Cap. 05 - Fotografias

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Não demorou muito até encontrar tudo o que precisava naquela cozinha, era tudo organizado, os armários e o balcão branco, tudo bem cuidado e limpo. Separou os saches de chá de camomila e o açúcar depois os colocando dentro das duas canecas da maneira mais rápida possível.
Era bem diferente do chá que ela gostava, e muito diferente do típico chá chinês. Mas a intenção ali era outra, queria apenas confortar o jovem agente que ficara sentado na sala de estar. Por isso, nem queria demorar muito. De pé em frente ao fogão, enquanto esperava a água ferver, lembrava do inesperado convite para que ela não fosse a um hotel, mas ficasse lá... Com ele.
Preferia não pensar que o pedido foi porque ele de fato precisasse de companhia, acreditava que ele estaria bem sozinho no fim das contas. Mas ele estava certo ao argumentar a respeito da logística, seria bem mais fácil trabalharem juntos e dividir informações se estivessem perto. Sentiu uma ponta de culpa, por aparecer somente agora, em um momento como esse, mas sabia que não tinha muita escolha. Não há motivo para remorso. As coisas apenas são como são.
Colocou a água fervente dentro dos canecos e deixou que se fizesse a infusão retirou-os e mexeu com uma colher apressadamente. Tomou as duas canecas, uma em cada mão e voltou para a sala.
"- Tome. Não é a melhor coisa que eu já fiz, mas muito melhor que o café que você queria.". - Entregou uma caneca e ficou com a outra, sentando-se ao lado de Leon no sofá.
Ele absorveu um pouco do liquido fumegante e deu um sorriso cansado. "- É o melhor que eu já bebi. Obrigado.".
Ada apenas observava o homem ao seu lado. Nem nos piores dias de trabalho - e olha que ela os vivenciou bem de perto e sabe melhor do que ninguém o quão terríveis foram - Leon pareceu tão exausto como agora. A espiã segurava seu próprio caneco com apenas uma das mãos, e com a mão livre esfregava lentamente os ombros largos e tensos do agente ao seu lado.
O celular de Leon tocou algumas vezes durante a noite, mas ele atendeu só três chamadas. Hunnigan, Chris e Claire. Ada gostaria de ter se levantado para deixá-lo à vontade ao telefone, porém não pôde devido ao fato da mão livre do agente não soltá-la um minuto, fosse com um carinho displicente no ombro ou no joelho, mas que virava uma pegada firme caso ela tentasse se levantar. Procurou não prestar a atenção, mas pode perceber que eles não viriam para o funeral. Hunnigan não podia deixar Washington, Chris e Claire estavam praticamente do outro lado do planeta.
Na mesa de centro em frente a eles, uma pilha de papéis e documentos. Fotocópias dos documentos, atestado de óbito, coisas sobre o seguro funerário. Tudo aquilo a deixava cansada também. Morrer é fácil, mas nunca tinha pensado o quanto é difícil para quem fica. E Leon, o pobre Leon, tinha que resolver tudo o mais rápido possível, pois também não deveria ficar afastado do trabalho na capital.
Permaneceram sentados um ao lado do outro, ora abraçados, ora de mãos dadas. Leon embora cansado não conseguia nem pensar em dormir e Ada, nem pensava em sair do lado dele. E quando a madrugada chegou adormeceram juntos no sofá.

(...)

Aquela era uma cidade pequena, e todos pareciam conhecer o casal Kennedy. Estiveram presentes no velório e no crematório vários amigos da família, todos conhecidos de muitos anos, ex-professores do Leon, o treinador do time de futebol, vários casais de amigos, da igreja, do trabalho, o pastor presbiteriano.
Carregava uma urna, nela continha as cinzas de seus pais misturadas, segurava com cuidado enquanto Ada caminha ao seu lado. Flagrou-se relembrando como ela havia se comportado todo o dia. Tão amiga, companheira paciente com todos os parentes que faziam muitas perguntas e surpreendentemente doce e simpática, mesmo que ainda assim o mais evasiva possível. Leon sabia que não houve maiores intromissões ou que não fora constrangido hora nenhuma pelo simples fato daquilo ser um funeral, porém conseguia imaginar como seria a vista de Ada Wong aquela singela comunidade em qualquer outra circunstância.
"- Então o menino Kennedy apareceu com uma mulher de Nova York?".
"- Há quanto tempo vocês estão juntos?".
"- Sabe, o meu neto adora cultura oriental, vive pedindo comida chinesa. Eu adoro aqueles biscoitos da sorte.".
"- Olhe aquelas roupas... E aquele carro parado em frente a casa dele! Aposto que não sabe passar uma camisa ou fritar um ovo! Pobre Leon, o que ele recebe não dá nem para pagar o batom que ela usa. Isso não vai durar!".
Sabia também que em respeito ao momento, não comentaram, mas que dentro de poucos dias, vão comentar. Ada e ele passaram por todos de mãos dadas e sempre sentados lado a lado, ela estava lá na casa dele... Bem, não sobrará ninguém da família Kennedy ali em poucos dias para ouvir qualquer coisa, então quem se importa?
"- Todos foram muitos gentis em trazer toda essa comida.". - Disse ela carregando os potes de plástico enquanto entravam pela porta da cozinha. - "- Mas é muito. Vai estragar tudo.".
"- Ada, não se preocupe com isso...". - Disse quando a viu procurar espaço na geladeira para guardar os potes. - "- Dê-me um minuto e eu guardo isso.". - E seguiu para a sala de estar.
A espiã perecia ser bem ágil quando o assunto é organizar um espaço, era tudo uma questão de lógica e geometria, foram apenas alguns segundos e as prateleiras daquele refrigerador poderia ser exposto facilmente em um comercial de TV. Ela fechou a porta atrás de si e seguiu o agente.
Leon permanecia de pé em frente à lareira, pensativo. "- Que estranho...". - Ele começou. - "- Eu estava procurando um bom lugar para colocar essa urna... Daí eu lembrei que dentro de poucos dias tudo isso que está aqui deverá estar encaixotado e seguindo rumo a Washington.".
"- Você vai levar tudo?".
"- Não. Vou deixar a mobília para trás e vender junto com a casa. Talvez eu deva jogar as cinzas em algum lugar, mas não faço ideia de onde.".
"- Isso você não precisa decidir agora.".
"- Ada, eu preparei o quarto dos meus pais para você dormir e coloquei as suas coisas lá, você pode usar a suíte para tomar banho, o chuveiro lá é bem melhor do que esse que nós usamos aqui embaixo hoje.".
"- Só de ter uma cama já esta bom. Dormir sentada naquele sofá destruiu as minhas costas.". - Ela respondeu estralando o pescoço.
Leon apenas sorriu. Foi bom acordar de manhã ainda cansado e dolorido, mas com Ada adormecida sobre seu corpo. - "- Eu estou sem sono, acho que vou aproveitar para empacotar algumas coisas de uma vez... Pelo menos esses porta-retratos.".
"- Está bem. Qualquer coisa, é só chamar.".

(...)

Depois do banho tomado, Ada se encontrava deitada naquela enorme cama de casal. O sono não vinha e estava começando a achar que a insônia de Leon era algum tipo de doença contagiosa. Seus pequenos pés descalços tocaram o chão frio quando ela se levantou finalmente, vestiu o roupão de seda cor vinho por cima da longa camisola da mesma cor.
Seguiu o barulho de papel sendo rasgado e caixas sendo montadas. Era Leon ainda trabalhando.
"- Posso ajudar?". - Encontrou os olhos do agente percorrendo o seu corpo da cabeça aos pés. - "- O que foi?".
"- Nada...". - De fato não era nada, era só uma mulher linda de morrer em trajes de dormir, escancarada na porta da sala, nada indecente ou curto, mas ela ainda assim era um arraso, Ada conseguia ser sexy naturalmente, mesmo sonolenta. - "- Não prefere descansar?".
"- Sua insônia é contagiosa, Bonitão.". - Ela disse de forma displicente enquanto montava habilmente uma caixa de papelão.
Leon já não usava mais a sua gravata, a camisa já estava dobrada até os cotovelos e desabotoada até o terceiro furo, mas ao ver Ada descalça lembrou que poderia se livrar também desse acessório chamado sapato, que por sinal, o estava matando. Perdeu alguns segundos retirando as meias e quando voltou a atenção as caixas percebeu que a mulher a sua frente dava atenção a algumas fotos.
"- É você?".
"- Sim.".
"- Você era uma graça de escoteiro.". - Ada passeava os olhos por cada uma das fotos deliciada com o que via. Clube dos escoteiros, time de futebol, medalhas, campeonatos de matemática, natação, Leon monitor de acampamento juvenil... Era tudo tão previsível, ele era definitivamente o típico bom moço, bom garoto norte americano exatamente como nos filmes hollywoodianos. E nada disso era fingimento, era algo natural, que brotava de dentro. Guardou a foto.
"- Essas fotos vão ficar muito bem no porão do meu prédio.".
"- Sério? Que pena.". - Completou a primeira caixa. Fechou e montou outra. - "- Por quê?".
"- Não me imagino decorando o muquifo onde vivo. Digo... Por quê o faria?".
"- Hmm, eu entendo. Digamos que eu não recebo muitas visitas também.". - Ela completou outra caixa, rápida, eficiente e organizadamente. - "- Mas meu muquifinho é um luxo!". - Piscou para ele.
"- Não creio que seja um muquifo. Não mesmo.". - Leon terminou outra caixa. Estava impressionado com o cuidado e a velocidade que Ada terminava as coisas, era como se trinta minutos de trabalho dela equivalessem a quatro horas do seu.
"- E o que você imagina?". - Ela terminou outra caixa.
"- Eu não sei. Na China talvez... Um palácio oriental enorme, com empregados até para te fazer Shiatsu e massagens nos pés, seu próprio jardim oriental feito com pedras, seu próprio templo budista...". - Terminou outra caixa, e não havia mais caixas para montar, foi até Ada ajudar com a dela.
"- E os meus próprios Dragões chineses, passeando no meu quintal e voando e pousando no meu telhado, não se esqueça deles. Eu podia jurar que jardins com pedras eram japoneses...".
"- E você não sabe se são chineses ou japoneses?".
"- Eu sei lá!". - Terminaram e fecharam a caixa juntos.
Leon tocou Ada pelos ombros e a fez virar em sua direção. Passou a mão pelos cabelos negros e brilhantes como um corvo, que ainda cobriam seu belo rosto. "- E se Ada Wong não sabe algo, não serei eu que vou saber.". - Disse antes de beijá-la. O beijo era doce, calmo, ele era terno e carinhoso. Ada protestou quando o agente interrompeu. "- Eu preciso de um banho. Depois acho que devíamos dormir.".
"- Sim, precisa. E eu descobri o seu primeiro defeito. Que menino mau!".
"- Ahn?!".
"- Você andou fumando Leon Scott Kennedy! Achei que você tinha parado depois de se tornar um agente."
"- C-como você sabe que eu fumava e parei, quando... Como?". - Quanto ao agora, hoje, era óbvio que ela sentiu o gosto do tabaco em sua língua.
"- Eu sei de tudo.". - Disse com um ar superior. Beijou os lábios do loiro uma última vez e disse virada de costa para ele antes de cruzar a porta. - "- Não faça isso Bonitão, seu beijo é muito mais gostoso sem essa coisa.".
"- Hmm. Mulheres.".
Ada dedicou alguns segundos só para olhar o homem deitado á sua frente com os cabelos ainda úmidos.
"- Então é só isso?".
"- Isso o quê?".
"- O menino escoteiro. Servir e proteger, integridade, caráter, bom mocinho... O jovem policial. Foi tudo assim, natural como respirar? Nenhum acontecimento marcante, nenhum trauma de infância, nenhum parente policial, não perdeu ninguém na guerra... Enfim, você entende o que eu quero dizer.".
"- Bem...". - Ele sorriu desconcertado. - "- Você vê algo errado?".
"- Não. Só é bom saber que eu me enganei. Você é o melhor ser humano que eu já conheci.". - Ela disse antes de beijar-lhe a testa e virar para dormir.
"E os bonzinhos sempre ganham beijinhos na testa e ficam na zona da amizade pelo visto.". Leon apagou a luz, ainda decidindo se a abraçava por trás ou não.

Leon and Ada Side Story (Concluída)Onde histórias criam vida. Descubra agora