Preciso sair daqui

80 18 1
                                    

Sua vista se recobrava com dificuldade. Sentia o chão duro em baixo de si e o entorpecimento nas costas. Moveu a mão a trazendo devagar até a cabeça que segurou, a dor nela talvez sendo o que o acordou. Arrastou a outra mão pelo chão tentando se equilibrar o bastante para poder colocar pressão e se erguer.

Demorou um pouco pela falta de força nos braços, mas conseguia; já meio caminho andado sua mente voltava a raciocinar. Sua vista finalmente se focava e se deu conta de onde estava.

O corredor claro pela luz de lâmpadas.

Não precisava olhar para trás para ver a porta do escritório. Mesmo com as fisgadas fortes que começou a sentir nas costas forçou-se a se levantar. Ainda ameaçando cair se jogou para frente caminhando encostado às paredes em direção ao seu quarto. Julgou que aquele corredor nunca teria um fim até finalmente ver a porta escura por onde entrou. Caiu novamente já dentro do quarto escuro e gemeu alto pela dor na barriga.

Pensou em deixar-se ali mesmo, com sorte morreria por todo aquele sangue que sentia o ensopar, talvez alguma infecção, mas até ele sabia que se não foi antes, então não seria agora. Então voltou a se erguer e seguiu em direção ao banheiro. O resto da blusa que sobrava nos pulsos foi descartada assim como todo o resto da sua roupa.

Seu rosto estava sério, acostumado. Ligou o chuveiro de água morna e aguardou ali em baixo tendo que morder a mão pela dor das gotas indo de encontro às costas.

Deixou-se cair sentando-se nas próprias pernas não conseguindo mais forças nem para morder o lábio inferior que já estavam bem machucados. Nem se lembrava de tê-los mordido antes, pensou que já tivesse parado com essa mania. Mas estavam bem machucados então deixou apenas as arfadas saírem deitado naquele chão. Observou a água tingida de vermelho em baixo de si e não soube quanto tempo passou esperando aquilo ter um fim.

Não queria ter que fazer, mas virou-se na frente do espelho de corpo inteiro do banheiro vendo o estrago nas costas. Pensou que tivessem parado de sangrar, mas a maior marca ainda se mostrava irredutível em expelir gotas. Várias o rasgavam a pele em todo o tronco e lados, pareciam macabras para ele já não havendo mais espaço para novos machucados.

Ofegante, se possuísse algo na barriga julgou que vomitaria, mas como não, apenas buscou o pote com o remédio que Luísa costumava passar, aliviava a dor e com o tempo cicatrizava. Foi complicado aplicar aquilo já que eram nas costas e já completamente exausto de tudo e sentindo a visão escura não demorou para vestir uma cueca, engolir remédios para dor e jogar-se na cama não demorando a apagar.

...

Quando acordou depois com o peito acelerado se ergueu ofegante e percebeu o rosto molhado de lagrimas que o fez socar fraco seu coxão. Uma olhada no quarto bastou para fazê-lo querer voltar a vomitar, ou pelo menos ensaiar isso ao lado da cama. Seu tronco inteiro doía demais como se chutes ainda fossem aplicados nele. Era insuportável!

Não entendia aquela reação. Deveria estar melhor, pelo menos um pouco.

Arrastou-se para fora da cama, sua cabeça pulsava, as mãos tremiam, sentia o corpo queimar coberto de suor e doer a cada passo, o estranho estado o debilitando mais que qualquer coisa. Tomou outro remédio para dor e pegou óculos parecidos com o seu de sempre da gaveta e procurou por qualquer roupa, nem parou para ver moletom ou qualquer coisa com manga. Só o pensamento de voltar àquela mansão já o machucava mais que qualquer coisa.

Só precisava sair e ir para qualquer outro lugar. Não percebia o quanto não pensava em nada corretamente.

Saiu do quarto apoiando-se nas paredes. Vestia calças escuras e uma camiseta branca de pano delicado que mesmo assim roçava pinicando suas costas. As pontadas nas regiões feridas do corpo o faziam andar inclinado, mesmo assim desceu o lance de escadas inflexível.

Estava de dia e Uryuu atravessou o hall de entrada até a porta. Saiu se dirigindo à garagem e avistou o carro próximo à fonte de água e o motorista perto das chaves no painel conversando com um dos seguranças. Foi até o automóvel onde entrou fechando a porta, Marcus movido pelo barulho se aproximou confuso.

- Algum problema senhor Ishida? – Perguntou ao lado da janela do motorista que era onde Uryuu estava.

- Me dê as chaves. – Pediu com a mão estendida. Marcus franziu o cenho mais confuso ainda, não só pelo pedido estranho como também pelo estado do garoto de rosto machucado, braços da mesma forma com vermelhões e roxos, cabelos suados e bagunçados.

- O que está havendo? – Perguntou mais preocupado e de repente lembrou-se do que a empregada contou ter visto: Uryuu sendo enforcado pelo pai na noite anterior.

Uryuu bufou impaciente não conseguindo controlar a expressão de dor formada no rosto.

- Só me dê as chaves! – Exigiu agoniado.

- Não posso fazer isso quando você não sabe dirigir. Sua segurança em primeiro lugar. – Disse um pouco desesperado olhando para os lados em busca de ajuda, mas o segurança já tinha se afastado.

Ele poderia ser filho do chefe, mas não tinha carteira e Marcus nunca o daria as chaves. O moreno suspirou assobiado e saiu do carro indo em direção à porta traseira,

- Então me tire daqui. – Pediu entrando por trás. Marcus correu em busca das chaves e voltou entrando no carro.

Algo estava muito errado! Uryuu parecia prestes a desmaiar e segurava o próprio peito como se fosse realmente desabar a qualquer momento e que marcas eram aquelas?

- Você está bem? O que está sentindo? – Perguntou ainda nervoso olhando o garoto pelo espelhinho. Ele permanecia com o olhar fixo no banco, o rosto extremamente pálido.

- Continue. – Disse apenas isso.

Depois de saírem da propriedade Marcus voltou a olhá-lo.

- Para onde? – Perguntou pensando que certamente seria um hospital, mas Uryuu somente pediu que continuasse em frente. Marcus mesmo aflito passou a rodar a cidade quase que saindo dela e voltando.

Trabalhava para os Ishida há pouco mais de dois anos e por aquela mansão histórias e fuxicos chegavam normalmente aos seus ouvidos. Já ouviu das vezes que Ryuken agrediu o filho. Marcus nunca viu, mas algumas vezes Uryuu se mostrava tão cansado e com uma expressão de dor no rosto, mas mesmo o perguntando se aconteceu algo ele negava. Marcus então desconfiava, já havia sacado a tempos que pelo menos pai e filho não tinham um relacionamento bom, mas nunca viu marcas que denunciasse e não podia fazer nada sendo o motorista.

Marcus já estava de cabeça cheia, mas começar a ouvir os gemidos atrás de si o deixou pior. Não sabia o que fazer! Observou o jovem o melhor que pode pelo espelhinho, debilitado, ele mostrava-se assim, finalmente percebeu as marcas um pouco roxas em volta do pescoço pálido. Seu olhar se arregalou, mas voltou à atenção no trânsito lamentando tudo que ele estaria passando.

As pessoas em volta de Uryuu pareciam saber fazer apenas isso... Lamentar.

Ponta Solta [Concluída]Onde histórias criam vida. Descubra agora