Capítulo 9

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— Essa menina é uma bruxa! É uma macumbeira! — Rosnou o velho Juca, andando atrás de nós com o dedo apontado para Rosa — Isso é coisa do diabo!

—  O caminhão mais tarde vem buscar o milho. — Respondi, puxando a ponta do chapéu antes de me despedir e agarrando a mão de Rosa para que ela não ficasse para trás. Seus dedos estavam gelados.

Depois de alguns passos, senti Rosa puxar a mão da minha, como se tomasse um choque. Olhei para ela e depois para o fazendeiro, ao longe. Ele fez uma careta de desagrado da varanda enquanto nos olhava caminhar para a caminhonete.

— Como você sabia que as cartas eram iguais, Rosa? — Perguntei, curiosíssimo ao entrar na caminhonete — Como fez aquilo?

Ela se sentou no banco de trás e nos encaramos pelo retrovisor. Carlo, o irmão adolescente, ocupou o banco da frente para não render à irmã alguma fama ruim.

— O Tião, filho do Sô Juca, me ensinou esse truque, dotor. — Explicou ela, parecendo muito mais insegura do que antes — Ele via o pai dele fazer com outras pessoa. Por isso eu disse pro senhor que o Juca tava jogando, precisava alertar o senhor se ele fosse fazer uma aposta.

—  Essa história de queimar a carta... — Balancei a cabeça, admirado — Você pensou muito rápido!

Ela sorriu de volta pelo retrovisor, mas logo olhou para o lado, parecendo triste outra vez. Não entendia. Rosa me dava a impressão de estar fantasiada, como se estivesse se escondendo de alguém ou de alguma coisa debaixo daquela máscara de simplicidade.

— Agora é ver se esse véio vai liberar os mantimento da tia Nenê mesmo. — Carlo cruzou os braços, cético — Ele num tava com cara de bons amor não, dotor!

— Cara do demo! — Comentou José Marcos, querendo rir — Chamou tudo que é bicho dos inferno! Achei que cês ia sair no tapa. Duvido que ele vai deixar a tia pegar alguma coisa do paiol.

—  Preocupa não. — Respondi, atravessando os portões da fazenda — Se ele não liberar, eu venho acertar essa conta.

Em vez de ir para o rancho, dirigi até o local em que a viúva do Mudoca estava sobrevivendo com os filhos. A primeira coisa que vi, ao longe, debaixo da mangueira à beira da estrada, foi uma cômoda velha com as gavetas penduradas.

— Ela tá com os móveis aqui?

—  Não tem onde por, dotor. — Rosa falou — Logo vai estragar tudo, ainda mais se chover.

Quando me aproximei, vi também alguns sacos de roupas amontoados em um canto, algumas cadeiras, dois colchões de palha e uma cama de casal desmontada. Como Rosa havia me contado, havia uma mesa grande coberta de trapos sendo usada como barraca. Era lá que dona Nenê escondia os três filhos pequenos.

Rosa e os irmãos observavam a tia sem dizer nada. A mulher estava com um rosário no pescoço, feito de contas-de-lágrima, uma semente cinza azulada que crescia naqueles matos. Segurava o crucifixo com força enquanto olhava para o céu a cada palavra pronunciada.

— Meus menino, tenho medo por eles. Esses homem vem e solta tiro de noite. Meus menino um dia vai morrer ou eu memo vou amanhecer com os miolo estourado.

Dona Nenê era uma mulher de meia idade, de cabelos grisalhos, presos em um coque apertado na nuca. Tinha o rosto duro como pedra. Parecia inquebrável, resistente e intensa, mesmo tão pequena e desnutrida. Se parecia muito com a irmã, a mãe de Rosa.

— Cês ainda tão trabalhando pra Dona Mariinha? — Perguntou Carlo — O pai disse que a senhora tava indo lá todo dia.

— Eu cozinho e os menino ajuda descarregar o café, a juntar e essas coisa tudo. — Disse ela — Lá nós come e passa o dia. A Terezinha já tem doze ano e me ajuda demais. Só que eu tenho que esconder bem minha menina desses homem que desce de cavalo. Nós num sabe do coração das pessoas, né fio? — Segredava ela —  Agora os meus dois menino roda pra toda banda. O Nelsinho quase num aguenta acompanhar o Leozinho pelos pasto.

a Flor e o VentoOnde histórias criam vida. Descubra agora