Cap. 12 - Londres

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Trancou a porta atrás de si quando chegou em casa, jogou as chaves em cima da mesa, retirou a jaqueta, o coldre de ombro com suas duas pistolas pendurando-as em cima de uma cadeira. Sua profissão lhe rendeu dias emocionantes, aventuras sem igual, mas de tempos em tempos tudo o que o seu trabalho tinha a oferecer eram dias enfadonhos como esse. Reuniões, discussões políticas, tarefa burocráticas, coisas úteis, porém inúteis, ou melhor, dizendo, inúteis o suficiente para ir embora mais cedo.
Tinha tarefas a fazer com essas duas horas livre. Abastecer o carro, comprar uma escova de dentes nova, shampoo, ir ao supermercado. Porém não fez nada disso. O tédio diário, mesclado com total falta de ânimo simplesmente o levaram direto para casa.
Tirou o cinto e se livrou dos sapatos enquanto caminhava em direção ao quarto, se livrou da camisa e atirou tudo em cima da esteira - aquela velha companheira que ele se obrigava a correr todas as manhãs, ou melhor, que o trabalho o obrigava. - Deixou que seu corpo caísse sobre a cama, fixou o olhar para a janela semiaberta, que deixava o vento fraco sacudir as cortinas suavemente, as cortinas brancas deixavam os últimos raios avermelhados de sol invadir o quarto e pousarem sobre a cama.
Foi numa tarde exatamente assim, sob essa mesma luz, naquela cama, a última vez que a viu.
Motivos para amá-la não faltavam, eram tantos que nem sabia por onde começar. Um deles, por exemplo, era quando ela fazia "isso"... Ficava deitada ao seu lado, muda, enquanto descansavam após se amarem, ela apenas percorria todo o seu corpo com as unhas, delicadamente. Ambos nus deitados de frente um para o outro, ela se apoiava em um cotovelo, e punha-se a admirá-lo, contornando cada curva de seus músculos, tocando cada cicatriz como se quisesse decorar cada uma delas, tocava-lhe o rosto, penteava sua franja...
Eram longos minutos assim, até que ela começasse a depositar beijos em seu peito, barriga... Até que eles se amassem uma vez mais. Porém esse dia foi diferente. Ada permaneceu exatamente assim, observando-o, acariciando-o com seu toque suave, tão delicado e que poucas pessoas sabiam o quanto ela era mortal e não tinha absolutamente nada de frágil... Ela parecia cansada e pensativa. Leon adormeceu, e quando acordou a espiã ainda estava ali, fazendo à mesma coisa. Ela beijou os lábios do agente, um beijo delicado e cheio de ternura.
Leon percebeu que Ada estava diferente, no momento em que ela o encarou com aqueles olhos que até hoje não conseguiu identificar a cor, às vezes podia jurar que eram verde cor de jade, outras eram acinzentados e em tardes assim ou quando escurecia, pareciam cor de mel. "- O que foi?". - Perguntou tocando a face perfeita da mestiça que tanto amava com o dorso dos dedos.
"- Eu preciso ir embora." - Respondeu rapidamente. Sem cerimônias. E pelo olhar, pelo comportamento, pelo tom de voz, Leon entendeu que ela não falava de ir para voltar no dia seguinte, ou em uma semana.
Um flashback de muitos dias e noites horríveis, de terror, solidão, depressão e atitudes das quais ele se envergonhava até hoje passou pela cabeça de Leon. "- O que aconteceu dessa vez?".
"- Quanto menos você souber melhor.".
Lá vinha ela com essa conversa outra vez. Não o envolvia em seus assuntos, não deixava que ele a ajudasse... Sentia vontade de discutir, brigar, porém não o fez. Lembrava das palavras dela, que se ele não pudesse conviver com suas condições, então que não deveriam nem começar, e a colocar para correr, dessa vez para nunca mais voltar. Mas Wesker estava morto... "- Você está fugindo outra vez?".
"- Eu estou sempre fugindo.".
"- Não há nada que eu possa fazer?".
"- Sim. Você pode se cuidar e ficar bem. Eu não tive pais, mas acho que se tivesse, eles não ficariam felizes em me ver amante de um bêbado.".
"- Então você já está sabendo...".
"- Eu já te disse. Eu sei de tudo.". - Ela o beijou novamente. -"- Não me faça voltar aqui e encontrar uma criatura deprimente. Eu quero te ver assim, do jeitinho que eu deixei.".
Seria demais ter um relacionamento normal? Ah é... Ele já tentou isso, e deu muito errado. Duas vezes, uma antes e outra depois de Ada. Tinha tudo para dar certo, mas com ele parecia errado, não havia química - nem física - não aconteceu o amor, ele se sentia a pessoa errada, no lugar errado, um descolado. E com Ada, tudo estava errado, mas ele nunca se sentiu tão certo, assim como em Raccon City, onde muitos diriam que ele estava no lugar errado, na hora errada, no fim, ele hoje agradece por ter sido o homem certo, no lugar certo. Com Ada não poderia ser diferente, ela era sua outra metade, como ele mesmo já confessou uma vez, uma parte dele que não pode simplesmente deixar ir.
Nesse dia, ela se foi. Foi em Março de 2007.
Olhou para o calendário na parede, chegou março de 2009, e nunca mais a viu. Sua cama já não tinha mais o perfume dela, mas ele estava gravado em sua memória. Tudo naquele apartamento estava impregnado com a lembrança dela, o quarto, o banheiro, o sofá.... Ela caminhando seminua, pelo corredor, a porta da varanda que nunca mais foi fechada nem em dias de chuva... Porém ela nunca mais voltou.
Recebeu dois telefonemas, cada um com menos de quarenta segundos. Ela não precisava explicar, ele sabia que eram necessários no mínimo quarenta segundos para rastrear a ligação. Também recebeu flores uma manhã, nenhum cartão, só um envelope vazio com um beijo de um batom vermelho como selo. Num outro dia, sem que ele pedisse, bateu a sua porta o delivery de um café da manhã, quando ele ligou para perguntar de quem foi o presente, lhe responderam: "- Tudo o que ela disse foi: Se o seu motoboy não for muito tímido, pode chamá-lo de Bonitão. Vai ser engraçado.". Ela estava viva, e isso era o mais importante. Quatro sinais de vida em dois anos não era muito, mas se sentia orgulhoso por ela ter se esforçado, imaginava que não deve ter sido fácil.
E era justamente ao calcular o quão difícil estaria sendo para ela, que Leon se sentia na obrigação de também ser forte e fazer sua parte. E dois anos, preocupado com ela, dia após dia, noite após noite, só aumentava a sua certeza de que cabia a ele achar uma solução, não sabia se era isso o que ela queria talvez suas ideias só a assustassem e a fizessem ir embora para sempre. Mas ele estava decidido a arriscar. Preferia arriscar perdê-la por ela ter fugido, do que um dia receber a notícia da morte da espiã e passar o resto da vida se culpando por nunca ter ao menos tentado.

Leon and Ada Side Story (Concluída)Onde histórias criam vida. Descubra agora