Capítulo 39

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Mauro se embrenhava pela mata escura, me guiando aos sussurros. Carrapichos grudavam em nossas calças e arranhavam nossos rostos. Minhas costas doíam e meu corpo pesava muito mais do que o normal a cada passo. Estava tonto, sentindo o cheiro da fumaça e da morte. Meu estômago se revirou, minha visão ficou embaçada e, em segundos, tudo se apagou diante dos meus olhos. 

Sonhei com uma noite tranquila e acreditei estar deitado em minha cama, dormindo, até que despertei subitamente. Abri os olhos para o céu negro, repleto de estrelas. Havia desmaiado e batido a testa em uma pedra. Percebi isso por causa do sangue que escorria até meu olho, formando uma pequena poça. Mauro provavelmente havia me virado de barriga para cima. Ele estava sentado ao meu lado fumando um cigarro. 

— O que aconteceu? — Limpei o olho com a manga da camisa e tentei me levantar, mas não consegui. Tudo ainda girava. 

— Venha ver, irmão — Ele chamou pacientemente, soprando a fumaça. Um sorriso encantado brilhava em seu rosto. — Olha aquilo.

Me esforcei para ficar sentado. Logo abaixo de nós, depois daquele morro, dava para ver o clarão do fogo que ainda ardia.

— A fazenda vai ser destruída. — Me preocupei — E matamos mais do que era o combinado.

Mauro se virou irritado.

— Quem foi que não conseguiu matar o velho? Se tivesse conseguido, os outros estariam vivos.

— Eu matei o velho Juca! — Resmunguei, furioso — Arrebentei a cabeça dele.

Mauro parou, riu e deu tapinhas cordiais em meu ombro.

— Não tô reclamando. — Ele puxou uma última tragada e jogou o toco de cigarro perto do sapato, pisando sobre ele logo em seguida para apagá-lo. — Foi melhor do que o esperado. 

— Esse casarão vai arder a noite inteira. — Senti um gosto metálico na boca. Cuspi a saliva com sangue no chão. Havia mordido a língua ao cair.

— A fazenda é grande. — Comentou ele, despreocupado — Vai queimar só uma parte. Quando for nossa, mandamos reformar.

— Nossa? — Nada ali era nosso, tudo aquilo pertenceria à Rosa a partir da morte dos fazendeiros.

— Nosso, sim, Rômulo. — Ele olhou de volta para o fogo, parecendo sonhador — Os irmãos Borges estão mais ricos do que nunca agora.

Nos levantamos e seguimos caminho. Preferimos a trilha coberta de capim-limão, obedecendo o ensinamento de nosso pai, que costumava dizer para seguirmos trilhas cobertas por essa planta, visto que as cobras a odiavam, assim como odiavam o tabaco e a calêndula. Sempre colocávamos algo assim em nossas meias, sapatos e bolsos. Quem dera nos protegesse de outros perigos.

Quando Mauro dirigiu de volta para casa, decidi ir a pé. Não queria nada além da companhia dos fantasmas e dos mosquitos irritantes que me causavam irritações na pele com suas picadas. Durante minha caminhada, tive medo de olhar para trás e ver a fila de mortos me seguindo, todos que matei em minha vida. Por um segundo, me imaginei sendo arrastado e linchado por uma multidão de almas penadas e vingativas. A ideia me angustiou.

Fiquei por muito tempo com a sensação de que voltaria a desmaiar. Tropecei nas pedras e vaguei cambaleante por um longo caminho. Isso só parou quando estava finalmente em casa com um copo de café em mãos e os olhos arregalados de Rosa a me encarar.

— Eles morreu queimado? — Sua voz foi um sopro amedrontado. Ela estancava o sangramento em minha testa com uma fralda de pano.

— Eu matei ele antes. — Virei um gole do café recém-coado. Lá fora ainda era noite e havia silêncio, nem mesmo ouvia-se as cigarras ou os grilos em sua melodia interminável — Quebrei a cabeça dele com um cinzeiro de ferro. O crânio ficou uma farofa...

a Flor e o VentoOnde histórias criam vida. Descubra agora