Cap. 04 - Em Pedaços

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Aeroporto Internacional John F. Kennedy - Nova York, seis meses após o incidente na Espanha.

A mulher de ascendência oriental estava de pé recostada em seu Porsche vermelho e conversível, logo de frente para o portão de desembarque de vôos nacionais. O aeroporto estava cheio de muitos carros e táxis, mas seria impossível não identificá-la no meio de tantos, o corpo alto, magro e elegante, o vestido preto de fina costura, o belo par de óculos escuros mesmo tentando ser discreta, sua presença nunca era imperceptível.
Ao mesmo tempo em que essa mesma mulher, nunca deixaria de reconhecer o homem a sua frente mesmo que ele estivesse no meio de milhões. Ada observou o agente loiro atravessar o portão de desembarque com um andar pesado e ombros caídos, era a primeira vez que o via com um aspecto tão derrotado.
Leon se dirigia para o ponto de táxi que se localizava a poucos metros, mas interrompeu seu trajeto quando viu surgir à figura daquela mulher deixar o carro vermelho atrás de si e se dirigir até ele.
Sem piadinhas, sem "Bonitão". Ela retirou os óculos de sol, e lhe perguntou em tom sério, quase que piedoso:
"- Oi. Como você está?". - Tentou olhar nos olhos do agente, mas este também se escondia atrás de um par de óculos escuros. Ele percebeu que ela já sabia do ocorrido.
"- O que você está fazendo aqui?". - Ele não parecia bravo, apenas cansado. Seu tom de voz nada mais era do que de alguém exausto. E era óbvio que estava muito fraco para discutir.
"- Eu sinto muito pela sua perda Leon, e eu estou aqui para ajudar. Entra no carro e eu te explico...".
O agente engoliu em seco, estava fraco para discutir, mas ainda sim impaciente e desconfiado. E justo agora, num momento desses? Leon retirou os óculos, e percebeu o choque da mulher a sua frente ao ver os seus olhos vermelhos, essa era a primeira vez que ela o via chorar. Essa era a intenção, talvez se mostrasse toda a sua dor, ela entenderia que não era hora para inconveniências e simplesmente iria embora.
Ao invés disso, ela insistiu. "- Por favor, vem comigo.".
Ele pensou por algum tempo, e respondeu finalmente. "- Está bem.".
Caminharam até o Porsche, Leon jogou sua mala no banco de trás de qualquer jeito, e sentou no banco do carona, Ada tomou a direção do carro e saíram do aeroporto pegando a primeira rodovia que os levariam até Sherrill, que segundo a última contagem do governo, era a menor cidade do estado de Nova York.
A velocidade era alta e Ada embora tivesse sua atenção na pista, não perdia o homem ao seu lado de foco. Ele apertava a testa com a ponta dos dedos e permanecia de olhos fechados. Estava esperando que ela começasse a explicar. E ela começou.
"- Eu sei o que você está pensando Leon.".
"- Sabe?".
"- Você acha que a morte de seus pais não foi um acidente.".
"- E a sua presença aqui prova que eu estou certo.".
"- A minha presença aqui prova sim, que existe essa possibilidade, e é justamente o que nós vamos investigar.".
"- Nós? O que você quer dizer com nós? Se não foi um acidente, foi o seu patrão quem provocou a morte deles... Ada.". - Respondeu irritado, já se arrependendo de ter subido naquele carro.
"- Leon... Eu não posso te dar muitos detalhes, mas uma coisa eu posso te dizer, Wesker não é o meu patrão... Aliás, se amanhã ou depois eu aparecer morta, você pode colocá-lo como o suspeito número um.".
"- Do que você esta falando?".
"- Eu sou uma agente dupla, Leon... E minha missão na Espanha era outra. Aliás, eu gostaria muito de ver a cara do Wesker quando percebeu que eu lhe dei uma segunda amostra da Plaga, e não a que ele queria.".
"- E então, para quem você trabalha? Eu não acredito até hoje que você teve coragem de ativar os explosivos comigo lá!".
"- Se eu te disser, vou ter que te matar, Bonitão. Além do mais, eu te deixei o meu Jet-Ski.".
"- O que? Eu sinto as pedras explodindo nas minhas costa até hoje!". - Bufou - "- Tá, eu desisto, eu não quero saber sobre a Tríade, a Yakuza, ou seja, lá que porra de máfia oriental você trabalha.". - O comentário fez Ada querer rir. - "- Então me diz, que interesse você tem em saber o que houve aqui?".
"- Bem, meu trabalho nos últimos anos consiste basicamente em monitorar os passos de Wesker, interferir somente quando for conveniente... Para "quem" eu trabalho, saber se está ou não ocorrendo pressão, chantagem psicológica, vingança e até queima de arquivos relativos a todos os... Desafetos de Albert Wesker, é uma peça importante em todo esse jogo de xadrez.".
"- E porque você está me contando tudo isso?".
Ela sorriu. "- Eu confio em você.". - Respondeu olhando bem a reação do agente. - "- Além do mais, já estou coberta de problemas até o pescoço, é um jogo perigoso, tem tantas coisas prestes a explodir que não seria você dar com a língua nos dentes para a CIA que faria alguma diferença... E depois... Eu poderia fazer o meu trabalho de longe, mas achei que você merecia saber que eu estava aqui. Era a sua família.".
Leon apenas observava. E para Ada era mais do que óbvio o que acontecia entre os dois. Ela já o enganou inúmeras vezes, mas era como se o agente americano tivesse um sexto sentido, uma entidade, ou qualquer coisa... Que simplesmente o fazia entender e aceitar, que lá no fundo, ele podia confiar nela, e tudo o que ela fez e faz, tem um bom motivo, uma explicação, que ele só precisava esperar e saberia o que houve, com detalhes, quando estivesse tudo acabado.
"- Foi aqui que você nasceu?".
"- Nasci e cresci, até que entrei para a academia de policia em Manhattan.".
"- O que te levou a Raccon City?".
"- Eu li sobre os assassinatos e fatos estranhos que estavam acontecendo, os casos de canibalismo... E me interessei. Eu não sei, eu queria estar perto, achava que conseguiria me envolver nas investigações, descobrir um grande mistério por trás daquilo... Daí pedi minha transferência.".
"- E conseguiu.".
Estava tão atordoado e cansado que só agora reparou que Ada sabia exatamente onde tudo se localizava naquela cidade, era como se estivesse transitado por lá desde sempre. Pararam em frente à delegacia.
"- Eu vou esperar aqui.". - Ela não tinha nenhuma boa explicação para entrar lá "em público", além do mais, era um momento particular para Leon. Era melhor que ele fosse, fizesse o que tinha que ser feito, e depois, fosse checar tudo sozinha.
"- Ada...".
"- Sim?".
"- Você...". - Ele tomou fôlego. Apertou os olhos evitando chorar. Soltou o ar. - "- Você poderia... Ir comigo?".
No primeiro momento, Ada ficou em choque, sem palavras. Não! De jeito nenhum. Ela não servia para essas coisas, não para ser o apoio emocional de ninguém. "Sem chance Kennedy! Acredite em mim, é melhor para você!". Mas daí se viu pressionada pelo olhar de Leon, talvez o homem mais corajoso que ela um dia já conheceu aquele olhar de "pelo amor de Deus, não me faça implorar.". Não respondeu. Apenas fez um sinal nervoso de afirmação com a cabeça e saiu do carro com o agente.

(...)

"- Estes são os documentos encontrados no carro.".- Disse o Xerife entregando-os dentro de um saco plástico para Leon. - "- Os objetos pessoais como roupas, sapatos, jóias... Você pode pegar depois do reconhecimento dos corpos. Desculpe estar explicando tudo garoto, você já deve estar cansado de saber. A última vez que eu ti vi foi no dia da final do seu time de futebol do ensino médio. Eu lembro de você dirigindo a Pick-Up do seu pai, saindo para pescar no lago, eu lembro da sua primeira multa... Você ainda dirige mal?". - Ambos sorriam. - "- Daí eu esqueço que você cresceu e é um dos nossos. John e Rachel tinham muito orgulho de você.".
O Xerife esfregou os olhos com a palma das mãos, emocionado se dirigiu a Ada. - "- Ele foi um ótimo garoto... Desculpe Leon, acho que já passou da hora de me aposentar."
Chegaram até a porta do necrotério. Só era permitido que o familiar entrasse. Leon entrou com o Xerife e Ada ficou na porta esperando. Cada minuto parecia uma hora. Esfriou. Ela enrolou seu echarpe de seda em volta do pescoço. Olhou novamente para o relógio... Andou de um lado para o outro do corredor. Voltou para a porta. Ouviu passos... A porta do necrotério se abriu, era Leon.
Ele mantinha um olhar baixo. Ada pode ver as gotas de lágrimas que escorreriam e gotejavam da ponta do nariz perfeito. Leon olhava para as mãos vazias, como quem procura algo em meio ao nada. Ela nunca teve alguém realmente importante para perder, mas conseguia imaginar o tamanho da dor dele... Ele estava a ponto de desabar.
Ada se aproximou e tocou-lhe o braço, queria fazer algo, mas não sabia se devia. Depois do ocorrido na Espanha ela sumiu, não o procurou, não mandou qualquer notícia, era natural que ele entendesse a partir disso que ela não se importava com ele, que tudo o que aconteceu entre os dois não teve significado para ela. Não tinha medo da rejeição de Leon, mas sim de ofendê-lo com qualquer aproximação agora, não queria magoá-lo ainda mais. Mas para sua surpresa, quando ela se aproximou e tocou o braço do agente, ele simplesmente a puxou para ainda mais perto... E desabou.
Os soluços... Não eram altos para quem estava ali, mas eram como o pior grito de dor que Ada algum dia já ouviu... O pranto de Leon. Era de cortar até o coração mais gelado. Ela estava ali, com aquele homem enorme desmontado sobre os seus ombros, sacudindo copiosamente, molhando-lhe as costa com suas lágrimas. Era mais do que ela podia suportar, ele não merecia isso. E nada, nenhuma dor que a própria Ada já experimentou, foi maior do que ver o homem que amava sofrer daquele jeito. Não conseguia enxergar direito às paredes do local... Só então percebeu que eram suas próprias lágrimas. E então o abraçou forte, mais forte.
"- Ada... Eu estou sozinho. Eu não tenho mais ninguém.".
"- Shh... Eu estou aqui.". - Já era tarde. Já estava dito. Não deveria, mas disse. Não deveria querer... Mas queria que fosse verdade. Não deveria... Mas foi honesta.

Leon and Ada Side Story (Concluída)Onde histórias criam vida. Descubra agora