IV

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Sanches galgava os degraus que levavam a cena do crime. A temperatura que batia os trinta graus célsius, transformando o longo corredor em uma estufa, produzia um cheiro acre que impregnava no nariz. Ela sempre, pelo menos toda vez que sentia esse cheiro, se questionava do motivo pelo qual havia escolhido esta profissão, mas a memória do falecido marido e de seu propósito como uma engrenagem maior, logo amordaçava suas duvidas. O fio fluorescente, cuidadosamente esticado pela alva parede, guiava-a para o local ao passo que desenhava sombras disformes em sua camiseta preta. A investigadora viu a porta aberta no final do labirinto e, colado a uma pequena agenda, avistou Soares com a testa franzida.

— Soares! – Chamou.

O homem desviou o olhar da agenda e encarou Sanches com o olhar que tanto a confundia. Os olhos cinza esverdeados brilharam sobre a pele morena, despindo-a de um jeito invulgar, que tanto a incitava desejo quanto repulsa.

— Sanches! – O homem desviou o olhar novamente para a agenda.

— O que temos aqui?

A mulher olhou em volta e deparou-se com um amontoado de carne sobre a maca. O inchaço esbugalhava os olhos da vitima e os vermes já haviam tomado conta do corpo. Ela finalmente pôde descobrir a origem do cheiro.

— Por cima? – disse, Soares, encarando-a enquanto coçava a fronte com o fundo da caneta.

Levando a dobra do braço ao nariz, a mulher acenou positivamente com a cabeça.

— Bom... – Soares apontou a caneta. – Eu diria que é um homicídio duplamente qualificado, no mínimo. A quanto tempo ele está aqui também é difícil, dado ao calor que cozinhou e acelerou o processo. O cara tá com queimaduras sobre o tronco e parece que alguém arrebentou os olhos dele antes da morte. Os meninos já encontraram dois pares de pegadas, e sêmen naquela cadeira ali, mas ainda sem identificação, e dois cachorros mortos. – Apontou para o cão no meio da sala. – Se não tivéssemos encontrado aquele corpo, eu diria que isso aqui tá parecendo uma reunião pra sadomasoquismo. Você notou aquelas correntes? São perfeitas pra amarrar alguém naquela cadeira.

— Cacete... – A mulher olhava ao redor, ainda com o braço entorno da boca. – Talvez sua idéia não esteja tão errada. Pode ser que uma festinha tenha rolado aqui. – O braço saiu da boca e foi parar na nuca. – Claro, não que sua opinião seja necessária, mas pode ser relevante. E o nome do proprietário?

— Segundo os vizinhos, a casa é de um tal de Ryan... – Conferiu o sobrenome na agenda. – Brooks. Ryan Brooks, mas ele tá fora do país há muito tempo, e só o caseiro tinha a chave.

— Já interrogou ele?

— Já, mas ele tem um álibi e o pé dele é maior que ambas as pegadas.

— Interessante – disse, refletindo. – Bom, assim que terminarem aqui deixe todos os relatórios na minha mesa... Tudo o que eles conseguirem. Eu vou investigar esse tal de Ryan e ver o que consigo.

Soares assentiu com a cabeça e viu Sanches girar nos calcanhares e se encaminhar para a porta. Os policiais, peritos e o investigador ficaram para trás. Sanches subiu as escadas, novamente se guiando pela fita fluorescente instalada acima do rodapé do longo corredor.

No grande Hall de entrada, ela reencontrou o cão que havia evitado olhar quando desceu as escadas. Os vermes já o consumiam, e a mulher ficou impressionada ao perceber que o cachorro lhe causara mais comoção que o homem.

*****

Um homem de cabelos castanhos enfiou a cabeça pela porta, com um sorriso extremamente amigável iluminando a face. Luna sorriu, contagiada pelos olhos bondosos.

UMA NOVA CHANCE - O Velho RyanOnde histórias criam vida. Descubra agora