Capítulo 1

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Minas Gerais, 1982

Eu estava com medo. Pode não ser o que se espera ouvir de um assassino, mas creia-me, não sou de mentir. Nunca havia sentido tanto medo. Nem quando era menino, e meu pai colocava o revólver dentro da minha boca, o meu coração disparava daquele jeito.

Ainda havia feridas avermelhadas nos nós dos meus dedos e uma constante ácidez subindo pela minha garganta. Tirei o chapéu da cabeça, apertei os olhos com força, esfregando o rosto e sentindo a barba por fazer me espetar os dedos. Que diacho estava havendo comigo?

Fiquei por vários minutos olhando para o rancho em que meu irmão e eu viveríamos. Era uma enorme casa de dois andares, com telhas de barro, paredes caiadas e janelas de madeira marrom.

— Casa? — Duvidei — Só outro maldito esconderijo.

Quando moleque eu sonhava em crescer, ganhar muito dinheiro e presentear minha mãe com uma casa. Imaginava minha irmãzinha, Eva, desfrutando de um quarto cor-de-rosa e um balanço de pneu no quintal.

Nada disso nunca aconteceu. As duas estavam mortas e enterradas, assim como cada um dos meus sonhos.

Observei ao redor, tentando me distrair. Havia muitas árvores frutíferas ali, além de dois chiqueiros, um espaço para galinhas e um extenso pasto. Como gigantes adormecidos ao longe, estavam as grandes e verdes montanhas mineiras.

— As cercas precisam de conserto. — Mauro anotou mentalmente ao parar ao meu lado — Temos que conseguir cavalos e cachorros bravos. Não me deixa esquecer também que, além das garruchas, vamos ter que comprar mais algumas boas espingardas.

Não precisei me virar para meu irmão para saber que estava feliz. Era fácil para mim reconhecer em seu tom de voz. Não me surpreendi, tendo em vista que sempre fui o único a demonstrar algum remorso.

— Pra quê tudo isso numa cidade sossegada dessas? — Perguntei, carrancudo como sempre.

Ele abafou um riso de escárnio e não respondeu de imediato. Meu irmão se decepcionava comigo até nas falas mais simples.

— Não viu as cruzes pela estrada, irmão? Em Divino se mata mais gente por prazer do que boi pra comer. Podemos não durar uma semana aqui se não formos espertos.

Mauro caminhava em volta do nosso investimento com ar esnobe. Eu não o julgava por se sentir daquela maneira. Nós nunca havíamos sido donos de nada.

Aquela era uma sensação nova para mim também, mas eu não era como meu irmão. Havia pouca coisa naquele mundo desgraçado que poderia me fazer expressar alguma alegria. Na realidade, não pensava que alguma vez havia sentido qualquer alegria.

— É um bicho do mato! — Lembro de meu pai rosnar sobre mim com minha mãe — Esse menino não fala! Não ri! Não chora! Daqui a pouco nasce rabo e a gente vê que criou bicho e não gente!

Com as mãos na cintura magra, o cigarro no canto da boca, chamuscando o bigode castanho, e um chapéu branco na cabeça, meu irmão ficava tão parecido com nosso pai que muitas vezes eu sentia que conversava com o fantasma dele. Era uma sensação terrível, ainda mais quando Mauro dizia que eu deveria sorrir mais.

— Você tem cara de touro bravo, Rômulo. — Ele ria — Vê como confiam mais em mim do que em você? É porque eu sorrio mais. É fácil. As pessoas veem o que você quiser que elas vejam.

Sorrir não parecia tão fácil. Meu rosto havia desaprendido a forma de um sorriso há anos. A vida havia me destroçado, me roído o peito e aberto um buraco, um grande vazio que ardia sem parar. Nem fazia ideia da razão de ainda estar vivo.

a Flor e o VentoOnde histórias criam vida. Descubra agora