O estranho que rabiscava

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O sinal tocou fazendo os alunos se apressarem para dentro do grande prédio. Era uma manhã fria de uma segunda-feira, isso significando rostos sonolentos e desanimados.

De frente ao prédio um carro preto parava e um garoto magro de cabelos escuros e óculos de grau saiu trajando um moletom liso preto por cima da camiseta branca de uniforme, calça social preta xadrez e sapatos verniz, andava em passos rápidos para dentro da escola. O tempo estava uma brisa gelada, deixando apenas o gostinho pela chuva.

Aquele vento frio fazia o corpo do jovem Uryuu se arrepiar, apenas um moletom não estava o esquentando devidamente. Mesmo assim apenas seguiu depressa para sua classe, que acreditava estar mais quente. Na classe outras pessoas já se espalhavam pelo local, nas cadeiras, sobre as mesas ou em pé conversando e rindo. Uryuu sentou-se na terceira cadeira ao lado da fileira da parede e o professor não demorou a chegar causando a organização, logo a aula foi iniciada.

O tempo passou dando lugar a aula de história, essa tinha uma reação quase que instantânea nos alunos: a maioria ficando quase dormindo. Matsumoto não se importava, já estava acostumada com a reação mesmo que fosse o terceiro ano ali. Continuou a explicar sua matéria, comentando aquele marco histórico que o dia comemorava. Uryuu se distraiu em seus próprios pensamentos, o que não era algo incomum. Os movimentos no lápis iniciaram-se, no começo lento, mas logo se tornavam rápidos marcando aquela folha branca.

Certas características que definem uma pessoa, as mais fortes talvez, sejam aquelas que fazemos sem nem perceber. Movidos por um instinto natural, como respirar. Uryuu tinha isso.

Pelas grandes janelas ao lado uma fina garoa batia de leve contra o vidro causando pouco, quase nenhum ruído, o único som presente era a voz da professora encostada à mesa. Poucos alunos escutavam com atenção o que ela falava; alguns do fundão realmente já dormiam, mas a maioria apenas pensavam sozinhos consigo mesmos. Um deles, de cabelos chamativos e roupas escuras, sentado na fileira das janelas um pouco atrás de Uryuu balançava uma caneta na mão e sem perceber, observava Uryuu.

O estranho que rabiscava.

Por que Uryuu era estranho? Não sabia explicar, mas era como os outros o chamavam. Talvez pelo seu jeito quieto e calado, mas não como se não soubesse conversar, o garoto prodígio (como era conhecido também) não parecia alguém acanhado ou tímido. Era mais como se ele simplesmente não gostasse de socializar ou sorrir talvez, não que ele fosse apático. Ou talvez fosse, de qualquer forma não sabia.

Continuava a observá-lo. Certa curiosidade o tomava querendo saber o que ele fazia, parecia estar desenhando. Entretanto, o que prendia sua atenção era o quanto Uryuu estava completamente absorto à aula. Bem, se estava curioso poderia se inclinar e tentar ver o que era de tão interessante ao outro, mas na verdade estava mais concentrado em olhar os olhos fixos dele no papel, os óculos meio caídos e a boca fechada que vez ou outra se abria minimamente.

- Ishida... Ishida? - Aqueles olhos se ergueram para a professora, a mão parada e seu observador também voltando a si.

- Sim? - Perguntou ouvindo os risos e a atenção, agora, quase que completa dos alunos para aquilo.

- Eu te fiz uma pergunta.

Os alunos riram novamente se esquecendo do sono de repente, qualquer coisa era mais interessante que aquela aula chata. Matsumoto se dirigia a ele e sorriu um pouco de lado, talvez maldosa, mas também tinha percebido que Uryuu passou a aula distraído. E aquilo seria normal para qualquer aluno menos para o Ishida. Antes que Uryuu conseguisse puxar o caderno para a mochila o aluno em sua frente já tinha conseguido sua posse e riu enquanto olhava, mas antes que começasse a mostrar para os outros Matsumoto já puxava o caderno para si.

- Não faça isso garoto. Afinal o que... - Matsumoto perdeu a voz assim que olhou para o papel, sua boca permanecendo aberta.

Uryuu calado e todos da sala começaram a reclamar curiosos com aquilo e uma boa quantidade se levantou para ir para trás da professora finalmente vendo o que era. O silêncio durou uns momentos e Matsumoto voltou a si encarando o dono do desenho.

- Ishida, isso e seu? Quer dizer, você que fez?

-... Sim. - Aquela situação não estava nada agradável para si, não deveria ter se distraído daquela forma, agora era tarde demais.

- Você tem um admirador secreto professora! Ha ha! Que assustador! - O aluno da carteira de frente a Uryuu disse em meio às risadas altas que soltava e também não entendendo por que as garotas estavam tão coradas olhando o desenho. Matsumoto o olhou feio, tal olhar que o fez se calar depois voltou sua atenção ao papel novamente.

Assustador? Aquilo não tinha nada de assustador! Talvez um pouco por descobrir que um dos alunos mais brilhantes daquele colégio também possuía aquele talento.

No papel a sua frente se encontrava entre rabiscos pretos e precisos a imagem da professora encostada à mesa. O cabelo grande caía em cachos por seus ombros, a boca um pouco aberta como se estivesse no meio de uma fala, uma mão sobre a perna e a outra no ar, as mãos incrivelmente retocadas com leveza deixando uma expressão de delicadeza, mas os olhos pintados um pouco mais escuros deixavam transparecer mesmo que no papel a idade mais avançada e mais, também um pouco de fadiga, o corpo maduro bem formado e bem definido. E não apenas ela era desenhada com tantas, se não todos seus traços, como todo o espaço de visão do aluno havia sido pego e transferido para aquele papel. O que mais chamava a atenção de Matsumoto era a ideia de movimento tão bem demonstrada pelo garoto. Aquilo era trabalho de um verdadeiro detalhista.

- Poderia devolver o meu caderno professora, por favor? - Matsumoto ouviu o pedido de seu aluno e relutou em se desfazer daquilo. Queria muito o desenho para si!

- Você fez agora? - Perguntou o que mais queria saber. Uryuu resolveu apenas balançar a cabeça confirmando.

Muitas bocas se abriram, mesmo que fosse uma imagem de momento. Matsumoto sentiu agora o peso do caderno bem forrado de desenho... Teria mais? Teria naquele simples caderno obras tão incríveis quanto aquela?

O desejo de virar aquelas folhas foi intenso, mas até ela sabia que estava sendo bem evasiva com seu aluno e Uryuu não era do tipo de pessoa que gostava de ter seu espaço invadido. Por isso devolveu o caderno sorrindo sem graça, e os alunos voltaram para suas carteiras cochichando elogios e surpresas entre si. Uryuu teve a posse de seu caderno de volta e o garoto um pouco atrás ao lado conseguiu finalmente ver o desenho e matar sua curiosidade por todo aquele alvoroço.

- Você é muito bom Ishida. Tem um grande talento. - A professora elogiou voltando a sua mesa.

- Obrigado. - Disse apenas isso desviando os olhos e guardando o caderno na mochila.

E mesmo com a barulheira e a volta das fofocas a aula se seguiu. Uryuu voltando a ser observado como antes, mas agora não desenhava.

Ponta Solta [Concluída]Onde histórias criam vida. Descubra agora