRO! O VINÍCIUS SE... – A voz entrecortou com a queda da ficha. – PELO AMOR DE DEUS! – O grito foi soou mais alto. – PELO AMOR DE DEUS! ELE SE MACHUCOU!

As mãos insistentes começavam a amolecer e os baques dados na porta já não eram tão fortes. Os vizinhos tomaram a rua, sustentando olhos curiosos que perscrutavam a origem do berreiro. Luna ainda insistia em sua batalha quando atrás de si ouviu uma voz idosa.

— Filha! – Um homem gritou – O que aconteceu?

O homem de cabelos brancos carregava um olhar genuinamente preocupado, mas quando seus olhos cruzaram com os de Luna, a preocupação se tornou medo, e ele pôde sentir que não tardaria em se tornar pavor. Chorosa, a menina correu em direção ao idoso, gritando alto e rápido demais para que o velho pudesse entender.

— Calma, criança! – O velho disse firme. – Me conte o que aconteceu!

— VINÍCIUS! – Gritou, agarrando com força o braço do velho, puxando-o.

O velho correu pelo quintal, puxado pela menina, sob o olhar curioso dos vizinhos.

— Deus do céu! – Exclamou ao se deparar com o menino. – JEAN! – gritou olhando para a rua.

Os tremores haviam tomado conta de Luna, as mãos foram para o rosto, e o choro, antes amparado pela preocupação, explodiu em um grito bestial, na forma de um pranto apocalíptico.

Não bastava as próprias desgraças que levava durante a vida, agora ela também carregaria a culpa de uma morte nos ombros. A menina não suportou olhar novamente para o garoto de bruços. Pesadas, as costas da pequena asiática bateram na parede e deslizaram. O traseiro encontrou o chão em um baque doloroso e ela permaneceu ali, com mãos coladas no rosto, olhos firmemente fechados, lágrimas descendo em bicas e soluços que a faziam dar pequenos pulos.

— O que aconteceu, pai!? – Um jovem de no máximo treze anos gritou do outro lado do portão.

— Pega meu carro e minha maleta em casa! – Encarou o menino que permanecia estático – AGORA, JEAN!

UMA NOVA CHANCE - O Velho RyanOnde histórias criam vida. Descubra agora