IV

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Coberta por um estranho torpor, a enfermeira retirava o acesso do braço do garoto, enquanto Pâmela buscava um lençol na cômoda ao lado. A loira caminhou até o corpo sobre a cama, segurando o lençol na frente do umbigo. Com pesar a pequena enfermeira estendeu polegar, indicador e médio até os olhos do garoto, fechando-lhe os olhos, e voltou à cabeça para a médica, meneando-a. A médica estendeu o lençol branco sobre o corpo de Vinícius, deixando que a fiação dos eletrodos se projetasse para fora.

Quando a porta se abriu, a pequena nipônica viu os olhos sérios de Pâmela a encararem e um curto balançar negativo, que movimentou o coque mal preso no topo de sua cabeça. Luna escancarou novamente a boca, mas nenhum som saiu dali. Jorge apertou o abraço, direcionando o olhar a enfermeira que surgiu por trás da médica. Ela inclinou a cabeça apertando os lábios em uma fina linha, produzindo um longo suspiro.

— Eu sinto muito... – disse, Pâmela – Eu tentei tudo que tava ao meu alcance.

Conformando-se, Jorge meneou a cabeça, mesmo com a pulga que lhe mordia atrás da orelha.

— Precisamos achar a mãe dele – disse, Jorge.

— Eu vou tentar entrar em contato com a Mirela – disse, Pâmela, forçando as lágrimas a empoçarem seus olhos –, mas se eu não a achar, prometo que cubro as despesas com... – Interrompeu-se, mordendo o lábio num choro teatral. – Com o enterro. – Esfregou o rosto. – Isso é tudo que posso fazer por ele, agora.

— Tudo bem, Pâmela. Obrigado. – O velho forçou um sorriso.

— Pâmela... – disse, Hilda. – O menino me pediu pra te entregar isso, antes de... – Interrompeu-se, encarando os olhos azuis da médica.

Hilda estava com as três folhas estendidas para a psiquiatra. A médica as pegou em silêncio, correndo os olhos pela letra de Vinícius, antes de dobrá-las duas vezes e a guardar no bolso do jaleco.

— Obrigado, Hilda – disse. – Sei que não é um bom momento, mas preciso tentar encontrar a Mirela... – Suspirou – E dar a notícia. Com licença.

A loira caminhou para a porta de saída e desapareceu sem olhar para trás. Luna ainda estava presa no abraço do velho. Os olhos esbugalhados formavam uma cobertura para os lábios trêmulos que eram banhados pelo sal das lágrimas.

— Luna – disse, Hilda, caminhando para a escrivaninha da recepção. – Ele me pediu para te entregar isso.

Enquanto a enfermeira abria a gaveta da escrivaninha, Luna desvencilhou-se dos braços do homem e, com certa dificuldade, se pôs em pé. A mulher lhe estendeu um caderno já conhecido, olhando-a com pesar. Luna tomou o caderno nas mãos e o abraçou como se aquela fosse sua última chance de dizer adeus. A enfermeira passou as mãos no rosto da menina que já passara sua altura.

— Eu sinto muito, querida... – Deixou mais lágrimas escaparem... – Sinto muito mesmo...

Jorge observou a cena, mas procurou ignorá-la. Pâmela havia ido longe demais e aquele caderno não deveria significar muita coisa, só o caderno de um menino moribundo que por algum motivo, evitara entregá-lo para a médica. Poderia parecer suspeito, mas ele se recusou a continuar com aquilo, não queria mais um assassinato em sua consciência. Pelo menos era isso o que pensava.

— Obrigada, Moça – disse, Luna.

Com olhos ternos, Hilda encarou novamente os olhos da garota.

— De nada, querida. Eu preciso ficar aqui por causa da burocracia médica. – Arrancou três folhas do caderno da recepção. – Você pode jogar isso no lixo da rua, por favor?

— Claro – disse, confusa. – Mas por que na rua?

Luna viu a enfermeira dar de ombros.

— Ele também pediu isso.

UMA NOVA CHANCE - O Velho RyanOnde histórias criam vida. Descubra agora