Capítulo 16

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Andar pela Rua Nova ao lado de Valéria era atrair todos os olhares. Ela não tinha a melhor fama, embora pouco se importasse em como parecia aos olhos do povo. Mauro desdenhava dela por isso, mas eu não era melhor do que ele. Sempre a vi como uma cadela no cio. Me servia assim e nada mais.

— Eles moram perto da escola, no fim da rua. — Explicou Valéria — Devem estar em casa agora.

— Vai na frente e chama eles, nós esperamos na esquina pra não dar problema.

— E eu digo o que, Rômulo?

— Inventa algo, diacho!

Valéria saiu bufando alto e à passos largos. Nós dois fomos mais devagar logo atrás, deixando ela tomar distância.

Passamos em frente a um parquinho onde havia várias gangorras, balanços de madeira com longas correntes, um grande escorrega com uma ponte de corda e um forte, além de vários outros brinquedos. Havia algumas crianças ali, alheias ao mundo dos mais velhos.

Me lembrei de quando era um menino e do quanto fiquei contente no dia em que meu irmão fez um balanço para mim. Ele arrumou uma corda velha e amarrou em um pedaço de pau, depois prendeu no galho de uma mangueira aos fundos da casa. Ele mesmo não brincava, mas fez questão de me dar aquele presente. Ele sabia que assim me ganharia de tal modo que eu jamais contaria suas diabruras a ninguém.

— Quer brincar no balanço? — Eu perguntava a Mauro sempre que o via sair de casa à tarde.

— Vou brincar é de caçar. — Respondia ele, com o sorriso frouxo e ruim que sempre teve — Quer vir também, Rômulo?

Por mais inclinado que eu fosse a seguir Mauro por todos os lados, nunca tinha coragem de acompanhá-lo nas caçadas à tarde. Eu desconfiava daquilo. Ele quase nunca voltava com algum bicho abatido, mas estava sempre cansado e sujo de sangue.

Aquele balanço se tornou meu lugar de pensar, de sossegar, de ficar em silêncio como um idoso no banco de uma praça. Eu era um moleque acostumado a ficar sozinho e nesses minutos me sentia em paz enquanto me balançava.

Aos sete anos, depois de um dia de trabalho, corri para a mangueira e vi meu pai cortar a corda do balanço em um acesso de fúria. Ele quebrou vários galhos e chegou a cortar o dedo com o canivete enquanto brigava com algum demônio que o rodeava.

— Chega de preguiça! — Gritou ele ao me ver chegar para brincar — Vai ter que trabalhar, vagabundo! Quem quer comer tem que trabalhar!

Ele apontou a ponta do canivete para mim, mas eu não corri. A cada grito eu me senti mais hipnotizado pela cena. A última coisa da qual me lembro nesse dia é de cair no chão com um forte tapa do meu pai. O motivo foi a terrível pergunta que fiz a ele:

— Por quê?

Meu pai estava furioso pela morte de minha mãe, pela fome, pela miséria e pela crueldade que compunha sua carne suja. Eu entendo hoje que ele não aguentou enxergar o mínimo de alegria ao seu redor. Existe um prazer em destruir no outro aquilo que nos foi negado. Eu sei bem disso.

Observei outra vez a criançada no parque, deixando minha última lembrança de brincar aos fundos da memória. Vi que dias de ser criança talvez estivessem começando para alguns. Isso me parecia bom. Eu não desejava tirar aquilo de ninguém.

Depois do parquinho ficava a escola, que possuía uma cerca viva com hibiscos floridos em tons de vermelho. O nome gravado na placa da entrada dizia "Escola Estadual Dr. Pedro Paulo Netto".

Deixei a curiosidade pelo lugar de lado quando avistei Leozinho caminhando em nossa direção. Estava de mãos dadas com uma menina pouco menor que ele. Havia várias crianças brincando na rua quando nos aproximamos dos dois.

a Flor e o VentoOnde histórias criam vida. Descubra agora