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Sérgio entra na sala de aula, com o professor de filosofia já tendo começado a aula.

Rapidamente, ele vai até a última cadeira passando por todos alunos, e senta-se ao lado de uma roqueira.

— Acho que o coroa ali não curtiu muito seu atraso. — Sérgio é pego de surpresa com o comentário da moça de cabelos pretos e pele branca, que fala com ele sem tirar os olhos do professor.

— É acho que sim... O ônibus quebrou. Meu nome é Sérgio.

A moça o deixa com a mão esticada.

— Vejo que além de chegar atrasado, procura tirar a atenção de quem deseja assistir minha aula. — Sérgio, levanta a mão direita pedindo desculpas. — Desculpas aceitas. Obrigado. — Informa o professor.

— Hum... Você é muito educado novato! Meu nome é Anita. — Sérgio dessa vez, balança a cabeça positivamente. Agradecendo-a. Mas, sem tirar os olhos do professor. — E aprende rápido! — A moça brinca com ele.

Novamente os dois se encontram na parada de ônibus.

Sérgio sai de mais uma aula, onde tudo é muito teórico e isso o deixa irritado. Ele é prático e gosta das coisas objetivas.

— Novato! — Anita está usando um óculos escuro perto das dezoito horas.

Sérgio sorrir para a moça e diz:

— Boca de confusão! Você vai pegar que ônibus? — Sérgio verifica as horas e vai dar dezoito horas. O ônibus que ele vai pegar, deve passar lotado, como acontece todos os dias.

— Qualquer um que chegue em Boa Viagem. E o que achou das aulas?

— Gostei... Apesar que prefiro as aulas com matérias exatas.

— Hum, um homem que curte a precisão e o que pode ser explicado.

— Pode ser! Notei um certo tom debochado? — Os dois gargalham. — Eu sou um homem que não acredita em tudo que dizem.

— Como o que por exemplo? — Anita volta a pergunta com um olhar inquiridor.

— Você acredita em Deus? — Sérgio, usa essa tática, para encerrar logo o assunto. O seu ônibus vai chegar e olhando bem para Anita, ele sente que vai ser perda de tempo, ficar jogando conversa fora.

— E por que não acreditaria?

— Não sei, deixa para lá. Foi uma pergunta idiota. Mas, foi muito bom conversar com você.

— Você não sabe mentir.

Sérgio surpreende-se com o que acaba de escutar. Realmente ele não sabe disfarçar o que sente, e alguns amigos o chamam de um "Livro Aberto".

Anita continua:

— Se você quer cessar uma comunicação, faz diferente, ou então diz: "Estou sem saco hoje, para falar com garotas que são roqueiras."

— Eu estou sem saco hoje para conversar com garotas que usam roupas pretas e se acham mais foda que os demais!

— Isso gafanhoto! Parabéns! Viu, não foi difícil! Na próxima vez, faz assim... É mais digno. — Anita deixa Sérgio falando sozinho e sobe no ônibus, olha para trás e ver a cada segundo ele ficar menor.

Mais uns dias se passam, Sérgio chega atrasado novamente na aula de Filosofia.

— Bom dia. Desculpas o atraso.

— Você chegou exatamente na hora que deveria chegar. — Comunica o professor.

Sérgio, mesmo não entendendo a fala do professor, senta-se no canto da sala.

— Nobre aluno, — O professor senta sobre a mesa. — Qual o meu nome?

Sérgio olha para os lados, e percebe que realmente o professor está falando com ele.

— Professor? — A classe gargalha e Sérgio não entende o porquê.

— Sérgio, estamos conversando hoje sobre o tema: "Ser ou ter"!

— Ótimo! Fico feliz. Eu prefiro Ter! — Novas risadas entre os alunos.

— O que você quer da vida nobre rapaz?

— Seria errado eu dizer que quero ter tudo que ela pode oferecer? — O rapaz tira o caderno da mochila.

— Claro que não! Temos vinte e quatro horas para buscarmos tudo que podemos. E isso é um fato.

— Mas qual o seu nome?

— Heitor.

— E o senhor é filósofo?

— Não! Sou apenas um professor que estuda a filosofia. E que adora fazer as pessoas pensarem.

— Uau! Fazer as pessoas pensarem? Então não estamos pensando?

— Não disse isso. O que falei é que ajudo as pessoas a pensarem que, o mundo é mais do que desejamos e queremos.

— E como você poderia me ajudar a pensar melhor? Ou onde estou pensando errado?

Heitor sorrir.

— Sérgio, inconscientemente isso já está acontecendo. Mas, não é pensar sobre a ótica do que é certo ou errado. O que pode ser visto errado aqui no Brasil, talvez não o seja em outra parte.

Heitor caminha pela sala.

— Mas, se nossa vida estiver centrada na busca de sermos pessoas melhores, ajudando ao próximo, não tenho dúvidas que nossas virtudes serão sempre virtudes aonde quer que estejamos.

— Isso parece mais coisa de religião.

— E o que significa a palavra "religião"?

— Eu acho que religião é a crença em alguma divindade, logo, diga-me o senhor se estou errado.

— Religar. O sentido de que algo foi interrompido e precisa ser religado. Você não acha que precisamos religar nossa ética?

Sérgio mexe as mãos como quem está falando: "E daí?"

— Vamos mais além, Jesus disse que a verdadeira religião é cuidar dos órfãos e das viúvas... Estamos fazendo isso?

— Ahhh, eu sabia que o senhor chegaria nesse tipo de "religião" que estou falando... Heitor, o senhor um professor de filosofia citando Jesus Cristo... Por favor, me ajude.

— E qual o problema?

— Então, só falta o senhor dizer que ele nasceu de uma virgem.

— Eu sou ateu. — Responde Heitor.

Sérgio surpreende-se com a revelação.

— É sobre esta forma de pensar que estou tentando mostrar. Eu não acredito em Jesus como o filho de Deus, ou o salvador, mas não posso negar que seus ensinamentos são únicos. O problemas é que estamos presos a tantos paradigmas e esteriótipos que perdemos a chance de tornar a vida nesse mundo melhor... Eu vou negar que o que Jesus diz é verdade sobre a caridade, por que não acredito em Deus?

Heitor, segue até o quadro e escreve:

"As virtudes sempre serão virtudes, os valores sempre serão uma variável."

— Hoje os valores estão centrados em sermos ou termos?

A sala não aventura-se a responder.

— Quais são os vídeos mais assistidos no YouTube? Os vídeos mostrando o que uma alma obstinada em ajudar um cachorro, matando sua fome ou aqueles que mostram o quanto uma pessoa gasta em roupas para ostentar?

Heitor caminha por entre as cadeiras nas salas de aula. Ele, mantém o foco em todos, Sérgio o escuta com a testa franzida.

— Pessoal, não há nada mais degrandante para uma civilização, quando passamos a adorar o ter... Não os estou julgando por serem ricos, ou por postarem suas "ostentações", mas esses valores só são possíveis por que os cultuamos... Viramos nossa atenção à essas ações e não àquelas que mostram o quanto um ser humano pode trazer alento ao próximo com as mínimas coisas.

BORBOLETA PRETA - COMPLETO - Lançado 14/02/2019Onde histórias criam vida. Descubra agora