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— Dormiu bem meu amor? — A mãe de Rioston pergunta-o assim que ele chega na cozinha.

— Muito bem mãe! Papai já saiu?

— Já meu filho. Ele foi no quarto, lhe deu um beijo e foi para empresa. — Dona Eulália coloca o café fraco sobre a mesa.

— Não vejo a hora de voltar a trabalhar. — Rioston tira os óculos escuros, os colocando sobre a geladeira e depois senta-se.

— Eu sei meu filho. Mas tudo ao seu tempo. Primeiro seu total restabelecimento... Fiz panquecas para você.

— Maravilha! O apetite aumentou nesses últimos dias.

— Mas me diga, o que você está fazendo por aqui? Eu estava quase dormindo quando seu pai me avisou que estava em casa.

— Mãe, estou ajudando uma amiga, a reparar um erro. — Rioston coloca as duas mãos sobre a mesa.

— E isso é possível? — Dona Eulália pega um prato raso e entrega ao filho.

— Sim, é possível. Mas não sei se vamos conseguir. — A mãe observa o filho pegar o garfo para partir a panqueca.

— O que aconteceu? — Ela pensa em oferecer ajuda, mas não faz.

— Mamãe... Parece uma história de trancoso, mas essa minha amiga saiu de casa deixando para trás marido e filho. Abandonou tudo.

— Meu Deus que horrível. E por que ela fez isso?

— Ela não se lembra. — Dona Eulália, que estava parada na frente do fogão, vira-se para o filho. Rioston continua falando e comendo:

— Ela está procurando o marido para pedir perdão e falar tudo o que sente, haja vista jogou tudo para o alto.

— Houve alguma perda, tragédia ou ele bateu nela?

— Mamãe, não sei... hoje teremos mais resposta. O que tenho certeza é que estava com saudade desse café, e do cheiro dele.

— Você deveria voltar para Recife. Morar conosco! Não tenho dúvidas que se alimentaria melhor.

— Mas mãe, Porto é meu lugar. Parece até que estou preso ali. Mas no bom sentido.

— Eu sei disso. Desde pequeno, você ama aquela cidade. — Dona Eulália fala com saudosismo.

— O mar de lá é diferente... até o cheiro da maresia alimenta minha alma. E não falta muito para que volte a surfar.

Dona Eulália acaricia o rosto do filho. Rioston mostra o prato vazio querendo mais panqueca.

— No próximo final de semana vamos lhe visitar. — Rioston sorrir de felicidade ao lhe ser servido mais panquecas.

— Excelente! Vou está esperando vocês! E como vão as coisas na empresa? — Ele sorve com um farto gole, o café fresco.

— A agência de turismo está de vento em polpa. E o carro? Gostou das alterações?

— Sim! Obrigado... Poder acelerar e passar a marcha com as mãos ao volante ficou bem melhor.

Rioston suspira. Lembra-se de algo e coloca a xícara com café na mesa.

— Eu tenho acordado durante as madrugadas, o acidente sempre me acompanha. Às vezes tenho vontade de morrer, ou de me matar.

A dona Eulália segura na mão do filho, pedindo que não fale mais nada. Ele continua:

— Mãe, como pude ser tão irresponsável? Eu pensava que poderia fazer tudo que desse na cabeça e que nada de ruim aconteceria. Como fui um idiota.

Ele engole seco e bebe um pouco mais de água para limpar o engasgo.

— Essa jornada que estou fazendo, ajudando Anita a tentar conversar com o marido, é uma forma de achar um propósito nessa vida. Não sei qual será o final dessa história, mas não posso passar por essa vida sem pelo menos ter ajudado uma pessoa.

Rioston mastiga o último pedaço da panqueca.

— Quando estava morto, já perto de voltar a vida, foi me dito que não poderia ainda ficar ali, e voltaria para ajudar outras pessoas a encontrarem o norte.

— Eu sei meu filho. E você vai. Independente de tudo que aconteceu, você é uma boa pessoa.

É a vez de Rioston aperta as mãos de sua mãe.

— Eu acho que a dor da culpa nunca vai me deixar, igual a um espinho no pé que volta a doer quando pisamos errado no chão.

— Meu filho, eu não sei como ajudar.

— Não há como me ajudar. E há respostas que nunca as terei, tipo por que Veruska não sobreviveu e eu não continuei morto?

— Filho, por que o sol nasce para todo mundo? A chuva só cai para quem é bom ou para todos? Por que coisas ruins acontecem as boas pessoas? Eu não sei os porquês disso... Mas sei que é assim. O que podemos fazer é sermos agradecidos a Deus, mesmo não entendendo os porquês.

Rioston agarra a mão esquerda da sua mãe.

— Eu sei que nunca terei essas respostas, mas não consigo deixar de pensar sobre elas. Eu não consigo parar de pensar em Veruska e no acidente. Todos os dias sofro com o que aconteceu, sofro por saber que interrompi a vida de uma pessoa, e sofro por que sei que seus pais estão a  esperando em casa, e ela nunca mais vai voltar para eles.

— Rioston, meu filho... Essa sua dor nunca vai passar, ela irá minimizar, diminuir. Mas nunca desaparecerá completamente.

— Entendo, um castigo.

— Não meu amor, na verdade é um aviso... O aprendizado de que não temos como controlar nossos destinos, depois de uma escolha mal feita... Podemos até fazer correções e reparações, mas o resultado das ações mal escolhidas estarão ali para sempre. E aí filho, precisamos escolher entre seguirmos com resiliência e subliminando o ocorrido ou nos entregarmos e continuarmos em nossa rota de destruição.

Rioston levanta-se e abraça dona Eulália .

— Obrigado mãe, te amo.

BORBOLETA PRETA - COMPLETO - Lançado 14/02/2019Onde histórias criam vida. Descubra agora