II

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O quebra vento aberto fazia os cabelos de Christini dançarem desordenadamente. Dirigir sempre a acalmou, e agora, com a mente limpa, ela ponderou sobre os reais motivos pelos quais Ryan havia lhe deixado aquele mapa e a penúltima frase no cartão: "um monstro precisa morrer para que o mundo possa sobreviver". A frase não parecia se referir a ele ou a ela. Algo dentro de si dizia que tudo isso não passava de uma armadilha, mas ela pouco se importava com esta voz. Seu objetivo no momento era vingança, mesmo com sua mente gritando em sinal de alerta.

— Qual é Ryan? – pensou em voz alta – Você não seria tão estúpido! Quer que eu te siga, por quê?

Uma placa surgiu suspensa sobre a rodovia Régis Bittencourt. Christini inclinou a cabeça sobre o volante, franzindo o cenho com a boca entreaberta, colando o queixo no volante enquanto lia "Registro 10; Jacupiranga 39; Cajati 51". Ela estava na estrada a pouco mais de três horas e sua pele já começava a arder com o sol do meio dia. O braço costurado parou de sangrar a alguns minutos, mas as bandagens logo precisariam ser trocadas, e isso seria um problema. Christini decidiu que faria isso assim que chegasse a Curitiba.

*****

Os dedos finos do menino esfregavam o grafite sobre o papel, dando um efeito esfumado sob o braço da motorista de punhos roxos. Ele estava sentado sobre o telhado a mais de duas horas. As vozes em sua cabeça narravam histórias enquanto suas mãos reproduziam em um caderno sem linhas.

*****

Christini estacionou em um posto de combustíveis assim que cruzou o limite do município de Registro. O sono e a fome quase a tiraram da estrada cinco minutos atrás. Um homem de idade avançada, que estava sentado sobre um balde de tinta, veio ao seu encontro. Os olhos do velho percorreram o carro de Christini.

— É um belo carro, moça. Ô se é!

— Obrigada. – Forçou um sorriso. – O senhor trabalha aqui?

— O posto é da minha filha, mas posso te atender enquanto ela não volta... Pra senhora não ficar esperando, sabe?

— Ótimo, fico muito grata. Encha o tanque pra mim, por favor?

Christini estendeu as chaves com o braço sujo de sangue. Por um instante, o velho interrompeu a trajetória da mão, mas prosseguiu como se não houvesse visto nada, pegou as chaves e contornou o carro. A mulher abriu a porta e esticou o corpo para fora, apoiou a mão no capô e disse:

— O senhor tem cigarro aqui?

— Tenho sim, filha. – disse, sem olhar para a mulher – Se quiser pode pegar lá dentro, depois acerto contigo.

— Isqueiro também?

O velho encarou a mulher, parecendo não lembrar.

— Acho que está embaixo das paçocas.

— Obrigada.

Christini caminhou para dentro da loja de conveniências, não havia uma única alma no estabelecimento. Viva ou morta. Indo para trás do caixa, ela pegou três maços de Dallas vermelho, em um dispenser tão comum quanto estabelecimentos como aquele. Os isqueiros estavam onde o velho havia dito. Ela bateu os maços na palma da mão, encarando o Bic que iria pegar. Certamente escolheria um na cor branca. Mesmo depois de tantos anos longe do vício, certas manias não se perdem.

Novamente na porta, e mesmo há tanto tempo sem fumar, as mãos não perderam a prática. Em questão de segundos ela já havia retirado o plástico, o lacre e o papel protetor. O cigarro estava na boca e o isqueiro frente a ele. A chama brilhou com o movimento do polegar. Christini tragou vagarosamente e soltou à fumaça na mesma velocidade.

UMA NOVA CHANCE - O Velho RyanOnde histórias criam vida. Descubra agora