Interlúdio - Promessas do Vento

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Fragmentos de esperança

Jin andava lentamente pela calçada.

Havia acabado de devolver ao seio familiar as flores que encerravam as almas da mulher e da criança que o Senhor dos Hagar resgatara do caminho dos mortos. Não havia sido uma tarefa complicada, só tivera que tocar a campainha e deixar que a luz de Qenía-Araso fizesse o resto.

Uma senhora (a avó paterna da criança) os havia atendido, a expressão solícito-interrogativa que ela tinha fora substituída por uma de triste entendimento logo que ela olhou em seus olhos. O Hagar do Amor não a deixou saber o que havia acontecido, só que aquelas frágeis flores eram as pessoas que ela esperava retornarem para casa. O doce perfume por elas exalado era reconfortante, extrato de sorrisos alegres. Receberam um agradecimento abafado, mescla de alívio e saudade, ao entregarem o vaso a ela e partiram, deixando um pouco de luz junto às pétalas dos jasmins. Todos que vissem seu brilho as reconheceriam e lhes dedicariam o mesmo amor e carinho de antes. Não viveriam como humanas, no entanto jamais seriam negligenciadas ou ficariam solitárias, pois a luz de Qenía-Araso não se mitigaria.

J-Hope poderia ficar descansado, pelo menos quanto a isso. Berat-Enira sabia bem o que estava fazendo ao pedir que eles levassem as flores para casa. Jin se permitiu esboçar um pequeno sorriso. Era tão bom poder ajudar a reverter o mal praticado pelos Lirthua'shoa, mesmo que só um pouco. Trazia mais alguma esperança ao seu coração tão dolorido de culpa e pesar, esperança de que o episódio horroroso da noite anterior não voltaria a se repetir, esperança de que, num futuro não muito distante, casos como o dos jasmins também não passassem de tristes lembranças.

Assim que tivermos Akisha e Akasha ao nosso lado, esses anseios seus se tornarão de todo realidade, Seokjin, disse Qenía-Araso. Creia nas promessas de En e Kim Namjoon, não tardará a acontecer.

Alguns metros adiante, um carro parou no meio fio, e uma moça abriu a porta do passageiro, principiando a descer, mas se deteve por um instante, se esticando para dar um beijo de despedida no motorista. Jin sentiu o rosto esquentar enquanto se recordava de sua conversa com RM.

Havia conseguido reunir alguma esperança mais cedo, porque experimentou algum alívio ao desabafar com o amigo. Ele não tentou diminuir a gravidade da situação nem lhe disse para esquecer o que houve. Aprender com os erros era uma maneira de crescer e se tornar melhor, e a lembrança o ajudaria a se manter alerta dali para a frente. Disse que não deveria deixar a culpa corroê-lo, mas sim se esforçar para ser um aliado na missão de Qenía-Araso. Que não perdesse de vista em momento algum que aquilo havia sido um acidente, um acidente infeliz que poderia ter acontecido com qualquer um deles.

"Me perdoe. Se eu não tivesse sido tão resistente, teria estado lá com você. Mas, da próxima vez vou estar e retribuirei o seu olhar." Essas foram as palavras que Rapmon proferiu quando retornavam ao hotel, pouco depois que despertaram do sono imposto por Ak'houan-a-rae. "Fique com o tanto de culpa que possa transformar em força e me entregue o restante. Vou me assegurar de fazer dele um escudo de proteção para você, para nossos amigos, para os Ak'hagar e também para as vítimas de Edoras. Ninguém vai voltar a perder a vida por nossas mãos."

"Como?!" Pink Princess indagara, cessando os passos. "Não pode prometer uma coisa dessas, Namjoon-ssi!"

"Já está prometido, Kim Seokjin." Soube que era o comandante dos Hagar de Akisha falando antes mesmo que os olhos de RM, então um par de ciclones estampados de espirais nuviosas, se voltassem para seu rosto. "Eu ajudarei Namjoon com isso, e será provisório, só até que nos reunamos com os Fragmentos de Ak'Mainor. Farei com que isso aconteça o mais rápido possível, então procure se concentrar em seus deveres. Agora, vamos. Não devemos deixar Berat esperando."

Dito isto, En-Ephir lhe dera as costas para retomar a caminhada.

"Mas-"

Arviehe'prabath virara em sua direção uma vez mais, e Qenía, que até então vinha se mantendo reservado em seu luto, dera um sorriso de terna gratidão assim que ele voltara a se afastar. Jin não conseguira fazer mais nenhuma objeção, e tanto ele quanto Rapmon permaneceram em silêncio até chegarem onde seus amigos estavam. Jin balançou a cabeça. Tradução, En-Ephir só havia cometido um pequeno equívoco de tradução, e não havia por que esquentar sua cabeça com isso, não havia mesmo. Se dirigiu ao Hagar do Amor, abafando o suave risinho que ele dava (o que estava pensando não havia escapado à percepção dele — como poderia? — e lhe deixava sem-jeito):

Como pode ter certeza, Araso seonsaeng-nim? Até onde você me disse, depende de Berat-Enira-nim encontrar os Fragmentos, não de En-Ephir-nim, e... Bem, se algum dos outros Ak'hagar optar por sacrificar os infectados novamente, como Namjoon-ssi poderia impedir?

Eu tenho certeza, pois En nunca descumpriu uma promessa, e Kim Namjoon também estava decidido, ele não deseja falhar com você de modo algum. É um amigo valioso para ele, Seokjin. Entendo que tenha dúvidas, faz parte da sua natureza, mas peço que as deixe de lado e se concentre no laço que compartilha com seu amigo, como me concentro no que compartilho com En. Laços são feitos de sentimentos, e sentimentos são poder. Quanto mais confiarmos neles, mais chances de sucesso eles terão.

Antes que pudesse pensar numa resposta, Jin foi acometido pela sensação desagradável que já começava a se tornar familiar. Pressentia perigo, mas, diferente das vezes anteriores, além da sensação marcante, também vislumbrou flashes de imagens: peles de brilho azeitonado, jatos d'água, destroços de construções voando, um tapa... Soltou um suspiro meio de alívio, meio de enfado. Será que todos os dias seriam assim, tão repletos de atribulações, até o fim da guerra?

Apertou o passo para chegar ao hotel antes deles.

Yggdrasil - Demasiadamente HumanoOnde histórias criam vida. Descubra agora